Entrevista: Bia Goes e Ricardo Val

Entrevista: Bia Goes e Ricardo Val

1.     Como surgiu a ideia de celebrar 15 anos de parceria com um disco e um espetáculo especial?

Essa idéia já vem há um tempo. Temos sempre focado em nossos trabalhos o processo de inserir a voz e vibrafone como elementos condutores de nossa estética. E agora, com os 15 anos, e devido estarmos atingindo uma maturidade musical em nossos instrumentos, decidimos que seria interessante fazer um disco com voz e vibrafone, e por incrível que pareça, ainda é um som inédito até o presente momento. A nossa idéia é mostrar quão tão rica são as possibilidades de ter esse encontro entre voz e vibrafone 

2.     Fale-nos sobre a experiência de trabalhar juntos durante todos esses anos. O que vocês aprenderam um com o outro?

É uma experiência única, poder dividir os palcos e também a vida. Podemos dizer que não é um processo fácil, precisa ter sempre bom senso para não misturar a vida profissional com a vida pessoal, mas é um aprendizado constante, na verdade é um ato de se conhecer e conhecer ao outro todos dias. De certa forma, essa profunda convivência faz com que agente tenha muita sinergia para performar musicalmente, a música é uma linguagem, e é natural que você consiga se expressar e se comunicar com quem conheça bem.

3.     O repertório do disco é uma jornada musical que reflete a trajetória de vocês. Quais são as canções que mais marcaram suas carreiras individualmente?

Exatamente, tentamos colocar no disco música que marcaram nossas trajetórias juntos, então cada música em si também foi escolhida a dedo e conta um pouco da nossa história. Meu Primeiro amor por exemplo foi uma canção que na verdade foi um pedido que o Rolando Boldrin fez para agente cantar no programa dele. Aí no programa fizemos um arranjo para tentarmos se apropriar da canção sem perder sua essência e também dar um toque mais moderno. Para o álbum agente ainda convidou o maestro Jota Moraes, que fez um arranjo belíssimo de quarteto de cordas para se juntar o arranjo de base que tínhamos concebido. Essa canção é incrível, pois parece que já está presente na memória afetiva do brasileiro, toda vez que tocamos tem uma reação surpreendente do público

4.     A presença de Swami Júnior, Marcos Paiva e o quarteto de cordas da Escola de Música da Cidade de São Paulo no espetáculo é emocionante. Como foi colaborar com esses músicos talentosos?

Foi incrível, o Swami é fundamental nesse trabalho, ele com toda delicadeza dele e profissionalismo deixa todo o processo muito leve, além de tocar divinamente seu violão. O Paiva, é daqueles baixistas dos sonhos, está sempre com agente nos nossos trabalhos, um super músico. A novidade é o quarteto de cordas, que nos está dando muita alegria, são jovens que estão se dedicando muito e tem um talento incrível, a vitalidade deles nos impulsiona também a tocar melhor

5.     O álbum também tem uma influência espiritual com canções inspiradas no candomblé. Como a espiritualidade se manifesta neste trabalho?

Como somos ambos adeptos de candomblé de Matriz Congo Angola, pertencemos a Nzo ( Casa) Kyloatala- SP, é natural que nossa espiritualidade sempre esteja envolvida nos nossos afazeres. A energia que cultuamos, que é a energia dos Nkises ( entidades cultuadas por nós do candomblé Angola) é a energia dos elementos da natureza e que estão também todos presentes na música

6.     Há uma homenagem a Baden Powell no tema “Tristeza e Solidão”. Poderiam compartilhar mais sobre a importância desse músico em suas vidas?

O Baden é uma referência do violão brasileiro, uma referência da música popular brasileira. O trabalho dele dos Afros sambas é genial será sempre uma inspiração para nosso fazer musical. Temos ainda a idéia de montar um show com uma releitura dos afros sambas para voz e vibrafone, de certa forma com a nossa releitura do Tristeza e solidão já demos um ponta pé inicial a esse projeto

7.     Como foi o processo de escolha das músicas para o disco? Alguma delas foi particularmente desafiadora de interpretar?

