12 mar 2025, qua

1. O Dark Side EP é descrito como uma jornada interna. Como foi o processo de transformar essas emoções intensas em música? 

É uma iniciação, como ser humano, como mulher, me sinto passando por uma forte passagem de menina para quem realmente sou. Por muito tempo escondi tudo o que eu sentia, eu fiquei quase muda mesmo depois de passar por muitas coisas na minha adolescência. Essas músicas são a representação desse momento que finalmente decidi me abrir de novo, pras pessoas, pra escrever e cantar sobre isso, pra mim mesma.

Foi muito desafiador, mas não sei fazer música de outra forma. 

2. Você menciona que cada faixa representa um momento dessa jornada. Há alguma música que foi particularmente difícil ou libertadora de compor?  

Todas são partes muito importantes de quem sou e de uma dor ou momento muito importante que vivi. Não consigo escrever de outra forma, é impossível, eu não termino a música. 

Savage Daughters eu estava em prantos quando compus, cheguei na casa de minhas amigas chorando muito depois de descobrir tantas coisas que até hoje acontecem no mundo: até hoje há mulheres que não podem cantar, ou sentir o seu cabelo ao vento. Isso me quebrou em mil pedaços e abriu em mim minhas próprias feridas e violências que eu como mulher brasileira passei em minha infância e adolescência. Infelizmente não sou a única, nem mesmo é algo raro. Quando falamos, de repente chorávamos todas. Com fúria, dor e luta escrevemos aquilo que queremos ver nascer. Foi doloroso e libertador ao mesmo tempo. 

Dark Side foi libertador por um outro motivo, dentro de um sentimento de pura alegria e loucura, fiz ela em menos de 30 min, morrendo de medo de não dar certo por eu estar explorando coisas bem diferentes na melodia e no instrumental. 

Scars surgiu inteira de uma vez só, tenho até hoje o áudio onde eu estava na chuva, em minha casa olhando pro lago, a música veio inteira, e depois disso eu chorei muito pois percebi que finalmente me sentia segura para entregar minhas cicatrizes à alguém. 

Cada uma delas veio de um momento muito importante pra mim, por isso elas são como uma fotografia do meu corpo que hoje entrego para as pessoas.

3. O single Dark Side tem influências do Olodum e ritmos brasileiros. Como foi a experiência de incorporar esses elementos culturais ao seu som?  

Foi maravilhoso poder tocar e cantar minhas raízes nessa música. Minha mãe é baiana e eu cresci ouvindo essas percussões, minhas maiores inspirações são a música nordestina e baiana, não teria como não adicionar essas referências nesse primeiro EP, elas estão como vírus em mim haha

4. Você trabalhou com a dupla de produtores My Riot no EP. Como foi essa colaboração e o que eles trouxeram para o projeto?  

Fiz com eles minhas primeiras músicas. Eles foram os primeiros produtores com quem trabalhei na vida, o que foi mágico pra mim já que eu já era fã deles de outras músicas que eles tinham feito e que eu amo muito. A primeira música que fizemos juntos foi uma música que escrevi para o meu pai quando eu tinha uns 13 anos. 

Eles me acolheram e me ensinaram muito, sobre música e também sobre como abrir meu coração para compor com outras pessoas. Foi também a primeira vez que escrevi em inglês com alguém, quando assinei com meu selo eu ainda nem sabia falar inglês completamente (aprendi sozinha), então eles foram os seres mais amáveis que eu poderia pedir, sempre me dando o maior suporte. Fizemos a música que dá nome ao EP em 30 minutos, depois de escrevermos juntos uma outra música bem importante pra mim. Estava chorando na anterior e de repente estava gritando com todos os meus pulmões, tocando tambor e sementes brasileiras ahaha 

Foi sem dúvida uma das minhas composições onde mais me diverti na vida. 

5. A música Bailarina parece ter um nome evocativo. Há uma história específica por trás dessa faixa?  

Sim, eu escrevi uma história alguns anos atrás que cheguei a postar nas minhas redes chamada “A Guerreira e a Bailarina”. Ela fala sobre algo muito importante pra mim que é como muitas vezes por traumas e situações de violência que passamos em nossa vida, podemos ter uma personagem interna que assume o nosso controle, uma guerreira que com seu arco e flecha nos protege do mundo. Por muito tempo fiquei afundada numa tristeza que parecia não ter fim, calada e sem forças até que essa guerreira assumiu o controle. Ela me protegeu durante tanto tempo, com uma raiva que me tirou desse lugar onde eu não conseguia me mexer ou lidar com tanta tristeza. Porém começou a me cegar e a me consumir e por um tempo depois eu fui só isso: só forte, cheia de raiva e cheia de fogo mas sem… eu mesma. Bailarina marca o momento onde percebi que tinha deixado pra trás algo muito importante: a minha autenticidade, aquela que já carregamos desde de crianças, uma pureza, e coisas que já nascem com a gente e que parecem vir de um outro lugar… Essa parte não tem medo, ou vergonha, ou culpa de ser quem é. Ela apenas dança. E ela me libertou, de novo, pra acreditar e ser quem eu sempre quis ser. Uma permissão que só nós mesmos podemos nos dar.

