Entrevista: Caroline Vaz, escritora
1. Como você descreveria a relação entre matemática e literatura em seu livro “As Minhas Férias Sem Matemática”?
A relação entre matemática e literatura em “As Minhas Férias Sem Matemática” é principalmente de contextualização. Hoje em dia, é crucial mostrar a importância e aplicabilidade de cada matéria. Embora a matemática seja frequentemente percebida apenas como uma ferramenta de cálculo, ela também busca desenvolver habilidades de abstração, lógica e resolução de problemas que estão presentes em nosso dia-a-dia quase a todo tempo. Portanto, a história vem exemplificar e ilustrar esses exemplos reais. Além da contextualização, busquei também incorporar elementos de uma narrativa lúdica através do livro, com o objetivo de mostrar que a matemática não está restrita aos limites convencionais impostos pela matéria.
2. Qual é o principal objetivo que você busca alcançar ao conectar a matemática ao mundo da literatura infantil?
Meu objetivo maior é cativar as crianças e aproximá-las o máximo possível desse universo. Considerando que praticamente todas as crianças gostam de ouvir histórias, vejo na literatura um meio eficaz de despertar o interesse delas pela matemática, mesmo que não sejam entusiastas da leitura em si.
3. Pode compartilhar conosco um exemplo de como a matemática está presente em situações cotidianas, como descrito em seu livro?
No livro, parto de exemplos tangíveis, como o uso do dinheiro para comprar sorvetes e outros itens na praia, e também exploro situações cotidianas em que os números são essenciais, mas além disso, destaco exemplos mais sutis de outras áreas da matemática, como geometria, grandezas e medidas, e estimativas. Por exemplo, quando o personagem observa a presença de formas geométricas durante uma simples caminhada para casa e até mesmo quando estima os grãos de areia. Essa abordagem ampla demonstra como a matemática permeia diferentes aspectos de nossas vidas de maneira significativa.
4. O que motivou você a escrever um livro que aborda a matemática de uma maneira mais lúdica e contextualizada para crianças?
O principal impulso para escrever um livro que aborda a matemática de forma lúdica e contextualizada para crianças foi presenciar o constante descontentamento tanto dos alunos quanto dos professores com a matéria no dia-a-dia da sala de aula. Além disso, minha própria busca por recursos que tornassem os tópicos mais acessíveis e envolventes em sala de aula também foi um fator pessoal significativo que me motivou a escrever o livro. Sei que essa é uma iniciativa positiva para esse cenário, mas ainda não é suficiente.Precisamos aumentar esse acervo nacional.
5. Como você acredita que “As Minhas Férias Sem Matemática” pode ajudar os pais a abordarem o ensino de matemática com seus filhos de uma maneira mais eficaz?
Ainda que o livro dialogue com crianças no universo escolar, ele pode ser usado em casa para remover as barreiras do medo da matéria, para responder a eventuais perguntas das crianças do por que a matemática é necessária, além de aproximar pais e filhos nessa relação de estudo com a mesma, especialmente considerando as experiências negativas que muitos pais tiveram no passado. Essa abordagem inclusiva e reflexiva certamente ajudará os pais a reavaliarem sua relação com a matemática e a incentivarem seus filhos de uma forma mais positiva.
6. Como sua formação e experiência profissional influenciaram a abordagem que você adotou para ensinar matemática?
Minha formação em pedagogia e também em gestão escolar se deram em universidades que valorizavam o pensamento crítico, e isso foi fundamental para me trazer nessa nova abordagem do ensino da matemática. Porém foi a psicopedagogia que de fato ampliou meu entendimento sobre o processo de aprendizagem do estudante, e me deu ferramentas para fazer as devidas intervenções. Foi a partir dela que passei a questionar as dificuldades observadas no ambiente escolar e me deparei com um desafio específico: a dificuldade dos alunos do ensino primário em compreender subtração. Essa questão me levou à descoberta de uma nova abordagem para o ensino da matemática. Enquanto isso, os cursos internacionais contribuíram significativamente para o aprimoramento da minha prática em sala de aula. Eles destacaram a importância de utilizar não apenas o concreto e o abstrato, mas também o pictórico no ensino da matéria – algo que era desconhecido para mim, minha equipe e ainda é para muitos educadores brasileiros.
Minha experiência com a educação infantil e o primário me davam segurança para implementar esses novos métodos, e minha formação em didáticas de ensino da matemática no ensino fundamental me permitiram avançar para a coordenação de uma equipe de professores, assim como a elaboração e revisão curricular da matéria.
7. Você poderia compartilhar conosco alguma experiência pessoal que a levou a se dedicar ao campo da educação e, mais especificamente, à área da matemática?
O campo da educação sempre foi meu sonho, desde sempre! Nunca aspirei a outra profissão senão a de alguém que pudesse ensinar e compartilhar conhecimento. O que particularmente me atraiu para a área da matemática foram as recentes confirmações de que os alunos do ensino primário estavam enfrentando grandes dificuldades com as operações, principalmente a subtração, quando ingressavam no segundo ano.
