11 mar 2025, ter

Entrevista: Carla Gullo, Rita Gullo e Camilo Vannuchi, escritores

1. O que motivou vocês a escreverem um livro sobre o Carnaval para crianças?  

Carla: A motivação foi para a coleção como um todo. Minhas filhas eram crianças e eu queria contar para elas quem foi Tom Jobim, quem era João Gilberto, quais os ritmos brasileiros. Procurei nas livrarias e não achei nada. Resolvi então escrever e chamei o Camilo, parceiro de longa data e a Rita, minha sobrinha, que é historiadora e cantora.

Rita: O Carnaval é tão presente no Brasil que parece que sempre esteve ali, mas nem sempre sabemos de onde ele veio. Queríamos contar essa história de um jeito envolvente para as crianças, mostrando suas origens e transformações. A coleção Ritmos do Brasil já falava sobre nossos estilos musicais, então incluir o Carnaval fez todo sentido, afinal, ele é um dos maiores palcos da nossa música.

2. Como foi o processo de pesquisa para contar a história da festa de uma forma acessível para os pequenos leitores?  

Carla: Longo…O Brasil, como se sabe, preserva pouco sua memória. Fomos a livros, pesquisas online, entrevistas com especialistas. A linguagem é simples, mas não “tatibitati” porque não é nosso estilo e nem da Moderna. É contar uma história, como se fosse ao vivo.

Rita: Foi um verdadeiro garimpo. Buscamos referências em livros, imagens, registros históricos e conversamos com especialistas. Depois, transformamos tudo isso em um texto fluido e interessante, sem perder a riqueza da história. Queríamos que as crianças não apenas entendessem, mas sentissem a energia do Carnaval.

3. O livro faz parte da coleção Ritmos do Brasil. Como ele se conecta com os outros títulos da série?  

Carla: O Carnaval em si não é um ritmo. Mas ele agrega vários ritmos. Achamos que tinha de estar na coleção.

Rita: O Carnaval não é um ritmo, mas é onde muitos ritmos se encontram. Samba, frevo, maracatu, axé, marchinhas… Todos têm espaço na festa. Por isso, ele tem tudo a ver com a coleção.

4. Quais foram os maiores desafios em adaptar um tema tão rico e complexo para crianças a partir de 9 anos?  

Carla: Resumir. É um tema muito rico e com detalhes interessantes. Mas faz parte do nosso trabalho: resumir de forma simples e interessante. Mas um grande desafio é fazer a obra chegar aos leitores do que fazê-la. O livro é um paradidático, com foco nas escolas. Creio que a história da cultura brasileira deveria fazer parte do currículo escolar.

Rita: O maior desafio foi escolher o que contar. O Carnaval tem uma história cheia de detalhes e personagens, e precisávamos resumir sem perder a essência. O resultado foi um livro direto e envolvente, sem deixar de lado o que faz a festa ser tão especial.

5. O que diferencia esse livro de outras obras sobre o Carnaval já publicadas?  

Carla: Não sei dizer assim de forma geral porque não conheço todas as obras já publicadas. 

Rita: Além de contar a história do Carnaval, mostramos suas raízes e transformações de um jeito visual e acessível. O livro conecta passado e presente, ajudando os leitores a entenderem como essa festa se tornou o que é hoje.

6. Qual foi a maior descoberta ou curiosidade sobre o Carnaval que vocês encontraram durante a pesquisa para o livro?  

Carla: Adorei saber que a ala das baianas surgiu em homenagem às escravas baianas libertas que foram para o Rio e lá agregaram a comunidade negra e impulsionaram o samba, entre outras culturas africanas.

Rita: Uma curiosidade bacana é que a primeira marchinha de Carnaval foi composta por uma mulher, Chiquinha Gonzaga. Em 1899, ela criou Ó Abre Alas para o Cordão Rosa de Ouro, e a música fez tanto sucesso que acabou abrindo caminho para muitas outras marchinhas. Mais de um século depois, essa marchinha ainda é uma das músicas mais tocadas nos bailes e blocos de rua durante o Carnaval​.

