Entrevista: Carina Schulze, codiretora da série “O Menino Maluquinho”

Entrevista: Carina Schulze, codiretora da série “O Menino Maluquinho”

1. Parabéns pela indicação ao Emmy! Como vocês receberam a notícia de que “O Menino Maluquinho” foi indicado na categoria de “Melhor animação infantil”?

Muito obrigada! Nós ficamos muito felizes e lisonjeados. Esse projeto foi feito com muito amor e carinho durante a pandemia – então não foi uma fase fácil. Mas sinto que todo mundo encheu o projeto de amor e carinho – que fez com que ele tenha sido um projeto que uniu muito a equipe. Como não conseguimos nos ver presencialmente a troca foi toda virtual – então foi um grande desafio. Fazer uma série de animação já é uma jornada épica, imagina no meio de uma pandemia. Então tudo isso para dizer que todos ficamos extremamente felizes e nos sentindo muito realizados e muito reconhecidos. 

2. Antonio Pinto mencionou que o personagem do Menino Maluquinho faz parte do imaginário das crianças brasileiras há mais de 40 anos. Como a adaptação da série trouxeEu esse personagem clássico para uma nova geração?

Nós trouxemos elementos que fizessem o projeto e o personagem acessíveis a crianças dos dias de hoje – que vivem mais antenadas e em uma velocidade mais turbo, com suas próprias gírias e questões – mas nós mantivemos a essência do Menino Maluquinho que as pessoas já amam e conhecem do livro. Ele é o mesmo menino no seu “eu interior” – mas transportado para hoje. 

3.Esta é a primeira vez que a obra virou uma série de animação. Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram durante o processo de adaptação?

Eu falei um pouco da série ter sido feita na pandemia e com tudo virtual. Animação e produção audiovisual de uma maneira geral, é um trabalho em equipe com muito colaboração. Somos como um time underdog que precisa enfrentar mil desafios juntos para chegar até a final de um grande campeonato. Imagina fazer tudo isso de um jeito em que você não pode se ver, não pode sair para desabafar, não pode abraçar. Acho que isso foi grande. Mas conseguimos! Acho que o outro desafio foi trabalhar com esse personagem tão amado do Ziraldo, que já está no imaginário de todo mundo que trabalhou na série – e fazer todo mundo entrar na mesma sintonia. Muitos estavam com medo, se sentindo intimidados de trabalharem com esse personagem já tão famoso. Fomos lidando com isso aos poucos – pedindo para todo mundo trazer um pouco de si, um pouco de seu universo e da sua infância para o projeto – porque afinal de contas somos todos “menino maluquinho” não é não? 

4. A série enfatiza a diversidade e representatividade racial. Como a produção celebra a diversidade dentro e fora das telas?

Estou falando bastante da pandemia nessa entrevista né? Mas… uma das coisas interessantes que saíram desse processo virtual foi poder trabalhar com pessoas de todo o Brasil. Então realmente temos uma representatividade bem ampla em todas as áreas do projeto – desde roteiro, produção, arte, até os atores. Isso foi muito massa! E a gente não limitou sotaques, expressões e outros elementos. Então por exemplo – os roteiristas trouxeram suas próprias gírias locais para os diálogos. E os artistas trouxeram os cantinhos onde cresceram – então na rua do Maluquinho você vai encontrar o grafite que existia na frente da casa do diretor de arte, e em um episódio ele vai no Mercadão igual o mercadão que o nosso diretor ia com a mãe dele. Enfim – tem o Brasilzão de todo mundo nesse projeto. Os atores também “criaram” os personagens – trazendo muito deles mesmos para o projeto. Isso está refletido ali na atuação e na tela. 

O nosso sonho era para que qualquer criança do Brasil estivesse vendo a série e se reconhecendo ali. 

5. Durante a pandemia, a produção da série aconteceu de forma remota. Pode nos contar como isso afetou o processo criativo e de produção?

Já falei bastante sobre isso :)! Mas para resumir – foi super desafiador o trabalho remoto com uma equipe tão grande. Passamos por momentos muito difíceis, muito mesmo – com a galera sofrendo com sua saúde mental por conta do isolamento. Mas a gente implementou certas coisas – tinha uma equipe de psicólogos para oferecer apoio para quem precisasse. E também adotamos um esquema de ter eventos virtuais pelo menos uma vez por mês. Festinha mesmo com música, mostrando episódio, e jogando conversa fora. Assim todo mundo se sentiu mais parte de uma comunidade. 

Mas a coisa boa que saiu disso tudo é que a gente pode expandir muito nossa equipe e trabalhar com gente de todo o Brasil. Isso enriqueceu DEMAIS nossa arte, nossos roteiros e fez toda a diversidade que você vê na equipe ser possível. 

6. Quais foram os elementos que tornaram “O Menino Maluquinho” uma mega produção? Como foi a colaboração entre a equipe?

Foram 26 episódios de uma série bem premium que exigia tudo na altíssima qualidade. Hoje em dia é muito raro você ter tantos episódios – os contratos são menores. Então isso fez com que a gente trabalhasse por muito tempo. No total foram uns 4 anos e pouco desde a concepção da série que foi feita entre eu e o grande Arnaldo Branco. E o Rodrigo Olaio da Chatrone que tocou toda a parte de negociação e montou toda a logística do projeto.  Mas uma vez que recebemos o greenlight, até entregar tudo foi quase um ano e meio. É muito tempo para se trabalhar com uma equipe tão grande e em um projeto tão exigente e importante. 

