Entrevista: Leandro Lobo, professor

1. O que o motivou a escrever Bastidores da Ciência e qual foi o maior desafio na concepção da obra?
Eu adoro falar de ciência, essa é uma grande motivação, e ao mesmo tempo o maior desafio! Eu acredito que muitas pessoas gostam de acompanhar e falar de ciências também, é um assunto que deveria estar mais presente nas nossas conversas do dia a dia. Mas acho que não falam tanto sobre esse assunto porque tem alguma dificuldade em entender ou acompanhar o que está sendo divulgado. Fazer ciência realmente requer um alto nível de estudo e comprometimento, e isso acaba gerando entre os cientistas uma forma de se comunicar muito peculiar. Nós usamos termos técnicos nas nossas conversas, palavras que não estão no vocabulário de pessoas que não são da área. Para os cientistas isso é um facilitador, porque nos ajuda a estar por dentro do que está acontecendo. Mas para quem não está acostumado, acaba soando como uma língua estrangeira, e até mesmo criando uma divisão, como se cientistas fossem uma casta à parte da sociedade. Mas não são! Cientistas também são humanos, cometem erros, brigam, tem manias e hobbies. O livro vem mostrar esse lado da ciência e dos cientistas, o lado mais humano.
2. O livro tem uma linguagem leve e acessível. Como foi o processo de equilibrar rigor científico com entretenimento?
Esse é um dos maiores desafios em escrever sobre ciência para um publico não-especializado, e provavelmente um dos maiores motivos que afastam cientistas da divulgação científica. Cientistas são perfeccionistas, e extremamente cuidadosos com o que dizem e publicam, afinal, qualquer deslize significa passar a impressão de não dominar o conteúdo e perder credibilidade. Quando eu escrevo sobre ciência, eu preciso aceitar que muitos tópicos não serão abordados com a mesma profundidade, com a mesma riqueza de detalhes, que seriam abordados em uma revista especializada ou em uma palestra acadêmica. Mas o rigor científico, no sentido de correção, não pode ser abandonado jamais.
3. Como você escolheu as histórias que entraram no livro? Houve alguma que ficou de fora, mas você gostaria de ter incluído?
Eu tenho uma lista enorme, com dezenas de histórias que ainda serão contadas, e que não entraram nesse livro. A escolha dos temas passa por muitos filtros na minha cabeça. Se a história é interessante, a representatividade, se o tema está sendo comentado na sociedade (em redes sociais por exemplo), o meu interesse pessoal no assunto, e até mesmo se existem fontes seguras disponíveis para corroborar as histórias. Pessoalmente eu prefiro histórias inusitadas e que mostrem um lado mais humano dos cientistas.
4. Qual capítulo ou história você acha que mais surpreenderá os leitores?
Acho que vai ao “gosto do freguês”. O livro tem histórias de diversos campos da ciência, ciências da vida, física, química, sociais… cada leitor vai escolher sua história favorita de acordo com suas preferencias.
5. Muitos livros de divulgação científica focam em grandes descobertas. Por que decidiu dar destaque aos erros, acasos e situações inesperadas?
As grandes descobertas, por mais importantes que sejam, são construídas de pequenas peças que vão se juntando aos poucos. É como um grande quebra-cabeças, e cada pedaço tem seu próprio valor. Normalmente nós conhecemos as histórias das grandes descobertas, mas as pequenas peças do quebra-cabeças ficam um pouco à margem da história. Mas as histórias das peças trazem lições importantes, e nos ajudam a enxergar como as grandes descobertas são construídas.
6. Em sua opinião, por que ainda existe uma imagem tão estereotipada do cientista na sociedade?
Existe uma razão histórica para esse estereótipo, fazer ciência exige um alto grau de especialização e dedicação. Cientistas devotam muito do seu tempo, inclusive tempo pessoal, com seus trabalhos, e acabam se fechando em si mesmos e nas pessoas com quem trabalham. Muitos cientistas dedicam sua vida a responder uma única questão científica, e para isso precisam estudar assuntos muito restritos e específicos. Esses assuntos podem ser absolutamente distantes dos assuntos cotidianos da maior parte da população. E como nós sabemos, existe muita dificuldade por parte dos cientistas em comunicar a importância desses estudos à população, com uma linguagem simples e compreensível. O resultado é que as pessoas passam a enxergar os cientistas como seres exóticos.
