Entrevista: Alex Tex, cantor

Entrevista: Alex Tex, cantor

1. Você fala sobre o processo de se libertar e de se descobrir artisticamente neste álbum. Como você descreveria essa jornada de autoaceitação e como a música se tornou uma necessidade para você?

Na realidade não se tornou, a música sempre foi uma necessidade. Seja como ouvinte ou como criador. Quando minha mãe me mandava estudar, eu ia ouvir música. Eu saía da sala de aula pra ouvir música no pátio. De alguma maneira eu já entendia essa necessidade e dava vazão a ela como podia. A questão é que chegou em um determinado momento que eu realizei que iria enlouquecer se não fosse trabalhar com música a sério, ser cantor, compositor. Eu nasci pra isso.

2. “Desconsagrando” traz uma mistura de synthpop, house music e influências de artistas como A-ha e Madonna. Como você escolheu essas referências para o seu álbum e o que elas representam na sua jornada musical?

Eu sempre disse que se fosse pra ser mais um barbudinho com violão na mão cantando MPB, não iria me lançar. Queria fazer um disco pop, de música eletrônica, então recorri à biblioteca musical que tenho na memória. E até as referências de MPB estão presentes de alguma forma. Em “Desordem de Performance”, por exemplo, eu evoco o Arnaldo Antunes que há em mim na letra e no canto, mas os timbres escolhidos nos synths evocam gravações de Madonna e Pet Shop Boys. Quando digo que estudei música consumindo música, é disso que falo. Todos esses artistas foram meus professores.

3. O nome artístico “Alex Tex” foi dado por Marisa Monte, uma de suas influências. Como essa escolha impactou sua trajetória como artista e qual é o significado pessoal dessa conexão com ela?

Ano passado fui a vários shows da turnê “Portas” e num deles fui escolhido pra declamar a parte de Arnaldo Antunes em “Amor I Love You”. Quando terminei, Marisa foi ao microfone e disse “obrigada Alexandre, Alex Tex” – e aí eu quase caio pra trás, entendi na hora que aquilo era um batismo. Pretendia que meu nome artístico fosse apenas “Tex”, que é meu apelido, mas Marisa transforma tudo em música e vi que a rima de Alex com Tex soa muito bem. É muito louco isso. A gente já se conhecia, administrei um fã clube dela por um tempo e ela sabe que meu nome é Alexandre, mas não faço ideia de onde ela descobriu o “Tex” e muito menos como chegou nessa combinação. Me resta confiar na palavra da deusa.

4. A faixa-título, “Desconsagrando”, aborda temas de rejeição a vínculos familiares e a busca pela liberdade. Quais são as experiências pessoais que você explorou nesse tema?

Quando eu escrevi “Desconsagrando”, estava rompido com minha mãe. Ela, meu pai e meu irmão passaram a vida inteira me desrespeitando, invadindo meu espaço, dizendo o que eu deveria fazer ou deixar de fazer, tentando me definir através da ótica deles. Era sempre esse papo de “eu te conheço muito bem” quando na realidade essas pessoas não me conheciam nem um pouco, afinal, eu simplesmente não tinha liberdade de ser eu perto deles. Eu já estava com 27 anos, casado, vivendo na minha própria casa e formando minha nova família, então vi que não precisava àquela altura ficar lidando com esse tipo de invasão. Parei de falar com ela e geral chegava pra mim com esse papo de “pai e mãe são sagrados”, mas essa é uma visão cristã das relações familiares e eu não sou cristão, logo, isso não faz o menor sentido pra mim. Então exorcizei toda a raiva acumulada escrevendo essa música, que até hoje é minha favorita. E só depois desse rompimento, que durou uns dois anos, ela e meu irmão passaram a me conhecer e me respeitar de verdade.

5. “Sexta-feira de Crise” fala sobre a pandemia e seus efeitos. Como esse período impactou sua visão sobre a vida e a música, e de que forma ele influenciou as canções do álbum?

Três faixas que estão no disco foram concebidas durante a pandemia: “Maracujá em Flor”, “Sexta-feira de Crise” e “Homem Criança Viada”. Escrevi “Sexta-feira” com muito ódio no coração de estar testemunhando aquilo tudo. Tínhamos aquele governo pavoroso, gente ruim desrespeitando o isolamento de propósito, medicações ineficazes… quando falo que “o riso de agora amanhã pode ser uma ameaça”, é daquele sujeito que eu tô falando. De risadinha em risadinha, ele chegou à presidência. E o ser humano, sobretudo o brasileiro, começou a mostrar seu lado mais podre. Enfim, eu tava num grau de estresse tão alto que achei a música horrível. Ouvi a demo/pré-produção uma vez e não quis mais saber. Ela ficou esse tempo todo lá jogada no meu HD, até que em janeiro deste ano sentei pra escolher o material que seria gravado e pirei com “Sexta”. Há músicas que precisam de um tempo maturando pra que se revelem por completo.

