Entrevista: Rapha Erichsen, escritor e documentarista

Entrevista: Rapha Erichsen, escritor e documentarista

1.  O que mais te fascinou no mito de Akakor a ponto de transformá-lo em livro e não em um documentário, formato que você já domina?

Quando eu fui impactado pela história de Akakor eu estava trabalhando na pesquisa para um filme de Jorge Bodanzky que acabou se tornando o documentário “Um Olhar Inquieto”, então não fazia muito sentido pra mim pensar em um outro filme. Já um livro me dava uma liberdade artística de contar essa história pelo meu ponto de vista. Como cito logo no início do livro, essa história diz muito pra mim sobre o mundo que vivemos hoje. Estamos cercados de fake news, teorias da conspiração e manchetes sem sentido e Akakor para mim é a síntese de tudo isso. Uma história mal contada, repetida várias vezes e com um um enorme grupo de seguidores.

2.  Como foi o papel da sua avó Marlene na decisão de mergulhar de cabeça nesse projeto?

Foi fundamental. De fato comecei a me embrenhar nessa história como uma forma de criar um entretenimento para ela na fase final da sua vida. Nós de fato nos divertimos juntos com aquilo. Ela chegou a ler as primeiras coisas que escrevi e se animou com aquela aventura. Acho que deve ter sido importante para ela também ter algo para se importar nas suas últimas semanas de vida. Acho que também trás uma dimensão maior para o livro, como a minha provocação sobre o que de fato importa nessa vida – os mistérios do universo ou as banalidades das contas que cismam em vencer.

3.  Você menciona que o livro foi inspirado pelo F for Fake, de Orson Welles. Como essa obra influenciou sua abordagem narrativa?

Eu sempre fui muito fã deste filme desde que comecei a fazer documentários há quase 20 anos. Já comecei projetos muitas vezes tentando de alguma forma emular a fórmula do Welles mas nunca foi pra frente. Quando descobri que a história de Akakor era uma grande farsa, tudo que conseguia pensar é que aquilo poderia ser a minha maneira de fazer um F for Fake e por isso o livro caminha em uma linha tênue entre a realidade e a imaginação.

4.  Durante sua jornada por arquivos, viagens e entrevistas, qual foi o momento mais revelador — ou perturbador — da investigação?

A morte do Brugger, logo no começo da minha investigação foi uma grande surpresa – e talvez o motivo pelo qual eu segui o fio dessa história. Não só por ser dupla do Jorge Bodanzky, com o qual hoje meio que executo esse papel, mas pelo fato dele ter sido assassinado na cidade onde eu cresci em um lugar que era tão familiar para mim. Era como se eu pudesse me teletransportar para aquela cena. Inclusive, eu fui várias vezes no local do assassinato para conseguir rever aquela cena e reconstituir o crime na minha cabeça.

5.  Como foi a colaboração com Jorge Bodanzky e o acesso ao material que ele te confiou?

Como eu conto no livro, no início foi um tabú. Ele não queria que eu me aproximasse dessa história, o que me deixou ainda mais instigado a ir fundo nela. Porém, com o tempo, ele foi vendo que eu estava realmente obsecado e começou a me dar corda. Começou me contando histórias do Brugger, me mostrando arquivos, até finalmente me confiar todo o seu acervo sobre a história toda. Foi uma honra receber aquilo mas também uma grande responsabilidade.

6.  Quais foram os principais desafios ao reunir e entrelaçar tantas histórias reais, suspeitas e teorias da conspiração?

Acho que essa foi a parte divertida da história – remontar e construir este quebra-cabeças. Então tudo que eu esbarrava que poderia fazer parte deste universo se tornava motivo de obsessão pra mim. Comecei a devorar tudo. Dos livros de Darwin a Arthur Conan Doyle, comecei a querer embaralhar tudo para contar essa história nova. No final das contas é um tributo à literatura e aos livros. Um livro feito de vários livros. Eu de fato vivi algumas aventuras indo atrás de Akakor mas boa parte deste livro foi escrito durante a pandemia, lendo livros antigos, investigando on-line e me debruçando sobre os arquivos do Bodanzky. 

7.  Tatunca Nara é um personagem central e controverso. O que você concluiu sobre ele: farsante, visionário ou uma figura mais ambígua?

Para mim é uma figura fascinante. Em algum momento eu queria realmente encontrar com ele até um ponto que eu descobri que o Tatunca que eu tinha criado na minha mente e na minha narrativa era um mito. Comecei a achar que se eu realmente me encontrasse com ele, todo o encanto se quebraria. Prefiro ver essa figura como um personagem de realidade fantástica. Como um Tyler Duren em Clube da Luta. Uma espécie de personagem imaginário dentro de um realismo fantástico.

