Entrevista: Gustavo Vaz, compositor e violonista

1) O título do álbum Íntimo sugere um mergulho profundo em sua própria vivência. Como surgiu esse conceito e em que medida ele dialoga com a sua trajetória pessoal?
R: O nome Íntimo surgiu por acaso. Quando comecei a produzir o álbum e separar as músicas que eu gostaria de trabalhar, sempre que ia explicar para algum músico, produtor ou quem fosse fazer a mixagem, eu dizia: “é um álbum íntimo”. É um trabalho com violão e voz em destaque, com o violão comandando junto com a voz, para ancorar a canção.
São músicas que nasceram de momentos muito pessoais, então o nome acabou surgindo naturalmente e tem tudo a ver com esse período. Quando percebi que as faixas tinham uma ligação entre si, entendi que todas foram compostas entre 2021 e 2024, e que carregavam essa característica mais confessional. Por isso, o nome Íntimo fez todo sentido.
2) O processo criativo das sete canções foi descrito como um movimento de observação, afeto e introspecção. Quais foram os momentos mais transformadores nessa jornada?
R: Eu fiz esse álbum no meio de uma grande bagunça na minha vida. Saí de um trabalho que achei que seria o trabalho da minha vida, terminei um relacionamento longo, de cinco anos, e mudei de cidade.
Essas músicas nasceram dessas situações ou foram construídas nelas, e por isso o álbum é tão íntimo, tão ligado ao afeto e à introspecção. Foi um período desafiador, e isso se reflete nas faixas, inclusive no arco que termina em Primeiro Mar, música que compus já morando em São Paulo, depois da mudança de Belo Horizonte.
3) Em Sinais, você fala sobre a importância de perceber gestos sutis no amor. Como essa canção traduz o espírito do álbum como um todo?
R: Essa música é muito interessante porque surgiu em três fases. Fiz uma primeira parte, deixei de lado; depois uma segunda, e também deixei de lado. Quando fui selecionar as faixas do álbum, revisitei Sinais e percebi que gostava de algumas frases. Resolvi então criar uma terceira parte para amarrar a composição.
Ela traz muito essa ideia dos sentidos: “a saudade de um olhar que não terminou”, “o teu cheiro”, “o teu riso”, “a voz de Deus na criação”, imagens ligadas à percepção, ao toque, ao olfato. Falo também das tatuagens “constelações no meu peito, libélula, medusas, teu corpo desenha”, o corpo como mapa afetivo.
Acho que ela traduz perfeitamente o espírito do álbum: o amor num lugar encantado, sensível, cheio de sutilezas. Por isso considero Sinais o single que melhor representa Íntimo.
4) Primeiro Mar é uma homenagem afetiva à sua mãe. Como foi essa relação durante o processo da canção?
R: Foi um momento muito bonito. Eu tinha acabado de receber a última mixagem do álbum e sentei com minha família para mostrar as músicas. Minha mãe não sabia que havia uma canção dedicada a ela e se emocionou muito.
Ela acabou elegendo Primeiro Mar como sua favorita e vive mostrando para as pessoas. Eu a compus já em São Paulo, num momento de saudade de casa e da família. Ver a reação dela foi emocionante, um dos momentos mais especiais desse projeto.
5) A sonoridade do álbum percorre caminhos da MPB e do samba de roda. Como você equilibrou essas influências na construção da identidade sonora do trabalho?
R: Eu sou violonista e formado em violão pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sempre gostei de tocar música brasileira em sua diversidade. Por isso, esses ritmos surgem naturalmente nas minhas composições.
A dificuldade foi equilibrar tudo isso dentro da produção de um álbum. Convidei então o produtor Rafael Martini, que foi meu professor de arranjo na Federal. Expliquei pra ele: “Quero arranjos bonitos, mas não quero que soe como música instrumental, nem música só pra músicos.”
Ele entendeu perfeitamente e me ajudou a construir esse equilíbrio de modo que Sete Passos, um samba de roda, pudesse coexistir com Desconhecer, que tem uma influência mais latina.
Os arranjos fizeram essa costura entre os estilos. Acho que essa naturalidade vem também de ter estudado por tantos anos as formas de tocar diferentes gêneros musicais.
6) Você é bastante reconhecido nas redes. De que forma esse diálogo com o público influenciou a criação do disco?
R: Foi muito legal, porque eu já falo de música brasileira há bastante tempo de artistas que, inclusive, influenciaram esse trabalho.
A levada rítmica de Sete Passos, por exemplo, tem a ver com Expresso 2222, do Gil. O piano que pensei para Grande Amor dialoga com o Tom Jobim.
Então, o que eu falava nas minhas redes também estava presente nas minhas músicas. Foi interessante perceber esse diálogo se retroalimentando.
Ver tanta gente interessada em música brasileira me deu força e energia pra produzir esse trabalho e acreditar nele.
7) O álbum foi produzido por Rafael, mixado por Léo, e conta com o violonista Gustavo Fofão. Como foi essa parceria e o que ela trouxe para o resultado final?