6. “Som Sagrado Feminino” é uma homenagem às vozes femininas da música brasileira e à figura materna. O que essa música representa para você e como ela se encaixa na narrativa do álbum?

Foi a primeira música desse disco a ser composta. Uma vez vi Nando Reis dizendo que a entidade música confunde-se com uma voz de mulher e achei aquilo extraordinário, poético. Daí fui ver um show de Gal, minha segunda cantora favorita, e em “Lágrimas Negras” fiquei pensando na história do canto feminino moderno no Brasil, escola que ela fundou. Sem Gal não haveria Marisa Monte, Vanessa da Mata, Tulipa Ruiz, Luedji Luna e tantas outras. Sou um devoto das cantoras, 90% do que ouço são vozes femininas e a primeira de todas que me apaixonei foi a da minha mãe. Quando eu era criança, encostava no corpo dela pra ouvir a voz vindo de dentro. No dia internacional da mulher de 2019 fiquei com tudo isso girando na mente e pensei muito sobre ter testemunhado violência doméstica durante toda minha adolescência e início da minha vida adulta, até meu pai morrer, em 2014. Então resolvi condensar tudo isso numa canção, que é uma declaração de amor a todas as figuras femininas que amo e amei na vida, e um pedido de passagem à deusa-música. Ela encerra o álbum e abre meu show.

7. Você menciona temas como neurodiversidade e relações não-monogâmicas no álbum. Como esses temas pessoais se entrelaçam com a música e o que você espera que o público entenda a partir dessas canções?

Uma parte de mim quer abrir a cabeça das pessoas que já pensam a respeito dessas questões e a outra parte quer cutucar quem se dói com elas. Meu trabalho é absolutamente pessoal, esse disco é um balanço da minha vida até aqui, e esses temas são importantíssimos pra mim. Aquela galerinha lá patrocinada pelo agronegócio agora inventou de fazer piadinha sobre TDAH nas músicas deles e alguém tinha que falar sobre isso de maneira séria. Séria, mas não sisuda. E a não-monogamia é um assunto que gera muito desconforto nas pessoas, então quis escrever sobre isso de maneira que as pessoas entendam que não é um bicho de sete cabeças, que não afeta o amor em sua essência. Se não entenderem, quero mais é que incomode. A arte está aí pra isso.

8. O álbum foi concebido desde 2019 e passou por uma produção cuidadosa no Seno Estúdio em Natal. Como foi a colaboração com Dante Augusto e Cássio Augusto Dantas durante o processo de gravação e produção?

Cássio e Dante são dois bruxos, nós três fizemos mágica naquele estúdio. Cássio tem uma gama de referências absurda, é uma verdadeira enciclopédia musical, multi-instrumentista, entendeu de cara o que eu queria e soube pescar os melhores timbres, tirar o melhor de cada faixa. Já cheguei pra ele com uma pré-produção, que eram as demos que eu tinha feito em casa no Fruity Loops, e ele elevou essas gravações a um outro patamar. Aí veio Dante na mixagem e meteu um baita verniz nelas, além de ter produzido “Virgem Nº 2” comigo. Foi mágico trabalhar com eles, sintonia perfeita.

9. Você fala sobre “sufocar” o artista dentro de si por muito tempo. O que mudou para que você finalmente se entregasse à música e compartilhasse sua arte de forma tão autêntica?

Seis anos de terapia. Chegou uma hora que eu comecei a me sentir sufocado mesmo, precisando dar vazão a essa necessidade de me expressar artisticamente antes que enlouquecesse de vez. A coisa virou meio que um beco sem saída, é difícil explicar. Entendi que tinha duas escolhas: me jogar de uma vez no mundo ou esperar a morte vir me levar. Pode parecer exagero, mas ano passado tive experiências horríveis que fizeram essa ficha cair. Quando lancei meu EP “TEX” em agosto, minha terapeuta me deu alta. E aí eu vi que, de fato, estava pronto.

