Entrevista: Dorothy Rooma, escritora

Entrevista: Dorothy Rooma, escritora

1. Dorothy, você começou a escrever e ilustrar durante a pandemia. Como foi esse processo de transformação da ideia inicial dos personagens Teodoro e Aderbal até a criação dos livros?
Comecei a desenhar com lápis/caneta e papel algumas ideias que eu guardava há algum tempo. Então encontrei mais de perto em 2022 a possibilidade de desenhar no tablet, o que me daria mais dinâmica e velocidade para me expressar. Eu acredito na tecnologia como meio para a criatividade. A transição de desenhos para personagens de histórias fluiu com certa facilidade – porque enquanto eu os desenhava, algumas  situações e histórias vinham à minha mente. O tablet me ajudou a materializar questões que me chamam atenção na educação das crianças: como hábitos saudáveis e interações socioculturais.

2. Teodoro e Aderbal são personagens que abordam temas de autocuidado e cuidado com o ambiente. O que te inspirou a escolher essas temáticas para suas obras infantis?
Penso que dois motivos me moveram para esses temas: (i) a observação como pais/famílias/tutores lidam com as tarefas cotidianas relacionadas às crianças – como banho, escovar os dentes, comer frutas, verduras, legumes, grãos e cereais e também a questão da informação cultural e o convívio social – que muitas vezes geram um esforço de convencimento; e (ii) o entendimento de que a formação de cidadãos com autonomia tem a sua base na infância (também no cuidado com o corpo e com a informação) – esse entendimento também tem como base de reflexão a minha tese de doutorado que trata de Sustentabilidade – especialmente a Sustentabilidade Educacional, que contempla investimento em educação preparatória para um sistema de valores de respeito ao meio ambiente, de despertar cultural, de adaptabilidade e autonomia, autoconfiança e autoestima.

3. Participar da Bienal do Livro de São Paulo pela primeira vez deve ser uma experiência marcante. Quais são suas expectativas para esse evento?
Além da ansiedade, principalmente contar para pais/familiares/tutores, e claro para as crianças, que tarefas cotidianas ligadas a hábitos saudáveis são muito importantes – e o quão importante é considerar um espaço de organização para essas tarefas. Para pais/familiares/tutores, quero apresentar o Teodoro como um “intermediador e apoio” no diálogo com suas crianças – Teodoro como um “curador” para questões de hábitos saudáveis. Para as interações socioculturais – considerando os dois livros até agora escritos – com Teodoro busco ajudar a despertar na criança uma atenção para o mundo das artes e cultura e para o convívio criança-criança. Aderbal, por sua vez, atua como um “apresentador” da vida em casa. Nos dois livros escritos, Aderbal mostra “lugares” e também traz sua rotina a partir da leitura das horas. Então, ao levar os livros de Teodoro e Aderbal para as casas, penso que estarei contribuindo para as relações familiares.

4. Você mencionou que os livros não ensinam como executar as tarefas, mas sim organizam espaços para que as crianças possam aprender. Pode nos contar mais sobre essa abordagem e como ela impacta o aprendizado infantil?
Penso que a organização de ambientes é um ponto de partida para a execução de tarefas. E para um ambiente organizado não existe “receita”. Os livros da coleção Teodoro Adora Hábitos Saudáveis, por exemplo, apresentam cada tarefa a partir do objetivo de “crescer forte e saudável”. E para cada tema os elementos são apresentados na forma circular. Cada criança com seus tutores poderá escolher, dos itens ali apresentados, qual faz mais sentido para sua rotina. O “jeito” de a criança fazer determinará a sua organização – e especialmente com foco na tarefa: começo, meio e fim.

5. Como foi a recepção das coleções de livros do Teodoro e do Aderbal por parte dos pais e das crianças? Alguma história ou feedback que te marcou?
Sim. Algumas fotos que recebo e estão no instagram @teodoro_adora. Por exemplo: (i) um pai que comentou que o filho está soletrando em casa com o livro do Teodoro; (ii) que a criança quer escovar os dentes do Teodoro; (iii) que Teodoro é seu amigo. Enfim, algumas histórias que me deixam muito feliz por estar contribuindo com o dia a dia das famílias. Penso que é importante considerar, que as tarefas intermediadas por Teodoro podem deixar as tarefas mais lúdicas: o teodoro está fazendo, ou está crescendo etc.

