Entrevista: Aloysio Reis, escritor

1. Aloysio, seu novo livro é uma mistura intrigante de romance policial, humor e elementos sobrenaturais. Como você encontrou a inspiração para criar essa fusão de gêneros?
Pareceu-me natural misturar essas vertentes, porque acredito que são aspectos que se misturam em nosso dia a dia. Quando conseguimos nos libertar por momentos da linearidade concreta que nossa cultura impõe, notamos que o mistério e o sobrenatural caminham ao nosso lado. Eles estão dentro da nossa casa, na rua e, no caso do meu livro, dentro de um trem que flutua pelo interior de Minas Gerais.
2. O título do livro, “O Eterno Desencontro das Paralelas”, parece carregar um significado profundo. Pode nos contar mais sobre a metáfora por trás desse título e como ela se relaciona com a história?
Na verdade, a inspiração que me levou às “Paralelas” é o conflito permanente entre o que realmente somos e aquilo que nós acreditamos que somos. O conflito entre o nosso interior e a imagem que os outros têm de nós. Essas são linhas que caminham juntas a vida inteira, mas nunca se encontram, nunca coincidem.
3. Você mencionou que o livro apresenta personagens reais e fictícios. Como foi a experiência de mesclar figuras históricas como Jânio Quadros e Nietzsche com personagens de ficção?
Os dois (cada um por uma razão completamente diferente da outra) são personalidades tão incrivelmente marcantes que se destacam da vulgaridade da realidade concreta. Refletir sobre suas biografias é como viajar num mundo de fantasia absolutamente excitante.
4. O livro se passa no início dos anos 1960, mas suas referências políticas são atuais. Pode explicar como essas referências se encaixam na trama e por que elas continuam relevantes?
O grande Belchior disse com muita propriedade que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. As referências políticas dos anos 60 desembocaram no contemporâneo como um grande rio lento e preguiçoso. O bolsonarismo foi plantado e cultivado durante a ditadura militar. O lulismo teve raízes profundas no trabalhismo de Getúlio e Jango. Nós nos fixamos muito nas mudanças entre os dois períodos apenas porque nossa vida é muito curta.
5. Um dos personagens mais intrigantes do livro é o diabo, representado pelo pastor Apolion. Como esse personagem desempenha um papel na história e qual mensagem você pretende transmitir através dele?
A religião sempre teve um caminho paralelo ao comércio da fé e da esperança. Hoje mais do que nunca, com o desenvolvimento das seitas neopentecostais. Mas sempre esteve presente no ouro do Vaticano e na história do capitalismo protestante dos Estados Unidos.
6. Você descreve as paralelas como símbolos da vida como a arte do desencontro. Como essa ideia central se desenrola ao longo do livro?
Principalmente através da crença comum de que existe uma cidade mágica onde dois olhos do alto de uma montanha de mármore vão fazer com que os medos desapareçam e os sonhos se realizem. Esse, que é o princípio básico das religiões, faz com que personagens completamente diferentes se encontrem nos vagões do Expresso Mineiro. Quase ao final, através da fala do Pastor Apolion, descobrimos que não existe nada de mágico na tal montanha. Ela é absolutamente real.
7. “O Eterno Desencontro das Paralelas” parece explorar a dualidade entre desejo e realidade. Como os personagens principais enfrentam esse conflito ao longo da história?
Buscando desesperadamente chegar ao seu destino final, que seria a inexistente interseção entre as duas paralelas. Na verdade, cada um a seu modo busca uma espécie de eternidade naturalmente inexistente.
8. Seu livro anterior, “Rio Vermelho e outros relatos improváveis”, também lida com temas profundos. Como sua abordagem à escrita evoluiu desde aquele trabalho até este?
O “Rio Vermelho” é uma coletânea de contos que lida com temas diversos. Acho que a evolução está na capacidade de reunir muitos personagens em torno de um mesmo enredo. Pessoalmente, acho que o texto está mais fluido.
9. O prefácio do livro é assinado pelo compositor Paulo César Pinheiro, que o descreve como arrebatador e feiticeiro. Como foi a colaboração com ele e como você acha que sua perspectiva enriqueceu a obra?
O prefácio foi um presente muito valioso. Paulinho foi um dos primeiros a ler o livro e seu incentivo foi fundamental para que eu publicasse essa história.
10. Para finalizar, podemos esperar mais obras de ficção de sua parte no futuro? E qual mensagem você espera que os leitores levem de “O Eterno Desencontro das Paralelas”?
Não pretendo parar de escrever. É uma experiência muito gratificante. Primeiro, espero que se divirtam muito. O único autoelogio que faço ao livro é que ele não é chato. Depois, espero que a história inspire uma reflexão que acenda a repulsa total às fake news e à falsa espiritualidade.
11. Se os personagens do seu livro tivessem redes sociais, qual seria a hashtag mais popular entre eles?
#esperança
12. Se você pudesse convidar um personagem de seu livro para um jantar, quem seria e por quê?
O pastor Apolion. Mas me parece injusto com os outros. Gostaria de convidar todos eles para uma festa.
13. Qual música você acha que melhor descreveria a trilha sonora do “O Eterno Desencontro das Paralelas”?
“O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre”, de Fernando Brant e Beto Guedes
14. Você acredita que a literatura tem um papel importante na crítica social e política, como vemos em seu livro?
Dizem (e acredito) que o Brasil é um dos países que tem menos leitores per capita. Por esta razão, escrever aqui é ser guerrilheiro. É lutar bravamente por cada leitor porque ler é refletir. É ser livre. É não se deixar levar por mentiras de Internet nem pelas “tias do Zap”. Isso é fundamental para o nosso futuro.
15. Como você vê a relação entre a ficção e a realidade, especialmente quando se trata das figuras históricas em sua obra?
A realidade é definitivamente muito mais louca que qualquer ficção. Ela é a grande inspiradora. Mas utilizar figuras históricas na ficção nos obriga à pesquisa e ao estudo.
16. O pastor Apolion como representante do diabo levanta questões sobre religião e poder. Como você lida com temas religiosos em sua escrita e como acredita que eles são recebidos pelos leitores?
Por mais delicado que seja o assunto, os verdadeiros religiosos entendem as críticas e, em geral, concordam com elas. Justamente por trabalhar com a fé e com o sofrimento humano, o uso político da religião me desperta repugnância. A maior de todas as covardias é explorar a dor alheia para faturar. Se o inferno realmente existisse, esses mercadores teriam cadeira cativa naquele lugar. Minha ficção tenta, mas não consegue reproduzir essa crueldade.