R: Eu, o Léo e o Rafa formamos um trio muito afinado. O Rafa foi o primeiro que chamei. Ele sugeriu trazer outro violonista, o Gustavo Fofão um músico reconhecido mundialmente para enriquecer ainda mais o som do álbum, já que o violão é o elemento central.
O Rafa escreveu os arranjos de cordas e flautas, tocou pianos e teclas, e foi fundamental para me ajudar a entender como seriam essas músicas que nasceram sozinhas, voz e violão, dentro do meu quarto, com arranjos e camadas.
Ele foi genial, não só musicalmente, mas também como pessoa, me apoiando durante todo o processo.
O Léo Marques, por sua vez, completou o trio. Ele captou exatamente o que queríamos e transformou o trabalho em um produto final coeso, cuidando da mixagem e masterização. O estúdio dele é um verdadeiro paraíso, cheio de instrumentos e possibilidades.
Essa equipe funcionou de forma muito fluida, tudo muito azeitado. Foi uma parceria essencial para o resultado final de Íntimo.
8) Qual dessas polaridades. perdas ou reencontros, mais te move como compositor?
R: Esse é um álbum muito apaixonado. Ele fala do amor de formas diferentes.
Em “Todas as Vezes que Você Voltar”, por exemplo, eu estava extremamente apaixonado. Era o fim da pandemia, e eu e minha companheira tínhamos passado praticamente dois anos confinados, só nós dois em casa. Quando ela começou a sair para trabalhar, comecei a sentir falta daquela presença constante. A música fala sobre essa saudade de alguém que ainda está aqui e sobre esse amor bonito, cotidiano.
Já “Desconhecer” fala sobre o desencontro, o medo do fim, e o que acontece quando um amor termina.
Acho que os dois movimentos me tocam muito. “Todas as Vezes que Você Voltar”, se aproxima de “Sinais”, que também trata o amor nesse lugar mais encantado; enquanto “Desconhecer” está mais perto de “Grande Amor e Pedido pra Depois”, que falam sobre o amor transformado, que virou outra coisa.
Talvez isso, o que vem depois do fim, seja o que mais me move como compositor.
9) Como foi pensar os arranjos para valorizar tanto a poesia das letras quanto a riqueza instrumental?
R: Foi muito especial, porque como violonista, eu já tinha uma ideia do que queria dos violões. Mas trazer outros músicos, como o Gustavo Fofão, foi essencial.
O Fofão vem de uma escola diferente da minha, enquanto eu venho do violão brasileiro, ele traz influências norte-americanas e europeias. Isso adicionou camadas sonoras que eu talvez não imaginasse sozinho.
Em “Desconhecer”, ainda tem um terceiro violonista, o Ian Cambuyt, que vem do gypsy jazz, da escola manouche, o violão cigano, uma linguagem completamente distinta.
Essas camadas foram construídas juntas, sempre tendo o meu violão como referência do caminho que queríamos seguir.
Pensar nesses arranjos foi um prazer imenso, porque o violão é, de fato, a minha grande paixão.
10) Você é músico, ator, influenciador digital e comunicador. Como essas frentes se entrelaçam e enriquecem seu trabalho autoral?
R: O teatro me salvou.
Eu já era músico, instrumentista, compositor e violonista quando comecei a estudar teatro, mas esses cinco anos de formação foram fundamentais para aprender a me comunicar melhor, a me expressar com mais verdade.
O teatro me trouxe também um repertório literário riquíssimo, que influenciou diretamente minha escrita, minhas composições e até a forma como me comunico nas redes.
Se não fosse o teatro, eu seria um músico incompleto e certamente não teria desenvolvido esse lado comunicador. Ele é o fio que costura todas essas frentes. Por isso, é tão importante na minha trajetória.
11) O lançamento marca um novo momento da sua carreira solo. Quais são os próximos passos após esse álbum? Já pensa em levar Íntimo para os palcos em uma turnê?
R: Sim! Ainda neste ano quero fazer os primeiros shows de estreia do Íntimo.
Serão apresentações em trio, eu, o Gustavo Fofão nos violões e o Brandu, que é um baita músico e vai tocar piano, sanfona e flautas.
Estou com uma expectativa enorme, porque no ao vivo o álbum vai ganhar uma nova roupagem, tão bonita quanto e quero também trazer um pouco do que aprendi no teatro, poesia, dramaturgia e outros elementos cênicos.
Depois disso, no ano que vem, já começo a pensar nos próximos lançamentos. Mas quero ainda viver bastante esse álbum, trabalhá-lo com calma, como ele merece.
12) Para finalizar, se pudesse resumir o álbum em uma única palavra, além do título, qual seria e por quê?
R: Seria sensível.
Acho que ele retrata uma parte muito sensível da minha vida. Foi um momento em que eu quis jogar luz sobre esse lado mais delicado, que por muito tempo tentei esconder.
E acredito que ele pode tocar também esse lado sensível das pessoas, se elas estiverem abertas para sentir.