6. Seu caminho na música quase foi interrompido quando a pandemia cancelou sua turnê com o Cirque Du Soleil. O que te fez encontrar forças para continuar? 

Foram as pessoas. Comecei a fazer os vídeos na internet porque queria desistir de cantar. Dessa vez pra valer. 

A carreira na música, na arte (e em tudo que você quer fazer com maestria), é desafiadora no brasil e eu tinha muito medo de nunca conseguir me sustentar financeiramente. 

Foi um baque muito grande perder esse sonho de cantar no Cirque depois de passar no teste. Eu não conseguia lidar com a dor de trabalhar uma vida inteira pra esse momento e ele parar aí por algo que ninguém podia controlar.

O Andherson que é meu companheiro e filma tudo que faço foi quem disse “não vai desistir não, canta aquela música que eu gosto, 1 2 3 gravando”. 

Desses primeiros vídeos que gravei, teve uns que estava chorando minutos antes de cantar aquilo. Mas quando estou com a música o mundo realmente para, então eu realmente esquecia de tudo por aqueles momentos. 

E aí do nada milhares de pessoas começaram a aparecer nas redes e eu tomei um choque.

Não esperava que isso ia acontecer. 

Estar em contato com pessoas que amavam as mesmas coisas que eu me fez sentir, pela primeira vez, que eu não era tão estranha assim. Na verdade, existem muitas pessoas como eu espalhadas pelo mundo. Eu só não as conhecia ainda. 

E foi elas que me salvaram de não desistir da música. Eu nunca estaria aqui lançando esse álbum se não fosse pelo apoio daquelas primeiras 20 pessoas seguindo que hoje me fizeram lançar meu primeiro Ep, um sonho que tenho desde que me lembro. 

7. Você começou a ganhar notoriedade com vídeos a capella gravados em paisagens brasileiras. Qual foi o momento em que percebeu que sua arte estava realmente alcançando pessoas ao redor do mundo?  

Acho que até hoje não caiu a ficha. Até hoje me sinto chocada quando encontro as pessoas que me seguem pessoalmente. Mas acho que estar na China cantando minhas músicas autorais foi algo bem surreal pra mim. Não acreditava que a menina que pegava ônibus de quase 3h pra estudar música em ong tava do outro lado do mundo cantando pra milhões de pessoas. 

8. Passar parte de 2023 na Europa compondo e depois voltar ao Brasil para adicionar elementos culturais às suas músicas teve um impacto na sua identidade artística?  

Foi mágico, uma experiência que daria um livro pra uma menina que sempre acreditou em contos de fadas haha

Já dá pra perceber que amo escrever né? 

Eu conheci os compositores por trás das minhas músicas preferidas, aprendi inglês na marra haha e tive a honra de poder cantar e compor sobre tudo que eu guardei por toda a minha vida com humanos que eu admiro. 

E hoje lanço isso pra vocês.

Eu mudei completamente, de uma forma que quando lembro de uns cinco anos atrás parece que é outra vida. 

Eu realmente sinto que estou vivendo muitas realidades e vidas numa só e acho que vocês vão perceber pelas músicas que vão vir agora o quanto tudo vem se transformando dentro de mim. 

9. O lançamento do Dark Side EP marca o início de um novo capítulo para você. O que podemos esperar dos próximos passos da sua carreira?  

Muita música e algumas surpresas de estilo haha

Também quero muito atuar e dançar mais, tentar concretizar o meu sonho de ser o Gene Kelly haha

Espero também fazer muitos shows, que é o motivo pelo qual faço tudo isso. 

Nada disso faz sentido sem poder estar com as pessoas. 

Quero servir às pessoas com o melhor de mim, que é a música e o meu coração. 

Meu sonho é fazer com que se sintam como eu me sinto quando estou com a música, livre. 

10. Com mais de 5 milhões de seguidores e 8 milhões de streams, como você vê a relação entre a presença digital e a construção da sua trajetória musical?  

Eu não seria nada sem a internet. Foi assim que meu selo me achou e todas essas criaturas selvagens maravilhosas que me seguem, somos um coven ! 

11. Você tem vontade de explorar outros gêneros ou sonoridades em projetos futuros?  

Com certeza! Tem tantas coisas que ainda quero testar! Música pop, o rock, a trilha sonora, a música clássica… podem aguardar uma pessoa bem doidinha que vai tentar juntar tudo isso numa coisa só. Espero que gostem do meu feitiço!