1. Como a paisagem e o ambiente de Aracati influenciaram diretamente as composições do álbum?
A nossa inspiração neste disco veio do fato de estarmos ali, na praia de Aracati. Fomos para uma casa e lá montamos um pequeno estúdio: levamos violoncelo, piano elétrico, computador e os microfones. Então, a gente tomava banho de mar, voltava para o estúdio; depois andava de cavalo, descansava um pouco. O processo foi assim, muito natural, durante uma semana. O disco é a trilha sonora dessa nossa vivência: tudo foi em função daquele lugar, da areia, dos peixes, da brisa do mar, das falésias, da natureza ao nosso redor.
2. O fato de terem gravado em um estúdio improvisado impactou a sonoridade ou trouxe uma atmosfera diferente ao projeto?
No período em que ficamos em Aracati, o estúdio nos serviu de base para criarmos canções, arranjos, para experimentações, mas o disco foi todo gravado de fato no Jasmim, o meu estúdio em Fortaleza. Foi uma semana na praia e uma semana no estúdio. Mas como o Jasmin fica na minha casa, gravá-lo também foi fruto de muita cumplicidade, muita amizade, muita inspiração.
3. A história por trás de “Milagres” é curiosa e envolvente. Como essa experiência contribuiu para a conexão emocional com a faixa?
Milagres aconteceu porque fomos tomar um banho de mar, no final da tarde, e o Jaques deixou o celular e os óculos em cima de uma pedra. Ficamos batendo papo e de repente ele olhou para trás e viu que o mar tinha levado tudo, porque a maré encheu. Foi aquele sufoco, quando eu chamei um pescador de lá que é nosso amigo, o Seu Lucinho, e ele rapidamente foi para o mar, mergulhou e encontrou os óculos e o celular do Jaques. Foi um milagre recuperar tudo isso, por isso a gente batizou essa música em homenagem ao Seu Lucinho.
4. Como foi o processo de parceria entre vocês dois, sendo ambos músicos e arranjadores de forte identidade artística?
O processo de composição da parceria foi muito natural. Primeiro porque já tínhamos trabalhado juntos, algumas vezes. Gravamos com Gilberto Gil e Delia Fischer, depois fizemos um single juntos, “O Meio do Mundo”, música que escrevi e convidei o Jaques para fazer uma colaboração. Ele também participou do álbum “Donato”, que gravei com Leila Pinheiro, em homenagem a João Donato. Jaques é um músico incrível, com uma bagagem muito grande como compositor, arranjador, instrumentista, então tudo fluiu muito fácil. A nossa musicalidade foi nascendo naturalmente, você nem precisa racionalizar muito. É um processo de retroalimentação: você toca e a pessoa lhe escuta, e vice-versa. O que você está tocando influencia o outro, é um processo de troca constante.
5. O que motivou a escolha de gravar e produzir o álbum no Jasmin Studio, em Fortaleza?
O Jasmin é onde eu produzo e gravo todos os discos que venho lançando pela gravadora Jasmin Music. O processo do selo começou com o estúdio, na verdade, que hoje é um dos mais importantes da América Latina, porque traz muita tecnologia embarcada, Dolby Atmos (que é o áudio imersivo), som em 3D. No processo de construção do estúdio me veio a ideia do selo, para que eu possa gravar os meus discos, os trabalhos com outros artistas, e exercer o ofício de produtor, músico e compositor de uma forma mais intensa. Onde eu possa mergulhar no processo de gravação, que é uma coisa que eu gosto muito.
6. Há planos para uma turnê ou apresentações ao vivo de Aracati? Como imaginam essa experiência para o público?
Temos muita vontade de apresentar esse disco. Nossas agendas estão sempre cheias, tenho vários projetos ara serem gravados e lançados pelo selo Jasmin em 2025, mas é um desejo nosso.
7. Vocês mencionaram uma conexão espiritual com a música “Fogueira”, inspirada em Egberto Gismonti. Como foi esse momento de criação?
Costumamos fazer uma grande fogueira à noite, em Aracati. A gente acende e fica contemplando, na beira do mar. A gente observava e tocava um pouco, e nos lembramos muito do Egberto. O Jaques tocou muito tempo com o ele e eu também desenvolvi uma relação de amizade com o Egberto. Quisemos passear pelo universo musical do Gismonti, pessoa pela qual a gente tem muito carinho e amizade, e achamos que aquele clima da fogueira tinha muito a ver com a música dele. Com o pensamento dele, com as coisas que o Egberto fala e defende.
8. O álbum conta com outras colaborações, como a faixa cantada “Quando a Noite Vem”. Como vocês escolheram incluir essa única canção vocal?
Quando a Noite Vem é uma música que eu escrevi com o Juliano Edson. A música estava quase pronta, eu mexi um pouco na letra para gravar. O Jaques gostou da música e ter uma canção cantada também é bom, traz um contraste para o disco, que é todo instrumental. Jaques sugeriu que a gente fizesse um arranjo minimalista, com poucos instrumentos, e ficou bem leve, bem suave, virou um bolero.
9. Vocês já haviam trabalhado juntos em outros projetos. Como essa experiência anterior influenciou o processo criativo de Aracati?
Quando você toca com outra pessoa, você cria vínculos que vão além do racional. Então, eu acho que foi muito por aí. Passa muito por esse lado pessoal, de ter uma relação com a pessoa e conversar, debater sobre música, mas também sobre coisas da vida.
10. Quais referências e estilos musicais vocês exploraram no álbum, além do baião mencionado em “Fogueira”?
As referências que a gente usou estão muito relacionadas com o lugar, com Aracati, mas nada foi premeditado, tudo surgiu muito naturalmente. Quando você está numa praia daquela, com aquele visual e tudo mais, tudo te inspira. Como nós somos apaixonados pela música brasileira, há muitos ritmos brasileiros e uma pegada nordestina no trabalho. Ouvindo o disco, e a gente percebe que ele tem uma unidade muito grande, porque além do piano e do violoncelo, tem sintetizadores, percussão. Tem baião, um forrozinho (Fogueira), baladas, música nordestina, mas também tem bossa nova. A música brasileira na sua essência, local e regional, que acaba sendo internacional, porque quanto mais brasileiro a gente é, quanto mais a gente canta na nossa aldeia, mais internacional nos tornamos. Acho que a história do disco é essa.
11. Que mensagem ou sensação vocês esperam que o álbum desperte nos ouvintes?
Bem, a gente quis passar primeiro uma sensação de felicidade. Criamos esse álbum como fruto de uma experiência de vivência. Ele tem um lado pessoal, da relação de amizade entre mim e o Jaques, também por já termos trabalhado algumas vezes. Quisemos passar essa sensação de que o álbum foi inspirado na praia de Aracati, e a gente acha que a música, se vocês tiverem a oportunidade de ouvir o disco, passa a nossa impressão daquele lugar.