Entrevista: Mirella Franco Melo, empresária e palestrante

Entrevista: Mirella Franco Melo, empresária e palestrante

1 – O que motivou você a criar a proposta de enxergar a carreira como um ativo de valor, inspirada na metodologia de valuation das empresas?

Em linhas gerais, minha transição para o empreendedorismo foi pautada em práticas comumente utilizadas no mercado financeiro em processos de aquisição, negociação e venda de empresas. Minha entrada como sócia ocorreu por meio de uma negociação de equity, onde aporte financeiro foi substituído pelo valor do meu trabalho, conhecimento e capacidade de geração de resultados.

Na sequência, conduzi a organização, maturação e crescimento da empresa com base em práticas de governança corporativa, elaboração de pitchs para investidores e, por fim, a venda da minha participação após cinco anos, por um valor relevante.

Esse repertório só passou a fazer parte do meu cotidiano porque tive contato próximo com o universo de Mergers & Acquisitions, por meio do meu marido, profissional do mercado financeiro. Percebi, então, que a maioria dos profissionais desconhece esse tipo de lógica de geração e negociação de valor.

Foi justamente para tornar acessível essa visão estratégica antes restrita a grandes corporações e ao mercado financeiro que criei a proposta de enxergar a carreira como um ativo de valor.

2 – Na sua visão, qual é o erro mais comum que os profissionais cometem ao gerenciar suas próprias trajetórias?

O erro mais comum é cair no comodismo e viver no piloto automático – adiar decisões importantes, demorar para agir e deixar de assumir as rédeas da própria jornada. Muitos profissionais só percebem quando já perderam boas oportunidades de crescimento.

Outro erro é depender de uma única fonte de renda e acreditar que estabilidade vem apenas de um salário fixo ou de uma promoção eventual. Isso os torna vulneráveis. Muitos ainda contam com a sorte, depositam 100% do tempo em uma única entrega e esperam que o sistema corporativo os reconheça.

E quando conquistam uma promoção ou um salário mais confortável, acabam entrando em uma nova zona de conforto. Com isso, deixam de se preparar, não mapeiam os riscos da carreira e ignoram os pontos cegos que, muitas vezes, são justamente o que impede sua ascensão.

3 – O método do “Plano de Voo” é estruturado em três pilares. Poderia explicar de forma prática como cada um deles pode ser aplicado no dia a dia profissional?

O método Plano de Voo não é uma lista de hábitos diários, mas sim um mapeamento de uma jornada. Ele sugere a organização da vida profissional em etapas que dão clareza, sustentação e governança às escolhas:

72 Entrevista: Mirella Franco Melo, empresária e palestrante Visão Estratégica – etapa de diagnóstico. O profissional faz um assessment pessoal, identifica os problemas que resolve, amplia seu repertório e começa a construir a base para falar de valuation.

72 Entrevista: Mirella Franco Melo, empresária e palestrante Ousadia Calculada – etapa de ação. É quando se coloca em prática, com governança estratégica, as decisões que levam além da zona de conforto, mas sempre avaliando riscos e preparando o terreno para o crescimento.

72 Entrevista: Mirella Franco Melo, empresária e palestrante Operação Consistente – etapa de manutenção. Aqui entra a disciplina para sustentar a jornada com boas práticas, garantindo evolução contínua. Afinal, a vida profissional não precisa ter um fim: o que existem são novos recomeços. E, com os riscos já mapeados, é possível antecipar e sanar pontos de atenção antes que se transformem em crises.

No conjunto, esses três pilares permitem ao profissional assumir o controle da própria trajetória, enxergando-a como um ativo que precisa ser gerido com visão de longo prazo, propósito e governança.

4 – A pesquisa da Infojobs revelou que 90% dos profissionais pensaram em trocar de emprego em 2024. Como o seu livro pode ajudar quem vive essa insatisfação?

Esse dado mostra uma insatisfação estrutural. E o ponto é que trocar de emprego, muitas vezes, acaba sendo só trocar de problema, se a pessoa não tiver clareza do próprio valor.

No livro eu trago ferramentas para que o profissional faça uma verdadeira reprogramação de mentalidade: saia daquela visão mais industrial, de depender só do sistema corporativo, e passe a enxergar a carreira como um negócio, em que ele é o gestor do próprio ativo.

Quando essa virada acontece, a satisfação ou insatisfação deixam de depender de terceiros. O profissional ganha clareza, propósito e visão de longo prazo — e, a partir daí, trocar de emprego pode ser uma escolha estratégica, e não apenas uma reação momentânea à frustração.