A logística foi bastante complicada, com uma equipe gigantesca, e empresas diferentes trabalhando nos episódios. Foi uma linha de produção delicada e eficiente – e para isto dou todo o crédito para o Rodrigo Olaio que vislumbrou como criar esse sistema e manteve tudo nos trilhos até o final. 

Alguns elementos que tornaram a série bastante desafiadora foram a quantidade de cenários e personagens. Quase todos nossos episódios oferecem pelo menos um cenário novo. Vários apresentam novos personagens também. Outra coisa – quando se fala de “Menino Maluquinho” – a expectativa é ter muita bagunça e ação. E nós entregamos isso! Tudo isso exigiu muito de todos nós. Mas foi uma delícia e um privilégio poder ter vivido isso. 

7. Qual foi o papel da Chatrone na realização desta série e como a produtora contribuiu para o sucesso desta adaptação?

A Chatrone foi a produtora do projeto – fomos responsáveis não somente pelo roteiro mas por toda a entrega. Tendo dito isso, um projeto desse exige um time de ponta! Então nós trabalhamos com a Birdo para fazer a animação, e a Dogzilla para fazer a direção e a produção de toda a parte que envolvia a arte do projeto. Então foi um processo de administração dessas 3 partes para entregar tudo. Um grande case de logística! Cada equipe é responsável por passar o bastão para a próxima equipe em todas as etapas de criação, produção e pós produção – e tudo isso ao mesmo tempo! Haja planilhas de excel, muito planejamento e muito fôlego! 

Eu atuei como a showrunner da série – e o meu papel é fazer a ponte criativa entre todas as etapas do projeto, ao mesmo tempo que preciso garantir a entrega de uma maneira consistente e conforme todos os deadlines. Essa comunicação é essencial para que todas as etapas do projeto conversem entre si e nada fique perdido. Ou seja, do roteiro até o último corte – tudo tem que estar conforme a premissa original do projeto. Quando esse processo é bem sucedido – a cada etapa, o projeto cresce, porque a base estando sólida –  cada roteirista, artista, diretor, ator etc que participam do projeto podem trazer sua criatividade e tornar o projeto melhor. Mas, tudo isso sem estourar prazo e orçamento! 

E acho que ESSA é a chave que torna a Chatrone tão essencial nesse projeto. Essa linha de produção criativa nasce a partir de um bom e sólido processo e uma boa liderança que cria a estrutura para os talentos brilharem. 

8. Sabemos que “O Menino Maluquinho” é um clássico da literatura infanto-juvenil brasileira escrita por Ziraldo. Como a obra original influenciou a série?

MUITO. A nossa meta foi trazer a essência PURA do Menino Maluquinho com toda a maluquice do grande Ziraldo para as telas. Ele é o mesmo Maluquinho, mas é o Maluquinho dessa década. 

9. Carina Schulze e Arnaldo Branco são os responsáveis pela adaptação. Pode nos contar um pouco sobre como eles trouxeram esse universo para a animação?

Primeiro preciso dizer que o Arnaldo Branco é maravilhoso e um gênio do roteiro e da criatividade. Não teria Menino Maluquinho sem ele – e com certeza não seria o mesmo. Eu acho na verdade que o Arnaldo Branco É o menino maluquinho e por isso foi tão legal o processo de criação com ele. Foi orgânico e divertido! 

A gente leu o livro pelo menos umas cinquenta vezes.  A gente conversou muito com o Ziraldo e a família. E fomos criando, sempre tentado ser fiéis a essência do Maluquinho mas trazendo elementos de comédia e nossas próprias referências de séries de animação que amamos, quadrinhos que lemos, e das nossas vidas. 

Acho muito importante aqui também falar dos outros roteiristas. O Gustavo Suzuki que foi o roteirista chefe também é um talento sem limites. O resultado final dos roteiros, o ritmo, as piadas, o coração – tudo é também a marca registrada dele. E sem ele o projeto não seria o mesmo. Queria também falar dos/as outras roteiristas: Ana Cecilia de Paula, Pricilla Maria, Arthur Warren e Elena Altheman. Cada um trouxe um pouco de si nas histórias e o projeto não estaria completo sem eles. 

Queria também mencionar os diretores Beto Gomez e Michele Massagli – que foram verdadeiros astros. A visão apurada deles trouxe o melhor de nós para as histórias e deram vida aos nossos roteiros. São diretores extremamente talentosos e experientes que fizeram o projeto voar! 

10. Por último, qual mensagem vocês esperam transmitir para o público internacional com esta indicação ao Emmy e qual é o significado dessa conquista para a indústria brasileira de animação?

Que o Brasil é muito foda. A gente tem tudo: muita história, muita beleza, muita garra, muito talento! É um orgulho enorme – ainda mais com essa série que sempre teve como meta ser um grande suco de Brazil e uma representação atemporal não só da infância Brasileira que é muito rica e muito gostosa, mas da vida Brasileira em si! Viva a animação Brasileira, viva o grande Ziraldo e viva o Brasil!

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