Entrevista: Banda Cidrais

1. Como surgiu a ideia de criar o projeto Cidrais e qual foi o impacto do acolhimento pelo selo Toca Discos na jornada de vocês?

A Cidrais nasceu do desejo de trazer a poesia para o mundo. A música tornou-se um espaço de acolhimento para nossos medos, angústias, descobertas e amores. A cada lançamento, fomos descobrindo nossa força e aprendendo como contar nossa história. Nossas composições atravessaram várias fases da nossa vida, desde o processo de luto pela perda da nossa mãe durante o surgimento da banda, até temas mais leves e cotidianos, como o primeiro amor.

O convite para gravar no estúdio Toca do Bandido e fazer parte do selo Toca Discos foi essencial para o amadurecimento da nossa música. Trabalhar com profissionais como Felipe Rodarte e Constança Scofield trouxe mais contornos e consistência à nossa poesia. Nossa música autoral é fruto de um esforço coletivo: o álbum só foi possível graças ao financiamento coletivo e ao envolvimento de uma grande família de músicos e colaboradores. Hoje, ver o álbum no mundo é motivo de muita gratidão e reconhecimento por cada etapa do processo.

2. O álbum aborda temas delicados como luto, transformação e amor. Como foi o processo criativo ao lidar com essas emoções intensas?

Lidar com emoções faz parte da essência da Cidrais. Nosso projeto é um espaço contínuo de troca e aprendizado, onde estamos sempre discutindo o que queremos transmitir com nossa arte. A saúde mental e o acolhimento das subjetividades são pilares estruturantes em nossas composições.

Abordar temas delicados como luto, suicídio e amor, e dar forma a essas angústias e aflições, é uma busca constante. Acreditamos no papel transformador da arte como um espaço de construção e fortalecimento dos nossos sonhos. Queremos que nossa música seja um refúgio, um lugar seguro para acolher e expressar sentimentos intensos, criando uma conexão genuína com quem nos ouve.

3. Qual faixa do álbum vocês consideram mais representativa do projeto e por quê?

“Lucidez” é, para nós, uma faixa muito marcante na nossa trajetória. Ela traduz um entendimento profundo de que, para evoluirmos, é preciso “tocar a textura dos seus medos, encontrar os seus segredos e desvendar tudo que é”. Essa composição aponta um caminho: mesmo com desafios ao longo do percurso, nunca é o fim. Acreditamos nessa energia de esperança, na ideia de que as mudanças necessárias em nossas vidas podem surgir de onde menos esperamos.

A sonoridade de “Lucidez” apresenta um lado mais denso da Cidrais. A bateria, o baixo e os vocais criam uma atmosfera diferente das nossas composições anteriores, que costumavam ter um tom mais leve e etéreo. Com ela, buscamos explorar e revelar novas potências da nossa musicalidade, ampliando os horizontes da nossa identidade sonora.

4.   A música “Infinita” é uma homenagem à mãe de vocês. Qual foi a importância dela no desenvolvimento artístico e emocional de cada um?

Nossa mãe, Pascoaly, nos ensinou muito sobre o amor em toda a sua complexidade. Durante o período em que ela esteve doente, cantávamos “Infinita” para ela como um ritual de transformação e transmutação, tentando eternizar sua existência e o amor que compartilhamos em forma de canção. É uma música carregada de memória, e toda vez que a cantamos ou ouvimos, somos transportados para um abraço materno.

Cada um de nós, da Cidrais, vive uma conexão única com essa composição. Foram momentos intensos: as idas e vindas nos hospitais, as despedidas, as pequenas celebrações… Tudo isso está presente em “Infinita”. É nossa forma de sublimar um momento tão delicado e doloroso, transformando a perda de alguém que amamos profundamente em arte e emoção.

5.   Vocês mencionam que o álbum transita entre diversos gêneros musicais. Como foi o desafio de equilibrar essa diversidade sonora sem perder a identidade do trio?

A Cidrais celebra a diversidade musical com um profundo amor pela música popular brasileira, um espaço onde palavra e poesia se encontram em constante experimentação. Em nosso processo criativo, cada mensagem e composição pediu por um gênero musical diferente, guiada pelo próprio poema e pelas palavras que deram forma a ela.

Apesar dessa pluralidade, nossa identidade permaneceu firme: a busca pela poesia e pela arte está presente em todas as composições. Exploramos temas do cotidiano, as descobertas da vida, e a importância de reconhecer a fragilidade como um momento potente e transformador.