10. Qual foi a experiência de trabalhar com sintetizadores e programações, especialmente sendo um álbum com tantas influências de música eletrônica? Como foi experimentar com esses sons enquanto trabalhava com instrumentos orgânicos também?

Sendo um grande fã de Madonna, entrei em contato com a dance music e suas vertentes muito cedo. E aí vieram A-ha, Pet Shop Boys, Robyn, Donna Summer, Grace Jones… disco music dos anos 70, synthpop dos anos 80, house dos 90, em “Desconsagrando” tem um pouco de tudo isso. E quando descobri o trabalho de Letrux, enquanto trabalhava nessas faixas em 2019, minha cabeça explodiu. Ali eu vi que tinha espaço pro som que eu queria fazer, porque “Letrux em Noite de Climão” faz exatamente essa fusão de sons eletrônicos com instrumentos orgânicos, foi (e é) um disco muito importante nesse processo de descobrir como meu disco iria soar. Cheguei no Seno Estúdio com as bases eletrônicas que programei em casa e Cássio se encarregou de adicionar essa textura orgânica gravando baixo, guitarra, percussões e outras coisas mais.

11. Há algum momento específico do processo de gravação que se destacou para você, algo que representou um grande passo ou virada no seu trabalho como artista?

O grande passo foi entrar em estúdio. Me senti completamente a vontade naquele ambiente já no primeiro dia, parecia que aquilo sempre tinha acontecido. A mesma coisa foi com o palco. Acho que me preparei tanto pra isso, brinquei tanto de ser artista durante toda minha vida e estudei tanto a carreira dos meus ídolos que sinto que já cheguei pronto. Eu só precisava começar, dar o primeiro passo. Bastou gravar a primeira voz que peguei o embalo e cá estou.

12. Você dedicou o álbum à Marisa Monte. Como ela e sua música influenciaram você tanto pessoal quanto artisticamente ao longo da sua carreira?

Marisa é minha musa, minha rainha, minha cantautora favorita de todos os tempos. Sou muuuuuuito fã há 25 anos e vou aos shows dela desde meus 9, ou seja, uma vida inteira. Foi através dessa paixão que me descobri artista. Ficava maravilhado lendo aqueles encartes, vendo o nome dela creditado nas composições e na produção. Inspirado por ela, ainda criança, fiz minha primeira música, arrancando sons de um violão de brinquedo. Estudei a carreira dela esses anos todos e é a partir dessas lições que tenho conduzido a minha, participando de todas as etapas.

13. O que você espera que os ouvintes sintam ou aprendam ao escutarem “Desconsagrando”? Há alguma mensagem que você gostaria de deixar com esse trabalho?

Faço música pra me comunicar com as pessoas. Há um público específico com quem quero falar, oferecendo afago e acolhimento através dessas canções, mas também quero fazer um convite à reflexão pra quem não é esse público. Sentei pra escrever essas letras porque sei que tenho muita coisa a dizer, e está tudo dito. Quem ouvir com atenção vai sacar.

14. O álbum também fala sobre a busca pela liberdade e pela verdade pessoal. Como você vê a relação entre a sua música e a liberdade artística e pessoal em um cenário musical atual?

Ser artista independente tem seus ônus e bônus. Se por um lado eu tenho total autonomia pra pirar como eu quiser na minha música, por outro eu tenho que arregaçar as mangas pra fazer um trabalho chato que eu não queria ter que fazer. Na era de ouro das gravadores, o esquema era mais ou menos o que eu vi Maria Bethânia descrevendo uma vez: “artista é pra criar, gravadora é pra vender”. Quem dera que as coisas ainda fossem assim, mas se fossem assim, talvez esse disco não tivesse saído. O que mais importa, no fim das contas, é a minha integridade artística e eu sei que meu trabalho é legítimo, tem valor e identidade, diferente de muita gente que tem contrato com gravadora e sai atirando de forma vexaminosa pra todo lado.

15. Com o lançamento de “Desconsagrando”, quais são seus próximos passos na carreira musical? O que podemos esperar de Alex Tex no futuro?

Estou com um show pronto, totalmente ensaiado, e estreei na Casa da Ribeira no último dia 9. Terei dois formatos: um mais simples, para lugares sem maiores estruturas, e outro mais elaborado, com cenário e iluminação. Em breve pretendo botar a caneta vermelha pra trabalhar novamente, mas o foco agora é divulgar “Desconsagrando” no palco. Adoro compor, adoro criar em estúdio, mas o que eu gosto mesmo é de cantar pras pessoas e a hora é agora.

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