8.  Você acredita que Karl Brugger foi assassinado por causa da investigação sobre Akakor, ou o crime teve outro motivo?

A investigação terminou de maneira inconclusiva então provavelmente nunca saberemos. Existem muitas camadas e desconfianças. Existe uma chance grande de ser um crime comum, mas eu acredito que existe espaço para outras linhas de abordagens como cito no livro e foram levantadas pelo jornalista Carlos Marques. Brugger era um repórter muito bom e muito esperto. Sabia de muitas coisas de muitos casos, não só de Akakor mas como sobre a instalação do projeto Humboldt, uma tentativa do governo alemão de explorar a Amazônia cientificamente. Isso interessava a muita gente e Brugger tinha muita informação privilegiada. Essa história acabou sendo contada no filme do Jorge Bodanzky “Um Olhar Inquieto” do qual eu fiz o roteiro. Esse tipo de coisa acaba gerando muita desconfiança.

9.  Entre os muitos desaparecimentos ligados ao mito, qual história mais te marcou?

Eu acho que o fato das pessoas virem do mundo inteiro para a Amazônia para encontrar Akakor já é muito interessante. Agora… algumas delas desaparecerem é apavorante. Se olharmos nas histórias individuais de cada um deles, como eu descrevo no livro, são todas muito marcantes. Dito isso, ainda acho que a morte mais marcante é a do Karl Brugger porque leva a história para um outro caminho. 

10.Você define o livro como uma mistura de livro-documentário, true crime, fanfic especulativa e jornalismo gonzo. Como foi equilibrar esses gêneros tão diferentes sem perder a coesão?

Este é meu segundo livro, e seja nos livros ou nos documentários que faço, que pra mim são a mesma coisa em suportes diferentes, eu sempre tento trazer muitas camadas para as histórias que conto. Eu estudo e dou aulas de roteiro há muito tempo e para mim, misturar todas essas camadas é o grande barato do meu trabalho. Para mim, um documentário não precisa ser só uma coisa. Cada um dos meus filmes ou livros podem ter várias interpretações. No meu livro anterior, eu escrevia como um diário de viagem mas também como um romance ou uma história de aventura. Em Akakor, eu brinquei muito com esses subgêneros que eu me interesso, sempre brincando com essa linha fina entre ficção e realidade. Muitas coisas de fato aconteceram, foram apuradas e pesquisadas, mas muita coisa ali foi imaginada e recriada por mim e isso é muito divertido de se fazer quando se está escrevendo.

11.O que o leitor pode esperar ao se aventurar por O enigma de Akakor? É mais uma história sobre a Amazônia ou sobre os mitos que escolhemos acreditar?

Como falei, é um livro de muitas camadas e cada leitor pode ter uma experiência diferente. Pode ser interessante para quem curte teorias da conspiração ou para quem gosta de um bom drama. Tem um pouco de tudo. Tem muito de História e acho que os leitores podem aprender muito sobre a América Latina em geral. Sobre a nossa história. Sobre a Amazônia. Pelo menos, eu aprendi muito durante a pesquisa. Acho que este livro é uma verdadeira selva de anedotas e o leitor tem muito material para desbravar. Assim como o F for Fake, eu acho que é um livro para se ler e reler e ir encontrando as peças escondidas dentro deste quebra cabeças.

12.Você acha que ainda existe uma verdade a ser descoberta sobre Akakor ou o mito já virou uma entidade própria, maior do que qualquer evidência?

Exatamente. Acho que Akakor já perdeu a relevância. O livro escrito por Brugger nos anos 70 já ficou pequeno perto da dimensão que essa história tomou. Já não é mais sobre o mito de uma cidade perdida. É sobre as histórias que a gente resolve acreditar.

13.Com tantas camadas de farsa, mistério e pós-verdade, o que O enigma de Akakor revela sobre a nossa relação com a ficção e com a busca por sentido?

Acho que é isso que eu gostaria de provocar nos leitores. Em que acreditamos nessa vida? Porque acreditamos. Porque contamos histórias… Vivemos em tempos de plataformas de streaming e informações aceleradas em redes sociais, nunca consumimos tantas histórias ao mesmo tempo. Esse livro é uma provocação pra gente tentar entender o porquê. Tudo isso embalado por uma grande aventura. 

14.⁠ ⁠Há planos para transformar essa história em filme ou série no futuro?

Eu sei da existência de muitos projetos cinematográficos sobre Akakor. Séries, filmes e podcasts de diferentes produtoras, canais e plataformas. Eu confesso que nessa história não me vejo mais como realizador e sim como um personagem. Os direitos do meu livro não foram comprados ainda. Estou esperando propostas 😉

marramaqueadmin