7. Que impacto você espera que esse livro tenha sobre a percepção pública do trabalho científico?
Acredito que “aproximação” é a palavra-chave. Que esse livro sirva para aproximar as pessoas do trabalho dos cientistas, e que as ajude a perceber que a ciência é uma empreitada muito humana, e acessível a qualquer um que tenha interesse. Particularmente gostaria que o livro ajudasse a despertar o interesse dos mais jovens na carreira de cientista.
8. Você já viveu alguma situação curiosa ou erro marcante na sua própria trajetória científica que poderia estar no livro?
Sim, já cometi vários erros e passei por situações inusitadas na minha carreira, acho que seria suficiente para um outro livro! Na verdade, é importante dizer que os erros fazem parte da vida cotidiana do cientista. Os bons cientistas aprendem a lidar com os erros de maneira produtiva, é preciso abraçar os erros, se adaptar e melhorar, até que o erro se transforme em algo valioso.
9. Como os acasos e erros contribuíram para o avanço da ciência ao longo da história?
Como disse, os erros têm um valor diferente para os cientistas, e um papel importante na história da ciência. Isso pode surpreender muita gente, mas os cientistas cometem muitos erros, eles são uma parte inerente do processo científico. Felizmente, a ciência tem um mecanismo de detecção e correção de erros muito eficaz, a revisão por pares. Todos os resultados científicos que eu publico, por exemplo, são lidos por cientistas no mundo inteiro. Esses cientistas irão debater, questionar e as vezes até repetir meus experimentos para chegar às suas próprias conclusões. Esse processo todo vai revelar possíveis erros na minha pesquisa.
10.Que papel a humildade tem na prática científica, especialmente quando lidamos com equívocos?
Cometer um erro pode ser um grande baque para o ego de um cientista. Mas nós sabemos que os erros acontecem, e o mais importante desse processo é entender que esses erros podem levar a novas perguntas que levam a compreensão mais profunda do problema estudado.
11.Você menciona a dificuldade de cientistas em adaptar a linguagem acadêmica. O que pode ser feito para melhorar isso na formação dos pesquisadores?
Essa é uma excelente pergunta. Os cursos de pós-graduação no Brasil não costumam ter, em suas grades, disciplinas voltadas para a comunicação científica. Aumentar a disponibilidade dessas disciplinas seria essencial. Outro ponto importante é que a maioria das iniciativas de divulgação científica feitas por aqui vem de professores universitários ou cientistas que fazem por pura vocação, pelo desejo de comunicar ciência, sem nenhum bônus ou reconhecimento da comunidade científica ou das agências de fomento. Pelo contrário, muitos acabam vistos como cientistas menos comprometidos, porque “perdem” seu tempo, que já é escasso, com divulgação científica. É preciso mudar essa mentalidade, e pensar em maneiras de recompensar quem faz divulgação científica.
12.O que o público pode esperar do lançamento na Livraria Janela?
Uma noite animada, com muito bate papo sobre ciência e divulgação científica!
13.Já há planos para uma continuação ou outros projetos na mesma linha?
Sem dúvida! Eu espero continuar contando histórias dos bastidores da ciência por muito tempo, afinal minha lista de tópicos ainda é enorme, e não para de crescer. Na verdade eu gostaria de receber mais dúvidas e questões de leitores, gostaria de saber quais histórias as pessoas querem que sejam contadas.
14.Por fim, que mensagem você gostaria de deixar para leitores que se interessam por ciência, mas acham o tema “difícil demais”?
Uma superdica é a revista Ciência Hoje, a revista Ciência Hoje das Crianças e as publicações do Instituto Ciência Hoje. A revista Ciência Hoje é a primeira revista dedicada a divulgação científica do Brasil, feita por cientistas no início da década de 80, e até hoje mantem sua essência: matérias escritas diretamente por cientistas, mas sempre contando com o apoio de um corpo editorial formado por jornalistas.
E também existem muitas iniciativas de divulgação de ciência de alto nível por aí. Além de livros e revistas, existem podcasts e páginas de divulgação científica em redes sociais que são muito acessíveis.