Entrevista: Vivan Ritter,  especialista em neurociência

Entrevista: Vivan Ritter,  especialista em neurociência

O título do livro traz a provocação “Assuma o (des)controle da sua vida”. O que significa, na prática, assumir o descontrole?

Ter consciência de que não controlamos tudo. Em uma simples conversa entre duas pessoas, por exemplo, eu não controlo a resposta do outro. Assumir esse descontrole é reconhecer que a vida sempre nos coloca diante de situações que não seguem exatamente o roteiro que planejamos. Quando entendemos isso, em vez de resistir, passamos a buscar estratégias e ferramentas para lidar melhor com o que foge do nosso alcance.

No livro, você afirma que o controle absoluto é uma ilusão. Por que ainda assim buscamos tanto controlar tudo?

De fato, não temos controle nem sobre o nosso tempo de vida. Mas as características do mundo atual, especialmente do ambiente digital, intensificaram a sensação de que podemos controlar tudo. O controle nos dá segurança, e segurança é a preferência natural do nosso cérebro. No espaço digital, sentimos isso com ainda mais força, porque ali podemos silenciar, bloquear, restringir ou excluir aquilo que nos incomoda. O problema aparece quando voltamos para a vida real e percebemos que nada disso funciona aqui. Não temos esse tipo de recurso diante das pessoas e das situações e é nesse choque que surgem, para muitos, a frustração e o sofrimento.

Como a neurociência pode ajudar a lidar com situações que simplesmente não estão em nossas mãos?

A neurociência mostra que o cérebro reage ao imprevisto como se fosse uma ameaça. Quando algo foge do nosso controle, ele aciona automaticamente sinais de alerta, ativando até mesmo os mecanismos de luta, fuga ou paralisia. É por isso que ambientes de maior certeza parecem tão confortáveis para nós. Mas a vida, por natureza, é imprevisível. E nesse ponto entra a importância do conhecimento que apresento no livro, afinal entender como o cérebro funciona e aprender estratégias que nos ajudem a lidar com essa imprevisibilidade, em vez de lutar contra ela.

Quais são os impactos de tentar controlar o incontrolável na saúde mental e no desempenho profissional?

Tentar controlar o incontrolável gera um enorme desgaste, além da frustração da nossa incapacidade. Nessas tentativas há um gasto de energia somado à liberação de hormônios como cortisol e adrenalina que podem prejudicar diretamente a saúde mental e, como consequência, afetar o desempenho profissional. Compreender que as emoções estão no centro da nossa reatividade corporal é essencial e esse entendimento deveria nos motivar a desenvolver inteligência emocional, para aprender a gerenciar melhor as situações que fogem do esperado.

A obra propõe reflexões que vão de “Razão ou emoção?” a “As pessoas mudam?”. Qual dessas questões você considera mais desafiadora hoje?

“As pessoas mudam?” é, sem dúvida, a questão mais desafiadora, porque envolve expectativas sobre nós mesmos e sobre os outros. A boa notícia é que a ciência já mostrou que temos condições neurais de mudar. A grande pergunta, então, não é se podemos, mas se realmente queremos mudar.

O livro une filosofia, neurociência e experiência prática. Como foi o processo de integrar essas três áreas na escrita?

A grade maioria das áreas de estudo iniciam pela filosofia. O curso de Direito, iniciará falando sobre filosofia, a Medicina também iniciará trazendo os estudos de Hipócrates e assim acontece com tantas outras áreas. A escolha pela filosofia, desde a graduação até ao Pós- Doutorado foi movida por essa inquietação que sempre me guiou em busca de compreender melhor o comportamento humano e suas motivações. Depois da profundidade que a Filosofia permite, fui buscar o que a ciência tem para oferecer e me especializei em Neurociência, Comportamento e Desempenho. A prática adquirida nesses 20 anos desenvolvendo pessoas e organizações fez com que eu conectasse ao cotidiano real das pessoas. A minha proposta foi trazer aplicabilidade prática para temas que nos deparamos diariamente. Inclusive tem um capítulo intitulado: Briguei! E agora? Diferente do meu primeiro livro, eu trouxe um guia prático para uso imediato nas situações do cotidiano. 