7. Como o Carnaval se transformou ao longo dos séculos até se tornar a maior festa popular do Brasil?

Carla: Acho difícil resumir isso aqui – é o livro todo. Mas basicamente: a cultura negra e o sincretismo do Brasil.

Rita: Ele veio da Europa com influências do entrudo português, ganhou o batuque africano e se reinventou nos blocos, nos desfiles e nos trios elétricos. Foi mudando com o tempo, mas sempre refletindo a identidade do Brasil.

8. O livro explica a origem do nome “Carnaval”. Como vocês acreditam que essa relação com a Quaresma influencia a festa até hoje?  

Carla: Não sei se influencia. Talvez para as pessoas mais religiosas, que guardam a quaresma.

Rita: A relação com a Quaresma ficou no passado. Hoje, o Carnaval é uma festa independente, uma grande celebração cultural que reúne milhões de pessoas, sem necessariamente ter uma conexão com o calendário religioso.

9. Vocês mencionam que o Carnaval foi reprimido e elitizado em alguns momentos da história. Poderiam dar exemplos disso?  

Carla: Um negro não podia andar com um pandeiro na rua porque era preso. Acho que esse exemplo ilustra bem.

Rita: Sim, no século XIX, as elites tentaram substituir a festa popular por bailes de máscaras fechados. Mais tarde, houve períodos de repressão, como a proibição de blocos de rua em algumas cidades. Mas o Carnaval sempre encontrou um jeito de voltar para as ruas.

10. O Carnaval tem um papel social importante. Como vocês exploraram essa dimensão no livro?  

Carla: Creio que quando mostramos a diferença do carnaval de rua e daquele que era festejado nas casas.

Rita: O Carnaval é uma festa, mas também dá voz a diferentes grupos e reflete as mudanças da sociedade. No livro, mostramos como blocos, escolas de samba e trios elétricos são espaços de expressão, resistência e identidade cultural.

11. Como foi a experiência de trabalhar juntos nesse projeto? Cada um trouxe um olhar diferente para a obra? 

Carla: Eu e Camilo somos parceiros há anos, trabalhamos juntos na Istoé e em outras mídias. Rita escreve bem e é ótima pesquisadora. Cada um pegava uma parte sim e íamos juntando aos poucos. E fizemos uma redação e leitura final – com ajuda da editora.

Rita: Foi uma construção coletiva. A Carla trouxe a narrativa, o Camilo a estrutura jornalística e eu o olhar musical e histórico. Juntamos tudo isso para criar um livro que flui como um desfile bem ensaiado.

12. Qual foi a participação do ilustrador Thiago Lopes no processo de criação do livro? Como as ilustrações ajudam a contar essa história? 

Carla: Essa parte ficou com a editora Moderna. 

Rita: As ilustrações foram essenciais para dar vida ao texto. O Thiago conseguiu captar as cores, os movimentos e a energia do Carnaval, fazendo com que as imagens complementassem a narrativa.

13. O livro mistura fotos e ilustrações. Como vocês decidiram esse formato e o que ele acrescenta à leitura?  

Carla: Achamos que seria interessante esse formato para deixar o livro lúdico e mostrar imagens reais ao mesmo tempo.

Rita: A mistura de fotos e ilustrações deixa a leitura mais leve e visual. As ilustrações trazem um toque lúdico, enquanto as fotos mostram o Carnaval como ele é na realidade. Juntas, elas tornam a história mais envolvente.

14. Vocês têm alguma passagem ou trecho favorito do livro?  
Carla: Acho interessante a parte que diz que os blocos tinham de passar na frente da casa das tias baianas para homenageá-las. E o nascimento dos blocos.

Rita: Gosto muito da parte que fala sobre os blocos de rua. Mostra como o Carnaval nasce da espontaneidade, com amigos se reunindo para tocar, dançar e ocupar as ruas. É a essência da festa.

15. Vocês acreditam que as crianças de hoje conhecem bem a história do Carnaval? Como o livro pode ajudar nesse aprendizado?  