5 – Você fala muito sobre a desconexão entre identidade e crachá. Como foi esse processo na sua própria vida?

Fomos condicionados por décadas a associar nossa identidade ao crachá ou ao título que carregamos. Muitos profissionais sentem que, sem aquele cargo, sua identidade fica fragilizada.

No meu caso, durante muito tempo eu tive medo de perder o meu título — e não apenas pelo salário, mas principalmente pelo valor identitário que aquele cargo trazia por trás. Só que essa consciência ficou clara mesmo na minha transição para o empreendedorismo.

Ao negociar minha participação societária e perceber que meu valor poderia ser reconhecido e convertido em equity — independente de títulos ou da empresa em que eu estava — compreendi que a minha trajetória e capacidade de gerar resultados tinham a mesma relevância, ou até maior, do que qualquer crachá poderia representar.

6 – De que forma a ousadia calculada, conceito que você traz no livro, pode ser diferenciada da impulsividade?

A ousadia calculada é a coragem com estratégia. Diferente da impulsividade, que é agir no calor do momento, a ousadia exige preparo, análise de riscos e consciência das consequências. É assumir riscos, sim, mas de forma responsável e alinhada ao objetivo maior.

7 – Que conselhos você daria a jovens profissionais que estão começando e muitas vezes se sentem perdidos no mercado competitivo de hoje?

O principal conselho é não delegar a carreira ao sistema. É fundamental construir repertório, nunca deixar de aprender — independentemente de todas as facilidades que a tecnologia nos oferece hoje. Ter repertório é o que permite tomar decisões melhores e mais conscientes ao longo da jornada.

Além disso, é preciso desenvolver uma mentalidade de dono, assumir responsabilidade pelas escolhas e se preparar constantemente. Investir em autoconhecimento e buscar clareza sobre o que se quer construir no longo prazo também é essencial para sustentar uma carreira sólida e com propósito.

8 – A decisão de doar 100% dos direitos autorais ao Instituto Rede Mulher Empreendedora é um gesto marcante. Como nasceu essa escolha e o que você espera gerar com ela?

A decisão nasceu do meu desejo de devolver à sociedade parte do que conquistei. Sempre acreditei que a educação é o maior vetor de transformação, e doar os direitos autorais foi a forma que encontrei de apoiar mulheres em situação de vulnerabilidade a terem acesso a conhecimento e oportunidades.

Escolhi o Instituto Rede Mulher Empreendedora justamente por ser uma instituição séria, que eu conheço de perto. Sei quem é a fundadora, sei o propósito que existe por trás e tenho confiança de que é uma entidade alinhada com os meus valores. Isso me dá a certeza de que a doação vai cumprir seu papel transformador — e é exatamente isso que eu quero devolver.

9 – Quais foram os maiores desafios ao escrever um livro que mistura autobiografia, liderança e estratégia?

O maior desafio foi equilibrar vulnerabilidade e autoridade. Escrever sobre a própria história exige coragem, mas também responsabilidade. Quis mostrar meus aprendizados sem cair no vitimismo, transformando experiências em insights que pudessem inspirar e gerar valor para o leitor.

10 – Você acredita que a valorização profissional hoje precisa estar conectada a propósito e bem-estar, além de salário e cargos?

Sim, absolutamente. O mercado está cada vez mais competitivo e os profissionais buscam mais do que remuneração. Propósito, saúde mental, liberdade e alinhamento de valores passaram a ser diferenciais reais para sustentar carreiras de longo prazo.

11 – No setor farmacêutico, onde você construiu grande parte da sua carreira, quais aprendizados considera universais para qualquer área profissional?

A indústria farmacêutica me ensinou disciplina, responsabilidade com processos e uma ética que é inegociável. Esses aprendizados valem para qualquer área: fazer com qualidade, respeitar normas e manter a integridade como base de um crescimento sustentável.

Mas, acima de tudo, o que fica é o senso de responsabilidade. Porque ali a gente lida com vidas e isso muda tudo. Todo cuidado é pouco, cada detalhe importa. No fim, você entende que existe sempre alguém que deposita esperança naquele trabalho, e isso traz um peso e uma consciência que eu levo para qualquer lugar.

12 – Para finalizar: se pudesse resumir em uma frase a essência de Carreira com Valuation, qual seria?

Carreira com Valuation é sobre assumir o protagonismo e gerir sua trajetória como o seu maior ativo — sem fórmula pronta, mas com estratégia, disciplina e repertório para construir valor de forma consistente.

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