Em sua visão, o que diferencia uma pessoa que sofre com imprevistos de outra que consegue atravessá-los com leveza?

A forma como cada uma interpreta o acontecimento e o tempo que leva para elaborar e passar para frente, faz toda a diferença. É o que entendo como sendo uma habilidade de agilidade emocional, ou seja, quanto tempo eu levo para virar a chave de uma emoção negativa para uma emoção positiva. Todos nós conhecemos pessoas que demoram muito em um problema, ficam remoendo por meses algo que não conseguiram elaborar bem e isso, sem dúvida, prejudicas as relações e a qualidade da vida. Quem entende que não precisa controlar tudo tende a ser mais flexível, e essa flexibilidade gera leveza para a vida e para as relações.  Já quem acredita que tudo deveria estar sob controle sofre mais e faz os outros sofrerem. 

Muitas vezes, é difícil aceitar o fim de um relacionamento ou uma mudança brusca na carreira. Que práticas você sugere para viver melhor esses momentos?

Toda mudança brusca, seja no trabalho ou na vida pessoal, é um desafio para o nosso cérebro. Ele não reage bem ao inesperado, por isso esses momentos tendem a ser vividos quase como um processo de luto. O fim de um relacionamento ou uma mudança repentina de carreira exigem elaboração emocional. Não é saudável esperar que, logo em seguida, estejamos imersos em alegria. É natural sentir tristeza, frustração e até desorientação.

O que ajuda é buscar recursos: criar novas conexões, investir em atividades diferentes, fortalecer vínculos com a rede de apoio, buscar conhecimento e, se necessário, pedir ajuda profissional. Acima de tudo, compreender e gerenciar as próprias emoções, sem tentar apressar o processo. É isso que nos permite atravessar esses períodos com mais saúde e resiliência. 

O subtítulo fala em “arte de viver bem o que não se domina”. Essa habilidade pode ser aprendida e treinada?

Exatamente esse é o propósito do livro: mostrar que é possível aprender a viver bem o que não se domina. Essa habilidade pode, sim, ser desenvolvida. Quando oferecemos conhecimento, novas perspectivas e ferramentas, ajudamos as pessoas a enxergar de outra forma as situações que fogem ao controle. Para mim, o conhecimento é o caminho mais seguro para aprender sobre a vida e, principalmente, para vivê-la de uma maneira melhor.

Você menciona que “a vida não tem todo esse tempo para esperar que coloquemos vida no nosso tempo”. Como transformar essa frase em ação no dia a dia?

Essa frase é um lembrete de que a vida é imprevisível. Não sabemos quanto tempo temos, por isso precisamos colocar vitalidade, entusiasmo e alegria no presente. O primeiro passo é identificar o que nos traz bem-estar e, depois, inserir isso de forma intencional no dia a dia. Pode ser uma ligação para um amigo, uma caminhada, brincar com o cachorro ou qualquer atividade que gere prazer. O importante é transformar isso em prática concreta. E não precisa ser algo grandioso: trinta minutos por dia dedicados ao que nos faz bem já mudam completamente a forma como vivemos.

O livro também fala sobre relacionamentos e comunicação, como em “Eu falo, mas não me entendem”. Quais os principais erros que cometemos ao nos relacionar?

Um dos maiores erros é acreditar que comunicação se resume a falar. Comunicar envolve muito mais: linguagem não verbal, escuta atenta e real interesse pelo que o outro está dizendo. Muitas vezes, ouvimos já pensando na resposta — e com isso perdemos a oportunidade de compreender de verdade a mensagem. Escutar bem não só fortalece os vínculos, como também nos permite responder de forma mais consciente e estratégica. 

Depois de mais de 22 anos atuando no desenvolvimento humano, o que mais mudou na forma como as pessoas lidam com seus próprios limites?

Hoje percebo uma abertura muito maior para reconhecer os próprios limites. Isso já é uma grande mudança. Antes havia mais resistência, como se admitir fragilidades fosse sinal de fraqueza. Agora, as pessoas não apenas reconhecem seus limites, mas também buscam alternativas, ferramentas e conhecimento para ampliar sua capacidade de lidar com os desafios da vida.

marramaqueadmin