12 mar 2025, qua

Entrevista: Cainã Cavalcante, violonista e compositor

1.Coração de Melodia reúne músicas que marcaram sua trajetória desde a infância. Como foi o processo de seleção do repertório?

Cainã: É verdade que essas canções me acompanham desde a infância, mas eu só me dei conta disso quando o disco estava em fase de finalização. Quando ouvi o álbum pronto, antes de lançar, fui tomado por uma emoção muito forte. Um misto de nostalgia e gratidão (me lembro bem) que me “teletransportou” para o início da minha caminhada com a música ao mesmo tempo em que a realidade me chama para o momento presente, aonde posso ver que essas melodias já moravam no meu coração. Sobre o processo de seleção do repertório, foi algo super tranquilo. A coisa toda parte da minha amizade com o violão. Esse repertório todo é muito afetivo, por serem músicas e arranjos de violão que eu amo tocar na minha intimidade. 

2. Você cresceu ouvindo vinis, fitas e CDs dos seus pais. Quais dessas influências mais moldaram seu estilo musical?

Cainã: Agradeço muito por ter tido o privilégio de ter a música como um agente de transformação na minha vida. Esses vinis, fitas e CDs dos meus pais combinado à minha curiosidade, foi uma potência! Porque ali, eu viajava o mundo, conhecia novas culturas. Ouvia de tudo! Da cultura popular nordestina/brasileira à música pop que rolava. Sempre busquei ver beleza em tudo, e na música não foi diferente. Não acho que essas influências me moldaram totalmente. Creio que elas seguem me moldando, sigo sempre com o radar ligado. A música é quem manda. Seja o que ela quiser, eu quero. Eu sou isso! De Pixinguinha à Beatles, como mostra o disco. E muito mais!

3. Seu álbum passeia entre violão solo, arranjos orquestrais e uma parceria especial com Rosa Passos. Como foi equilibrar esses diferentes momentos dentro do disco?

Cainã: Foi uma delícia sentir a reação da turma no estúdio enquanto eu ia gravando os violões e compartilhando as ideias. Eu já tinha esse roteiro na cabeça quando decidi o repertório que iria gravar. Uma coisa foi puxando a outra. Queria fazer um álbum bonito, tranquilo e emocionante com o meu violão traduzindo a poesia dessas canções. Logo surgiu a possibilidade com a orquestra, que é algo que sempre sonhei. E por fim, gravar o Carinhoso, que eu acho a grande canção brasileira, com a participação especialíssima da Rosa Passos foi a coroação de um trabalho que celebra a canção. 

4. Como surgiu o convite para a participação de Rosa Passos em Carinhoso?

Cainã: Foi um momento inesquecível, realmente. Estávamos em estúdio, na reta final da gravação dos violões do álbum, quando eu partilhei com os técnicos de gravação que queria gravar “Carinhoso” para fechar o disco, e mais, queria convidar a Rosinha Passos para cantar. Todos olharam pra mim com olhos arregalados, confirmando que seria incrível. Na emoção do momento, cheio de vergonha, enviei uma mensagem para a Rosa fazendo o convite. E sem perguntar tom, nem nada, entrei no estúdio, peguei meu violão, intui como seria e disse: “Vamos gravar esse Carinhoso em lá maior pra Rosinha!”. Assim mesmo, só gravei! (Emoção só pra quem tem coração forte! rs) Quando terminei de gravar o violão, tinha uma mensagem super fofa, assim como ela é, dizendo que aceitava participar. Foi aquela festa! Me sinto honrado e privilegiado com a gravação que fizemos. Tudo se encaixou perfeitamente. Já é um momento histórico! Tenho muito orgulho de ter a participação Rosinha. Além da faixa no disco, fizemos um clipe também. Tudo muito lindo! A ideia de ter a Rosa cantando “Carinhoso”, que para mim é a grande canção brasileira, é a coroação de um disco que enaltece a força da canção e dessas melodias que moram nos nossos corações.

5. Gravar com a Tallin Studio Orchestra foi descrito como um sonho realizado. Como foi essa experiência e qual impacto teve no resultado final do álbum?

Cainã: Foi realmente um sonho realizado. Sempre imaginei o meu violão unido a uma grande orquestra. É uma sonoridade que amo. Já tive a oportunidade de sentir essa emoção nos palcos. E é indescritível. Desta vez, foi o momento de eternizar esse momento em estúdio, para o álbum. Através do maestro brasileiro Kleber Augusto, que rege a Tallin Studio Orchestra, os convidei para três faixas. A Orquestra foi gravada em Tallin, capital da Estônia, tendo como engenheira de gravação a brilhante Kira Malevskaia. Convidei também o maestro, pianista, arranjador e compositor Tiago Costa para escrever os arranjos para a orquestra, que com toda sua sensibilidade e talento entendeu tudo e mais um pouco sobre a proposta e fez um trabalho irretocável. O impacto que isso teve no resultado final é muito mais do que eu poderia imaginar. É uma beleza exuberante!

Seu álbum valoriza tanto a sofisticação técnica quanto a canção popular. Como você equilibra esses dois elementos em sua interpretação?