Carla: Não conhecem. Minha sobrinha de 9 anos ao ler o livro falou: “Nossa, o Carnaval não nasceu no Brasil?”

Rita: Elas conhecem a festa, mas nem sempre sabem sua origem. O livro ajuda a conectar o Carnaval de hoje com sua história, mostrando como ele foi se transformando ao longo do tempo.

16. Como podemos incentivar a valorização das manifestações culturais brasileiras desde a infância?  

Carla: Com educação e estímulo à nossa memória. Como fazem os americanos, ingleses. O tempo todo vemos filmes, livros, séries sobre a história deles – sem falar no currículo escolar. Os jovens aqui sabem quem foi Elvis Presley, mas poucos sabem quem foi Tom Jobim.

Rita: Dando acesso. Levar crianças a blocos, rodas de samba, apresentar músicas e histórias brasileiras desde cedo faz toda a diferença.

17. O Carnaval reflete a diversidade do Brasil. Como essa pluralidade aparece no livro?  

Carla: O tempo todo.

Rita: O livro mostra, por exemplo, como o Carnaval se espalhou por diferentes regiões do Brasil, ganhando características próprias em cada lugar. No Rio de Janeiro, os blocos e as escolas de samba se tornaram símbolos da folia. Em Salvador, o trio elétrico transformou a festa em uma grande celebração de rua, misturando ritmos como frevo e ijexá. Em Recife e Olinda, o frevo e o maracatu dominam a festa, acompanhados pelos bonecos gigantes que desfilam pelas ruas. Cada região tem sua identidade, e essa diversidade faz do Carnaval uma celebração única, que se reinventa constantemente.


18. Em tempos de mudanças e novas formas de folia, como vocês enxergam o futuro do Carnaval?  

Carla: Difícil dizer isso. Minha maior preocupação, na verdade, é com a violência. Não só roubos e violência contra a mulher, mas a agressão recente a Marcelo Rubens Paiva em um bloco no pré carnaval de São Paulo é muito preocupante. Temos que educar, sensibilizar contra a violência. Moral e física.

Rita: O Carnaval sempre se reinventou e vai continuar assim. Novos formatos podem surgir, mas o espírito da festa, a celebração coletiva, vai seguir firme.

19. Que mensagem vocês gostariam que as crianças levassem depois de ler Carnaval?  

Carla: Que somos uma mistura de cores, culturas e povos. Somos um único Brasil e temos que fazer deste país um lugar alegre e colorido como é o Carnaval. Livre de violência e preconceito. E isso depende de cada um de nós.

Rita: Que o Carnaval, além de ser uma festa, é uma história viva, construída por muitas mãos ao longo do tempo. Ele pertence a todo mundo, e cada nova geração tem o poder de mantê-lo vibrante, diverso e acessível para todos que quiserem participar.

20. Vocês já têm planos para os próximos livros da coleção Ritmos do Brasil?  

Carla: Temos sempre. Vamos ver se iremos conseguir. Como eu disse, não há muito estímulo à nossa memória…

Relato de Camilo Vanuck

Para nós, é uma alegria ver o livro sendo objeto de interesse de jornalistas, sites e portais de cultura. Maxwell, desde o início, a ideia da coleção “Ritmos do Brasil” é contar a história da música brasileira, seus principais momentos e movimentos, para crianças.

Sempre tivemos a intenção de integrar a família nessa experiência. Criamos o livro de forma que ele desperte memórias nas gerações de pais e avós, que cresceram ouvindo esses discos, artistas e músicas. A ideia é que possam ler e escutar as canções com seus filhos ou netos, ou que as crianças possam satisfazer sua curiosidade sobre as músicas que os pais escutam, seja em CDs, no Spotify ou em outras plataformas.

“Carnaval” é o quarto volume dessa coleção e também o mais recente, lançado em 2020. Desde então, não publicamos novos títulos, mas temos interesse em retomar a coleção. Gostaríamos muito que o próximo volume fosse sobre o rock brasileiro. Estou respondendo suas perguntas de maneira geral, mas ainda não sabemos exatamente quando nossas agendas permitirão conciliar a pesquisa, a redação e a publicação do próximo título.