Nós, como equipe, acreditávamos que essa dificuldade estava relacionada à transição dos alunos da fase concreta, em que manipulavam materiais, para a fase abstrata. Essa hipótese se mostrou coerente e relevante. No entanto, durante minhas pesquisas, descobri nos estudos de Piaget uma explicação sobre como os números são aprendidos e como o raciocínio lógico se desenvolve. Fiquei intrigada com o conflito entre o que observamos no ensino atual e as ideias de Piaget. Para ele, o ensino não pode ocorrer sem diálogo entre os alunos, e a discordância entre eles é fundamental. Essa discrepância me incentivou a continuar procurando métodos e abordagens para alcançar os alunos e reduzir essa lacuna.
Foi então que descobri o método de Singapura, que enfatiza a importância de passar pelo estágio pictórico antes de avançar para o abstrato. Essas descobertas não pararam por aí, e há muito mais para compartilhar. Quem sabe um podcast seria necessário para transmitir todas essas informações!
8. Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao escrever e publicar seu primeiro livro?
O maior desafio foi avançar com a ideia. O cenário atual não é favorável tanto ao consumo de livros físicos quanto à área da matemática. Meus pensamentos tendiam a acreditar que seria apenas mais um livro no mercado e que não faria tanta diferença na vida das pessoas. Precisei vencer essa crença e avançar com esperança.
9. Algumas pessoas acreditam que a abordagem tradicional de ensino de matemática é mais eficaz do que métodos mais inovadores. Como você responderia a essas críticas?
Ao responder a essas críticas, primeiro busco compreender o contexto e a perspectiva das pessoas que defendem a abordagem tradicional de ensino de matemática. Muitas vezes, essa preferência pode estar relacionada à falta de recursos ou formação adequada, o que influencia sua visão sobre o assunto.
Entendo que diferentes contextos educacionais demandam diferentes abordagens, e a abordagem tradicional pode ser mais adequada em certas situações. No entanto, acredito que é importante considerar os benefícios dos métodos mais inovadores, que buscam tornar o aprendizado da matemática mais acessível, significativo e envolvente para os alunos.
A combinação de abordagens tradicionais e inovadoras pode ser uma estratégia eficaz para atender às variadas necessidades dos alunos e promover um aprendizado mais abrangente e eficaz da matemática.
10. Há quem argumente que conectar a matemática à literatura pode distrair os alunos do aprendizado dos conceitos matemáticos essenciais. Como você rebate essas opiniões?
Para rebater essa opinião, é fundamental considerar como os conceitos matemáticos são realmente aprendidos. Se entendermos que a compreensão dos conceitos ocorre simplesmente por meio da memorização de regras e sistemas, então a preocupação de que a literatura possa distrair os alunos pode parecer válida. No entanto, quando compreendemos que a verdadeira aprendizagem ocorre através de experiências significativas, contextualização e discussões, percebemos que a literatura não apenas é aceitável, mas fundamental. O equívoco reside justamente nessa compreensão do processo de aprendizagem da matemática. Durante muito tempo, acreditou-se que a simples memorização de fórmulas era o suficiente. No entanto, hoje sabemos que os alunos assimilam melhor os conceitos quando têm a oportunidade de explorá-los em contextos reais e relevantes, o que a literatura pode proporcionar de maneira eficaz. Portanto, conectar a matemática à literatura não distrai os alunos, mas os engaja de forma mais profunda e significativa no processo de aprendizagem.
11. Se a matemática fosse um sabor de sorvete, qual seria e por quê?
Eu nunca havia pensado nisso, mas amei a pergunta. Se a matemática fosse comparada a um sorvete, para mim seria o pistache. É um sabor não muito comum, nem todos experimentam, tem uma certa fama de bom, mas gera receio a quem ainda não experimentou. No entanto, assim que você dá a ele uma chance, se apaixona; pelo menos foi assim comigo. A matemática também, assim que você se envolve com ela, descobre camadas de profundidade e beleza que a tornam surpreendentemente deliciosa e gratificante.
12. Se você pudesse viajar no tempo para ensinar matemática a uma figura histórica, quem seria e por que?
Eu não voltaria para ensinar, mas sim para aprender, especialmente com Piaget. Muitos dos métodos mais inovadores têm suas bases e raízes nos estudos dele. Reconheço que outros pesquisadores também contribuíram significativamente, porém, considero Piaget uma fonte fundamental de conhecimento para compreender e desenvolver abordagens pedagógicas mais eficazes. Até mesmo a renomada abordagem matemática de Singapura, reconhecida por seus excelentes resultados no PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, incorpora contribuições de Piaget em sua metodologia.
13. Se você tivesse que escolher uma música para representar a matemática, qual seria e por quê?
A música “O Caderno” do Toquinho é uma escolha natural para representar a matemática, pois mesmo não sendo escrita com essa intenção explícita, a canção retrata o caderno como um amigo inseparável das crianças, onde são registradas suas experiências, desenhos e sonhos. Da mesma forma, a matemática é inseparável do desenvolvimento de qualquer ser humano, permeando todas as áreas da vida, desde a simples contagem até a resolução de problemas complexos. Assim como o caderno é essencial para a expressão e o registro das experiências, a matemática é fundamental para a compreensão e o avanço do mundo ao nosso redor.