MEC restringe EaD e freia democratização do ensino

Ricardo Salvador*
João Vianney**
A educação a distância (EaD) tem se consolidado como pilar estratégico para ampliar o acesso ao Ensino Superior em diferentes partes do mundo. Porém, no Brasil, o Ministério da Educação já notificou as universidades públicas para suspenderem a oferta de Licenciaturas por EAD até o 2º semestre de 2026 e criou travas para o ensino privado em quase todos os cursos.
O mundo caminha noutra direção. Nos Estados Unidos, por exemplo, dados do National Center for Education Statistics (NCES) revelam que, em 2021, 75% dos estudantes universitários cursaram ao menos uma disciplina online. Outros 44% fizeram todo o curso de maneira remota. Em 2022, mais de 10 milhões de alunos permaneceram vinculados a pelo menos uma disciplina EaD, sendo que 26% deles estudavam exclusivamente nessa modalidade nos EUA.
Esse crescimento também é impulsionado por investimentos públicos e privados. Segundo a consultoria HolonIQ, plataforma global de inteligência em setores de impacto, como educação, saúde e sustentabilidade, o mercado global de educação online deve atingir US$ 94 bilhões até o fim de 2025. Tal avanço não se trata de improviso, mas de uma decisão consciente de governos e estudantes em apostar na tecnologia como vetor de democratização educacional.
A tendência repete-se em diversos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Um relatório de 2023 da entidade destaca que quase todos os países-membros fortaleceram plataformas digitais de ensino nos últimos anos, com suporte técnico e financeiro nacional para instituições públicas e privadas (estudo OECD Education at a Glance, 2023).
Os chamados MOOCs (Massive Open Online Courses ou Cursos Online Abertos e Massivos) permitem que qualquer pessoa, de qualquer lugar, tenha acesso gratuito ou de baixo custo a conteúdos universitários de alta qualidade, com flexibilidade e escala.
Na Coreia do Sul, onde a educação foi a grande base do desenvolvimento econômico, a digitalização do Ensino Superior é vista como ferramenta de competitividade nacional. Segundo o Ministério da Educação do país, cerca de 30% dos alunos do Ensino Médio utilizam regularmente plataformas online para estudo complementar. O mercado de educação digital sul-coreano cresceu a uma taxa de 25% ao ano na última década (Ministry of Education Korea, 2023).
Um levantamento global realizado pela Bay View Analytics em 2024 mostra que mais da metade das instituições de Ensino Superior no mundo registraram crescimento nas matrículas online acima das presenciais. Também segundo a OCDE, nos países onde a EaD é parte ativa da estratégia educacional, a proporção de adultos com Ensino Superior ultrapassa 40% da população entre 25 e 64 anos, com impacto positivo direto na empregabilidade e nos indicadores de mobilidade social (OECD Education at a Glance, 2023).
Ou seja, o mundo aposta na EaD como vetor de inclusão e desenvolvimento. O Brasil, tristemente, parece estar remando contra essa corrente. Aqui, o recente decreto presidencial nº 12.456/2025, de 19 de maio, instituiu um novo marco regulatório para a modalidade. Porém, em vez de promover a qualidade e o acesso, restringiu o modelo ao ponto de torná-lo inviável para oferta pelas universidades públicas, mais oneroso para as instituições privadas, e mais caro para milhões de estudantes, gerando exclusão, notadamente dos mais pobres.
As exigências de presencialidade mínima e obrigatoriedade em polos físicos impactam de maneira direta mais de um milhão de alunos de baixa renda, para os quais a EaD representa a única possibilidade concreta de cursar o Ensino Superior.
Diante desse cenário, Associação Brasileira dos Estudantes de Educação a Distância (ABE-EAD) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) discutindo a constitucionalidade do decreto (nota: esta ação é patrocinada pelo advogado Ricardo Luiz Salvador, que assina este artigo junto com o professor João Vianney).
É importante salientar que não somos contra a regulação. Defendemos, inclusive com base nas demandas dos próprios estudantes, critérios que garantam qualidade pedagógica e integridade acadêmica na modalidade presencial e EAD, mas, o que se viu foi um processo apressado, sem escuta ampla da sociedade, nem diálogo com as instituições que fazem a EaD no Brasil.
O decreto atropelou o princípio constitucional da autonomia universitária, ignorou a lógica pedagógica da educação a distância, pensada justamente para romper barreiras físicas e promover flexibilidade, e não considerou anos de construção técnica, pedagógica e legal do setor. Também desconsiderou um abaixo-assinado com mais de 15 mil assinaturas de lideranças do setor educacional de todo o País, entregue ao Governo Federal, que defendia o reconhecimento da EaD como política pública de inclusão.
Ainda mais grave é o fato de o decreto ter sido editado antes da conclusão dos debates do grupo técnico criado pelo próprio Ministério da Educação e sem manifestação do Conselho Nacional de Educação, responsável por validar as políticas públicas da área. Assim, é legítimo perguntar: que urgência havia para impor uma medida tão drástica, com tamanha fragilidade de escuta e de base técnica? Além dos impactos sociais massivos, a medida apresenta sérios vícios jurídicos. Fere a autonomia universitária, afronta o princípio da razoabilidade ao restringir metodologias consagradas e tenta inovar na ordem jurídica sem respaldo legal específico.
A EaD é hoje um verdadeiro vetor de inclusão e mobilidade social. Expulsar, por decreto, mais de um milhão de jovens, estudantes que encontram na flexibilidade educacional sua única porta para o futuro, é uma decisão com alto custo social. Se o mundo fortalece a educação digital, com base em dados, planejamento e compromisso com o destino das pessoas, o Brasil não pode retroceder nessa agenda. O setor de EaD exige responsabilidade técnica, respeito à ciência da educação e, sobretudo, sensibilidade com quem mais precisa. O decreto, como está, custa caro, pois expulsa alunos, fecha portas e aprofunda desigualdades. Esperamos firmemente que o STF faça valer o direito à educação, consagrado na Constituição Federal de 1988, em prol dos alunos mais pobres.
*Ricardo Luiz Salvador é advogado da Associação Brasileira dos Estudantes de Educação a Distância (ABE-EAD). É sócio-fundador do escritório Salvador Associados & Advogados e especialista em Direito Regulatório Educacional.
**João Vianney é psicólogo, jornalista e professor. É doutor em Ciências Humanas especialista em Educação a Distância (EaD) e consultor na área de ensino superior. É sócio-fundador da Hoper Consultoria e do blog do ENEM.