O álbum da Cidrais é um laboratório musical, um espaço de experimentação que nos permite explorar como tocar o coração das pessoas. Seja samba, pop, rock ou qualquer outro gênero, tudo foi feito com a intenção de despertar sentimentos bons e conectar com o que há de mais profundo e humano em cada ouvinte.

6.“O conceito de “música como espaço seguro” é central para o álbum. Como a psicologia é a arte de complementam nesse processo de acolhimento emocional?

No álbum da Cidrais, a música e a psicologia se encontram no mesmo objetivo: acolher emoções e criar um espaço onde as pessoas se sintam seguras para serem quem são. As duas são como meios para explorar, expressar e transformar sentimentos em um espaço onde vulnerabilidade não é sinal de fraqueza, mas de força e autenticidade. A música faz isso com melodias e letras que abraçam aquilo que às vezes a gente nem consegue colocar em palavras. Já a psicologia cria esse espaço com escuta, empatia e cuidado. A música abre caminho para a gente acessar sentimentos escondidos, enquanto a psicologia ajuda a compreender, tomar consciência, transformar e lidar com essas emoções. É como se a música fosse uma porta que nos leva para dentro, e a psicoterapia fosse a guia que nos ajuda a explorar, encontrar sentido e um caminho nesse lugar.

7.   Como foi a colaboração com artistas como Miranda, Bonfantti e Morgado nas faixas do álbum?

Cada músico que entrou pra criação desse álbum temos uma conexão diferente. O feat com Bonfantti tem muita conexão com o coração, com o início da Cidrais, em Porto Velho – Rondônia. Ele além de um grande amigo, faz parte de duas músicas, “Clareou” que foi um presente composto por ele e “Lucidez” durante o processo de composição estávamos juntos. Ele esteve com a gente no estúdio no Rio de Janeiro.  Já o Morgado foi um presente do universo, um artista incrível que tivemos a oportunidade de conhecer durante o período de imersão e gravação no Estúdio Toca do Bandido, ele foi o percussionista do nosso álbum e participou da música “Nefelibata” com toda sua potência e poesia, as palavras que estão ali complementam o universo etéreo da música. A participação de Miranda foi uma proposta do Felipe Rodarte e da Constança Scofield para música “Morada” sinto que a voz doce e potente da Miranda, unida a força da voz e da composição da Lari criam uma sonoridade única.

8.   O álbum foi gravado e produzido no renomado Estúdio Toca do Bandido. Quais aprendizados ou momentos marcantes vocês viveram durante a produção?

Toda a viagem até chegar no Rio de Janeiro, sair de Curitiba, a preparação do álbum que foi de um ano, selecionar o repertório, a preparação vocal, fechar as agendas: tudo foi uma grande aventura.

É única a experiência de chegar em espaço totalmente novo, ver os Grammys na parede, sentir de perto a energia de nomes importantes no cenário musical brasileiro como Tom Capone, Constança Scofield e Felipe Rodarte. A energia toda que esse lugar emana deixou  vários momentos marcantes. Começamos de uma maneira e saímos de lá diferentes.

Tínhamos uma rotina de gravação, acordar e cumprir os objetivos de cada dia. Essa disciplina com as criações. Definir os arranjos, ali com os musicos, aprender a dialogar com produtores, músicos convidados. Tudo muito novo e emocionante. Secretamente pensávamos em vários momentos: “A nossa música e nossos sonhos nos trouxeram até aqui.”

Confiar e construir músicas que ficarão pra sempre. Esse álbum é a junção de nossa história com a magia da Toca do Bandido. E o resultado desse encontro é um álbum com muita emoção e uma qualidade sonora que só poderia acontecer ali.

9.   A escolha dos instrumentos, como o banjo e o cavaco, trouxe uma sonoridade peculiar ao álbum. O que motivou essas escolhas e como elas contribuíram para a atmosfera do disco?

A poesia como linha condutora permite que a gente transite por vários estilos. Os instrumentos surgem da expressividade, da vontade de extrair o que a música pede. E o trabalho de adicionar o que inicialmente se fez com voz e violão contou com a maestria da produção artística e musical de Constanca Scofield e Felipe Rosarte. Os sambinhas pedem um bom cavaco. Alice, por exemplo, que é um folk pede um banjo afiado e assim vai. O critério é a mensagem que a música quer passar e a sintonia dos músicos para materializar. Definida a mensagem, os instrumentos são linguagem artística que carregam a sonoridade poética. Dentro de cada segmento, os instrumentos são utilizados com base em referências do gênero. O cavaquinho de Anuário, por exemplo, carrega o embalo nostálgico da música, garantindo o ritmo de uma lembrança. Assim, os instrumentos seguem uma confluência entre a intenção da poesia e a sintonia dos músicos e produção.