A principal motivação da coleção é a percepção de que as crianças têm pouca noção da origem das músicas que escutamos hoje. Mesmo as músicas que elas já conhecem têm antecessores, influências e uma história rica. Por exemplo, muitas crianças têm contato com o samba, mas não conhecem sua história e seu significado. Minha filha de 10 anos, por exemplo, colocou “Águas de Março” para tocar no carro, sem nunca ter ouvido falar da bossa nova, de Tom Jobim ou de Elis Regina. Nosso desejo é ajudar a construir esse entendimento e contextualizar gêneros como a música caipira, o choro e suas respectivas classes sociais e períodos históricos.

Com o carnaval, ocorre o mesmo. É a maior festa popular do Brasil, mas também gera muitas dúvidas. O carnaval é brasileiro? Ele foi inventado aqui? Na verdade, não. O Brasil tem, hoje, o carnaval mais forte e intenso do mundo, mas suas origens são anteriores e fruto de uma grande mistura cultural. É um evento africano? Não exatamente. Ele tem influências tanto europeias quanto afrodescendentes. Queríamos contar essas histórias e mostrar como o carnaval surgiu como uma festa que mesclava diferentes classes sociais, com todos brincando juntos.

Com o tempo, a festa se popularizou, mas também sofreu um processo de elitização. Você perguntou sobre isso. O carnaval foi se tornando mais elitizado com os bailes de máscaras no Copacabana Palace e outros grandes clubes. Depois, com a profissionalização das escolas de samba e a criação dos sambódromos, que cobram ingressos caros. Os abadás do carnaval de Salvador são outro exemplo, pois incluem cordões de isolamento e camisetas que custam valores consideráveis. No entanto, sempre houve espaço para o carnaval de rua, mais espontâneo, sem barreiras financeiras ou sociais.

Nosso diferencial no livro foi traduzir toda essa história para uma linguagem simples e acessível para as crianças. Antes, os livros sobre carnaval se dividiam entre histórias mais leves, sem profundidade, e estudos acadêmicos voltados para adultos, com pesquisas históricas e antropológicas. Nosso objetivo foi unir essas duas abordagens: um texto breve, ilustrado com fotos de época e ilustrações, sem se tornar cansativo ou excessivamente volumoso para o público infantil.

A pesquisa envolveu revisão bibliográfica, leitura de outros livros, materiais de imprensa, pesquisas históricas sobre música brasileira e entrevistas com especialistas no tema. Eu e a Carla somos jornalistas, já cobrimos temas como música, cultura e festas populares, e sempre estivemos em contato com críticos de música. Além disso, a Rita Gullo, que também participou do projeto, é historiadora e cantora. Nossa intenção foi unir história, jornalismo e pesquisa de uma forma acessível para crianças.

O carnaval é um momento de extravasamento, energia e alegria, por isso é tão fascinante para turistas e crianças. Elas adoram ver pessoas fantasiadas, maquiadas e cobertas de glitter, além das referências a personagens de quadrinhos, filmes e animes. Até mesmo as críticas políticas aparecem no carnaval, o que estimula a curiosidade infantil.

O vínculo do carnaval com a quaresma é interessante, pois explica o próprio nome da festa: “carnaval” vem de “festa da carne”. Antigamente, era o último dia em que se podia comer carne, beber e festejar antes de um período de 40 dias de reclusão. As crianças que entendem esse contexto têm uma visão mais ampla sobre a festa e seu significado.

O carnaval pode mudar, tornar-se mais ou menos elitizado, dividido entre diferentes espaços na cidade, como acontece no Rio de Janeiro, que tem o desfile na Sapucaí e os blocos de rua. Mas, no fim das contas, a festa continuará existindo e mantendo seu significado de celebração coletiva.

Espero que tenha ajudado. Já falei bastante! Obrigado pelo interesse na cobertura e na divulgação do livro