Cainã: Meu álbum valoriza a canção popular. Fato! A sofisticação técnica, as rearmonizações e todos os outros detalhes técnicos são artifícios pavimentadores para que a canção se sobressaia. A luz está na canção. O violão é o instrumento que escolhi para dar voz a essas lindas melodias.

6. Pedacinhos do Céu foi a primeira música que você tocou no cavaquinho. Como foi revisitá-la agora, dentro desse projeto?

Cainã: Isso é uma maravilha! Porque veja só, eu aprendi essa música linda do Waldyr Azevedo, quando ainda era criança, no cavaquinho. São mais de 20 anos fazendo música, tinha tudo para eu estar saturado. Mas vejo que tudo depende de como a gente decide olhar para as coisas. Poder revisitar essa música hoje em dia, com meu violão e com esses anos de experiências vividas é um privilégio. Porque é sempre uma novidade! Ela sempre soa inédita pra mim. E Waldyr, compositor dessa joia, completou recentemente 100 anos. Me parece que futuro é ancestral mesmo.

7. Você incluiu Blackbird no repertório. Como foi adaptar um clássico dos Beatles para o seu estilo e para o violão solo?

Cainã: Uma alegria imensa! Blackbird em especial, a composição e a gravação original é em cima do violão. Paul gravou sozinho. Cantando, tocando violão e batendo o pé no chão com uma bota, marcando o ritmo. Vale a pena reescutar. Sempre fui apaixonado por essa canção. Trouxe ela para o meu violão com um arranjo totalmente diferente do original. Aonde modifico a tonalidade, e brinco com isso. Também tenho alguns “pontos de apoio” no arranjo, mas possibilidades infinitas para a improvisação. Esse é o barato. A gravação dela no álbum é como se fosse um retrato. Amanhã vou tocá-la novamente, e algo de novo vai surgir. Tirei uma nova foto. Isso diz muito sobre a minha ida à música e esse lugar de criatividade que a improvisação contempla, e eu amo.

8. Você mencionou que deseja criar uma conexão com quem ouvir essas melodias. Que tipo de emoção ou experiência espera despertar no público?

Cainã: Exatamente! Quero que as pessoas ouçam esse disco com o ouvido do coração mesmo. Se permitindo se emocionar. Esse é o meu desejo. Mas o que eu mais amo mesmo, é saber que quando a música sai do meu violão e alcança o público, eu não tenho autonomia nenhuma em relação a isso. Já vi gente que chorou, que sorriu, enfim… seja qual for a emoção, que venha!

9. O que mais te emociona ao ouvir Coração de Melodia pronto? Há algum momento do álbum que te toca de forma especial?

Cainã: Esse álbum é a realização de um sonho mesmo. Ele me emociona do inicio ao fim. Mas o que mais me emociona mesmo é me ver inteiro, sincero e honesto. Fazendo a música que eu amo. Sem nenhuma pressão midiática, nem nada. Pelo contrário, tive muita autonomia e força das pessoas que estão comigo nessa, incluindo a gravadora Biscoito Fino. Me emociona muito pensar na minha trajetória, ouvir esse disco e me reconhecer nele.  Tenho certeza que fizemos um trabalho belíssimo e alto nível. Tenho muito orgulho!

10. Sua relação com a música começou cedo, e sua carreira inclui prêmios e turnês internacionais. Como você vê sua evolução como artista até aqui?

Cainã: Todos os dias estou começando. É verdade! Como já disse, tenho muito orgulho da minha trajetória. Com erros e acertos, a gente vai caminhando sempre querendo acertar mais que errar, faz parte do aprendizado.  Lanço esse novo álbum, curto esse momento, mas já estou pensando nos próximos! Assim como as turnês. Já faço uma, curtindo tudo, mas pensando na próxima.  Amo esse processo de inquietude criativa. Minha cabeça sempre a mil! Me mantem vivo. É uma loucura deliciosa! 

11. Coração de Melodia marca um novo momento na sua trajetória? O que vem por aí para Cainã Cavalcante?

Cainã: Sem dúvidas! Coração de Melodia é um marco na minha carreira. Principalmente, por reafirmar a minha trajetória como um violonista, compositor e produtor cearense com mais de 20 anos de carreira como artista solo independente. O momento é de fazer e acontecer. Estamos desenvolvendo um trabalho muito bonito e forte fora do Brasil. Fomentando a cultura brasileira através da musica que a gente faz. É um orgulho danado! Além dos novos álbuns que temos de gravar e as turnês que não param. Para esse ano, quero colocar na agenda algo muito importante que é o Instituto Morador do Mato, uma Ong idealizada pelo meu pai, o artista plástico Ronaldo Cavalcante, aonde o intuito é proporcionar o acesso à cultura, de forma geral, cultura e lazer para crianças e adolescentes da comunidade da prainha do canto verde, localizada em Beberibe, no Ceará. Além de poder trazer para perto a famílias desses jovens contemplados. É o projeto de uma vida, mas aos pouquinhos e com muita fé, vamos chegando lá.