Entrevista: Dupla Coisa Nossa

1. Como foi o primeiro encontro de vocês, que resultou na composição de “Diferentes Semelhanças”?
Felipe Rodarte propôs que fizéssemos uma composição juntos e criamos um grupo no WhatsApp. A partir dali começamos a trocar um monte de referências, gostos e desejos. Marcamos um encontro na casa de um de nós e, depois de muitas horas de conversa sobre a vida e música, quase no fim da noite começamos a compor a música. Até ali, parecia que nada ia sair, mas a canção acabou desbloqueando um caminho. Não sabemos o que teria acontecido se tivéssemos nos despedido minutos antes.

2. Qual é o significado da contradição “diferentes semelhanças” no contexto da parceria entre vocês?
Não é exatamente uma contradição. Cada indivíduo tem semelhanças com uns, que são diferentes das semelhanças com outros. Nos reconhecemos nas semelhanças, mas as diferenças nos desafiam a entendê-las. É um ciclo de reconhecimento humano, em que as simetrias naturais se mostram, como as margens de um rio ou as partes do corpo humano. Isso simboliza o amor, onde somos um só, apesar das diferenças.

3. Como vocês descreveriam a dinâmica criativa de compor juntos no sofá de casa?
O sofá é um móvel aconchegante, que organiza um centro de casa e cria um espaço de comunhão, onde ideias e composições fluem. A “Coisa Nossa” nasceu ali, não por acaso, mas porque o sofá nos reuniu várias vezes. Ele traduz a realidade cotidiana do encontro e da palavra, sendo um símbolo do espaço compartilhado para criar.

4. Vocês mencionaram ter cerca de 40 parcerias. Como foi o processo de seleção para as 11 faixas do álbum?
O processo de seleção foi em conjunto com os produtores Felipe Rodarte, Constança Scofield e Álvaro Alencar. A maioria das canções surgiu depois de escolhermos o repertório do álbum e fomos apresentando as músicas conforme eram firmadas. Foi uma colaboração contínua.

5. O álbum transita entre referências como Novos Baianos e Simon & Garfunkel. Como vocês equilibram essas influências nacionais e internacionais?
Somos brasileiros e, ao interpretar outros artistas, trazemos isso para nossa brasilidade. Simon & Garfunkel foram inspirações, mas com liberdade para misturar essas influências. A arte não tem restrição de gênero, e essas influências se entrelaçam naturalmente na nossa produção.

6. O conceito de brasilidade permeia o disco. O que esse tema representa para vocês?
Brasilidade não é um termo oficial, mas um jeito de explicar a busca pela MPB, um território rico e vasto, cheio de influências para ouvir e explorar. Nossa busca foi por essa essência, uma conexão direta com a música brasileira.

7. A escolha pela afinação em 432 Hz foi muito interessante. Como essa decisão impactou a sonoridade do álbum?
A afinação em 432 Hz trouxe uma sensação de distensão nos instrumentos e impactou a forma de cantar. Alguns retornos indicaram que a frequência transmite calma no corpo ao escutar o álbum. Por outro lado, essa afinação limita algumas possibilidades, como o uso de instrumentos de sopro, mas essa limitação propõe algo novo.

8. Como a mistura de instrumentos tradicionais brasileiros com elementos como o derbak árabe e a guitarra baiana reflete a proposta do disco?
A busca por sonoridades tradicionais brasileiras é uma forma de se conectar com um recorte cultural e reavivar essas expressões. O uso desses elementos, junto com os produtores musicais, cria uma conversa direta com o ambiente cultural e social, misturando influências de diferentes partes do mundo.

9. Como foi trabalhar com Felipe Rodarte, Constança Scofield e Álvaro Alencar na produção do álbum?
Trabalhar com esses produtores foi gratificante. Além de trazerem toda a qualidade necessária para a gravação na Toca do Bandido, também nos deram confiança e amizade. A colaboração foi marcada por uma sensibilidade artística conjunta, que ajudou a dar vida ao álbum.