Na verdade, já vivemos esse processo nesses 15 anos. Toda vez que pegamos uma música para interpretar é sempre um processo trabalhoso, pois temos o primeiro passo de absorver os aspectos subjetivos da canção para depois darmos um novo olhar para ela, com a nossa própria narrativa, é sempre um olhar de cosmovisão e a música nesse sentido é uma das coisas mais democráticas, pois você pode ter diversos olhares sobre o mesmo objeto. Como também somos compositores, sabemos que quando agente joga uma música no mundo ela pode ser recebida de várias formas pelo ouvinte, tem gente que vai se emocionar, tem gente que vai odiar, e isso é a beleza do ser humano, somos todos diferentes e principalmente no que sentimos

8.     Bia, você interpreta “Guerreiro Coração” de Gonzaguinha, e Ricardo, “Onde Deus Possa Me Ouvir” de Vander Lee. O que essas canções significam para vocês?

Na verdade nós dois interpretamos ambas, sempre com Voz e vibrafone. Oque aconteceu é que combinamos de que no disco cada um escolhesse uma canção que gostasse muito sem ter um consetimento mútuo. Aí foram escolhidas essas duas canções, e aí teve o processo de aprendelas a interpretar e dar uma nova cor, fazer o exercício de se adaptar a uma escolha não pessoal, na música tem muito disso se adaptar e respeitar a escolha do outro, ceder a sua vontade, como é também em qualquer relacionamento 

9.     Além dos clássicos, há composições que ainda não haviam interpretado. Poderiam nos contar mais sobre essas escolhas?

Foram essas duas canções da questão anterior. Nunca tínhamos interpretado e eram escolhas pessoais. O Engraçado é que tanto em Guerreiro Coração como em Onde Deus Possa me ouvir os arranjos foram feitas por alguém de fora. Guerreiro coração foi feita um arranjo de voz+ vibrafone+ quarteto de cordas pelo maestro Jota Moraes e Onde Deus possa me ouvir foi feito um arranjo de voz + vibrafone + violão de 7 cordas pelo Swami Jr. Agente decidiu que seria mais interessante ter esse olhar de fora para essas canções escolhidas de uma forma individual no processo.

10.  Qual é a mensagem que vocês esperam transmitir ao público com esse novo disco e o espetáculo de lançamento?

A primeira, acho que sempre, de amor ao próximo. Queremos também mostrar a riqueza de nossos instrumentos, tivemos um olhar minimalista e delicado para os arranjos. Pretendemos despertar esse olhar mais delicado e profundo sobre nosso fazer musical, queremos nos comunicar com os ouvintes e que eles possam reagir a nossa música.

11.  Muitos artistas enfrentam desafios na indústria da música. Vocês já se sentiram subestimados ou enfrentaram obstáculos que gostariam de discutir?

O mercado musical é e sempre será desafiador. Acreditamos que a espaço sempre para todos. Hoje em dia tem muita gente produzindo no Brasil, porém a música dita comercial ocupa muito mais espaço. É uma questão complexa, pois envolve política pública, tem os interesses do capital, etc.Mas partimos do ponto de vista que é preciso fazer um esforço para a formação de público e isso envolve vontade política. Deveria se ter uma conversa muito grande entre as pastas de Educação e Cultura em todos os âmbitos ( federal, estadual e municipal) para se preocupar em oferecer arte diversa para todos. A Cultura tem um poder gigante para transformar vidas . Acreditamos que teríamos um país melhor se Educação e Cultura fossem prioridades.

12.  A música brasileira tem uma rica diversidade de gêneros e estilos. Como vocês veem o papel da tradição versus a inovação na música?

Como respondido na questão anterior acreditamos realmente que há espaço para todos. A Tradição precisa sempre ser respeitada, isso faz parte da filosofia que vivemos no candomblé Angola pois é uma tradição oral, aprendemos sempre com os Kota ( irmãos mais velhos) e é através desse saber que conseguimos nos conhecer e reconhecer. Como também é fundamental a presença do novo, a língua, a cultura, a arte são dinâmicas, assim como a natureza elas se transformam. O quê precisa existir é harmonia, respeito pois repetindo acreditamos que existe espaço para todos e aí voltamos aqui a um pensamento Bantu que é o de olhar para o outro, sou porque somos… 

13. Há alguma crítica ou comentário negativo que tenha afetado profundamente vocês como artistas? Como vocês lidaram com isso?

As críticas fazem parte da vida dos artistas, oque achamos que não pode existir é o desrespeito com o próximo. De maneira geral os comentários e reações sobre o nosso fazer musical são sempre construtivos. Nos vemos como artesãos da música, sempre nossos processos demandam muito tempo e trabalho para serem realizados, dessa forma estamos sempre aprendendo e nos modificando e assim continuaremos. Viver de música é um privilégio, fazemos com muita devoção nosso ofício e se pudermos inspirar e comunicar com outros já é uma satisfação, viva a música!

marramaqueadmin