10. Como foi trabalhar com Constança Scofield e Felipe Rodarte na produção? O que eles trouxeram de especial para o projeto?

Foi um imenso prazer e um bonito encontro esse nosso. Graças ao edital de aceleração de carreiras, a parceria entre a instituo Oi Futuro e Estúdio Toca do Bandido, pudemos apresentar nosso trabalho e tivemos uma escuta muito sensível do projeto. Toda maturidade e experiência do time formado para gravação, desde a escolha do repertório  é fruto desse trabalho em conjunto que construímos aos longos dos anos. Aprendemos com eles a confiar no processo e acreditar na intuição. É muito desafiador o processo de criação de um álbum, organizar essa história sonora e contar para mundo exige muitas cabeças pensantes. Ter na equipe principal da produção musical e direção artística do projeto pessoas como Felipe Rodarte e Constança Scofield  é engrandecedor, eles nos ensinaram a confiar e escutar as potencias de cada um. Nos sentimos muito acolhidos em cada etapa e estamos caminhando em direção a um mesmo horizonte.

11. A proposta visual do álbum resgata memórias afetivas ligadas às telemensagens. Como essa ideia foi traduzida para o design gráfico e o figurino?

A Direção Criativa da capa do álbum da Cidrais, veio como uma proposta da Lari Cidral, que ao lado de Constança Scofield conseguiram extrair momentos icônicos da nossa história. Ao reconhecermos nossa origem nas telemensagens de nossa mãe, entramos em contato com esse símbolos universais do amor: o coração, o cupido, o vermelho que estão presentes na parte visual.

O elemento da chave é um convite aos mistérios que a Cidrais pode abrir com suas composições. Acreditamos na arte como esse espaço de transformação coletiva e queremos sim abrir muitas inspirações por onde passar nossas músicas.

12. O show de lançamento promete uma experiência imersiva. O que o público pode esperar dessa apresentação no Teatro Paiol?

Amamos muito encontrar o público e viver algo que só a relação ao vivo pode fornecer. O show no Paiol é esse momento de celebrar o lançamento e trazer de maneira poética e profunda nossas músicas para o público. Gostamos de pensar nos pequenos detalhes que vão desde os figurinos até a escolha da luz. O cuidado da Cidrais está nessa experiência artística completa e pra isso convocamos projeções visuais, poemas e a escolha de um repertório especial com as já lançadas e algumas músicas inéditas. O público pode esperar muita entrega e uma apresentação cheia de emoção.

13. Há planos para levar o show para outras cidades ou festivais no próximo ano?

Temos muitos planos de expandir nossos horizontes e acessar novos públicos. Começamos na cena curitibana essa série de apresentações que continuarão pelo ano que vem. Estamos com planos para tocar em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Velho –  Rondônia e Foz do Iguaçu. Vamos começar nossas viagens por cidades que já temos vínculos afetivos e profissionais e queremos chegar a muitos outros lugares como festivais nacionais e internacionais. O desejo é que muitas pessoas possam viver nosso show e sentir de perto a poesia da Cidrais.

14. Como vocês três equilibram as dinâmicas familiares e profissionais dentro da banda?

Olha, isso é algo que ainda estamos entendendo e vamos dosando a cada lançamento. Nossa relação com a música e com a arte é sempre muito intensa e complexa e essa relação mais profissional exige uma disciplina com nossos encontros e produções.
Tentamos conciliar da melhor maneira a agenda de ensaios, encontros e produção de conteúdos. Somos uma banda independente brasileira, a arte autoral ainda não é nossa principal fonte de renda, mas estamos construindo pontes e conexões para conquistar essa autonomia do nosso projeto.

Além de qualquer coisa, a Cidrais é nosso espaço de diálogo e troca com o mundo. Somos irmãos, somos artistas e precisamos produzir e organizar as demandas, hoje temos uma equipe que nos ajudam nessas tarefas, nada seria possível sem a energia coletiva que move a Cidrais.

15. Que mensagem vocês esperam que o público leve ao ouvir o álbum Cidrais?

A gente espera que o público absorva a poesia e perceba que o olhar sensível é uma possibilidade cotidiana. Que o coletivo é importante para as construção de cada um. Que a arte é um instrumento de comunicação e que o afeto, também, pode ser uma resposta às contradições do mundo. No fundo, a mensagem é essa.

16. Se pudessem descrever o projeto em uma frase, qual seria?

Cidrais é a incessante busca de equilibrar consciência, empatia, sensibilidade, poesia e afeto, utilizando a arte como veículo e a música como forma.