6. Além dos temas de autocuidado, seus livros também exploram aspectos socioculturais, como em “Teodoro adora o Masp”. Como você escolhe os temas para cada livro?
Para a Coleção Teodoro Adora Sociedade e Cultura – onde enderecei o livro sobre o Masp e também o segundo livro sobre brincadeiras infantis, eu escolho temas a partir de dois critérios: (i) que contribuam para uma percepção abrangente de mundo – onde a arte é fator essencial; (ii) que eu tenha intimidade com o tema. Como é bom ver crianças em museus, como é bom ver crianças brincando com crianças. Há que se considerar que neste guarda-chuva, as possibilidades são muitas, como museus e centro culturais de São Paulo (onde resido), por exemplo. E também lugares que visito e busco aprofundar conhecimento.

7. Sabemos que o Teodoro foi inspirado em uma ilustração feita por sua filha em 1997. Como essa conexão familiar influenciou o desenvolvimento dos personagens e das histórias?
Totalmente. Sou mãe e avó. Acho que como mãe nem tive muito tempo de me dedicar a essas questões de hábitos saudáveis, por exemplo. Também a informação não estava assim tão “na frente da gente”, como é hoje. Hoje, indubitavelmente, questões básicas para a formação do futuro adulto estão mais esclarecidas e são mais esclarecedoras. Mas sobre o desenho de 1997 do Teodoro, a história é interessante: eu guardei o desenho e o trouxe “à vida” como personagem mais de vinte anos depois. O desenho original traz uma escova de dentes na boca do Teodoro. E a partir disso, eu ampliei seu escopo de comunicação. Uma mãe me solicitou que eu escreva sobre Teodoro Adora usar o vaso sanitário. Vou encontrar um jeito bem legal de falar sobre isso.
 
8. Você acredita que seus livros podem auxiliar não apenas no desenvolvimento das crianças, mas também serem uma ferramenta útil para famílias com crianças que têm necessidades cognitivas especiais? Pode nos falar mais sobre isso?
Muito. Cada livro segue um ritmo que está presente em toda a Coleção. Cada página tem uma informação completa. A sequência do livro – que chamo de algoritmo – segue um “começo, meio e fim”, seguindo o objetivo que é apresentado no início do livro. Há mensagens mais sutis, como a evolução do Teodoro. 

Penso que cada livro respeita a própria maneira de a criança responder à informação. Se ela gostar de determinada fruta, determinado legume ou outro elemento, ela pode seguir este elemento – que vai desencadear na finalização da tarefa. Há um sentido de: “eu completei a tarefa”. Cada criança tem seu tempo. Penso que os livros do Teodoro dão espaço para o “tempo individual da criança”, especialmente considerando as imagens, as frases curtas que provocam foca na mensagem. E eu desejo, do fundo do meu coração, que o Teodoro apoie as crianças, cada uma no seu tempo individual – e que Teodoro seja um “verbo”: Teodorar ou Teodorando (ideia recente da minha filha, hoje com 43 anos).

9. Quais são os próximos passos para você como autora? Há novos projetos ou personagens em desenvolvimento?
Sim, há. Nas coleções do Teodoro ampliar especialmente a Coleção Teodoro Adora Sociedade e Cultura: a Pinacoteca, o Museu do Ipiranga/Independência, Nossa!!! vários espaços referência. Quanto à Coleção Teodoro Adora Hábitos Saudáveis outras questões como organizar os brinquedos, arrumar a cama, por exemplo. E para o Aderbal outros desafios: com cores, formas geométricas no ambiente doméstico, por exemplo.
 
10. Como foi conciliar sua carreira como professora universitária e a transição para autora e ilustradora de livros infantis? Alguma experiência acadêmica influenciou o seu trabalho atual?
Na verdade, quando eu erradamente achei que estava aposentada, a minha cabeça não parou de me provocar. Pensei que iria “descansar”, mas felizmente não foi assim. Novos desafios. Novos tempos. Em 2019, pouco antes da pandemia, tive um desafio: trabalhar como Especialista em uma loja de aparelhos eletrônicos em um shopping de São Paulo. Uma empresa inovadora, tanto em tecnologia como em questões de diversidade. Foram quatro anos (incluindo o home office da pandemia) que eu me desafiei aprendendo coisas novas (ali conheci o potencial do tablet como ferramenta da criatividade). Eu tive muita sorte de ter vivido essa experiência. 

Todo o meu percurso profissional foi pautado em Administração e Marketing – da graduação ao doutorado. Em empresas, trabalhei e gerenciei projetos em Marketing. Ministrei aulas de Administração, Gestão, Marketing e Sustentabilidade. Mas foi ali, do alto dos meus 60 anos, que vivi a experiência face a face com o consumidor. E, principalmente, com questões tão atuais que nenhum livro me daria assim de forma tão aberta. Importante experiência, infelizmente errando mas também acertando, e sempre a melhor vivência é o contato direto com pessoas. E assim continuo meu percurso: na busca do contato vivo com as pessoas.

marramaqueadmin