10. O que vocês podem compartilhar sobre a colaboração com músicos como Marcos Suzano e Sergio Chiavazzolli?
Trabalhar com Marcos Suzano e Sergio Chiavazzolli foi uma experiência de aprendizado. São mestres da música, e trabalhar com eles foi como ler 100 livros em 3 minutos de música. Além de serem pessoas incríveis, eles alegraram os dias no estúdio com sua sabedoria e energia.

11. A canção “Coisa Nossa” conta com um coro de vozes. Qual foi a intenção por trás dessa escolha?
O coro simboliza o povo cantando junto, como se a “Coisa Nossa” saísse da intimidade e se expandisse para o público. Como o refrão diz, ressoa em um “bando”, indo para as ruas, além da casa e do café da manhã.

12. Como Renato Cipriano contribuiu para a construção da “alma sonora” do álbum?
Renato Cipriano nos apresentou seus estudos de musicoterapia, nos levando a optar pela afinação de 432 Hz, que segundo seus estudos é harmônica à água e à matéria orgânica, proporcionando uma escuta mais contemplativa e calma.

13. Muitos rios aparecem nas letras. Qual é o simbolismo dos rios para vocês?
O rio é uma metáfora do tempo, pois suas águas nunca são as mesmas. Como seres humanos, somos como rios, em constante mudança. O Rio de Janeiro, nossa cidade, também é uma forte referência, sendo um símbolo do fluxo constante da vida.

14. “Cidade Alta” foi inspirada em Santa Teresa. Como a geografia influencia as histórias que vocês contam?
Santa Teresa é um bairro inspirador, cheio de vida e memórias. A música é uma homenagem ao bairro, um lugar onde encontramos pessoas e sensações, mesmo sem buscar por elas. A geografia e a natureza trazem sentimentos e memórias que se refletem nas nossas músicas.

15. Em “Mata Escura”, vocês falam de liberdade com esperança. Como essa mensagem dialoga com o momento atual?
Vivemos tempos difíceis, com desafios globais, mas acreditamos que a esperança pode nos guiar. A liberdade e a esperança moram no afeto e nas conexões humanas, como o olhar de uma criança. Mesmo diante de adversidades, essas conexões nos fortalecem.

16. A letra de “Ouro” critica a sedução comercial na trajetória artística. Como vocês lidam com essas pressões no mercado da música?
Manter a integridade no mercado musical é essencial. Não nos deixamos seduzir por armadilhas, preservando a essência e identidade da nossa arte. A contemporaneidade exige ajustes, mas sempre com equilíbrio para que o genuíno e espontâneo se mantenham.

17. João descreveu vocês como sol e lua. Como essa complementaridade se manifesta no trabalho conjunto?
Somos opostos que se encontram, com formas diferentes de lidar com a vida e a rotina. Mas encontramos semelhanças nas diferenças. A simbiose na arte facilita o equilíbrio, e, apesar das diferenças de personalidade, sempre respeitamos as individualidades e a escuta aberta.

18. Como vocês imaginam que “Coisa Nossa” será recebido pelo público?
Não podemos controlar a recepção, mas esperamos que, pelo álbum ter sido feito com muito carinho e de forma tranquila, ele traga uma sensação de respiro e pausa ao público. Esperamos que, apesar da introspecção, ele seja percebido como um álbum solar.

19. Quais são os próximos passos para a dupla? Já há planos para novos projetos?
Agora estamos focados na divulgação do álbum e vivendo cada passo do pós-lançamento. Vamos fazer muitos shows, levando o “Coisa Nossa” para o Brasil e para o mundo, e fortalecer nossa parceria. Continuaremos compondo, pois isso é inevitável para nós, sem deixar de lado nossas carreiras solos.

20 O que o público pode esperar dos shows de divulgação do álbum?
Os shows terão dois formatos: uma versão intimista, com apenas os dois violões, ideal para espaços menores e viagens, e uma versão com banda cheia, mais enérgica e divertida, mas ainda mantendo a intimidade que caracteriza nossa relação.