Preservação da história da música brasileira: Paula Sanches lança seu primeiro disco

“A hora e a vez do samba de Paula Sanches” traz regravações de sete faixas de grandes nomes do samba, além de duas inéditas, sendo uma de Miriam Batucada
A Era de Ouro das cantoras do rádio e um trabalho dedicado de preservação da história da música brasileira dão vida ao primeiro disco de Paula Sanches, “A hora e a vez do samba de Paula Sanches”, concebido através de mais de 320 apoios em um financiamento coletivo realizado no último ano. São nove faixas, das quais sete representam regravações de grandes nomes do samba – algumas com intervalo de mais de 80 anos da gravação original –, e ainda duas inéditas, uma delas de Miriam Batucada.
Através de clássicos que se eternizaram na voz de intérpretes como Isaurinha Garcia, Marilu, Carmen Miranda, Elizeth Cardoso, Paula Sanches viaja entre samba sincopado, samba de breque, muito samba-choro, além do samba canção. O novo trabalho gravado à moda antiga, com todos os instrumentos juntos, exigiu uma pré-produção minuciosa e condecora caminhos do samba pouco conhecidos do atual público, preservando a memória de uma linguagem que continua com força artística e documental.
Apesar de ser seu primeiro álbum de estúdio, Paula tem mais de duas décadas de experiência, formadas nas rodas de samba da Bohemia paulistana e com um currículo extenso. Considerada uma das mais talentosas intérpretes de sua geração, ela já atuou como solista ou junto a artistas como Cristina Buarque, Wilson Moreira, Dona Ivone Lara, Nelson Sargento, Monarco, Paulo Vanzolini, Nelson Rufino, Edil Pacheco, Riachão, entre outros. Um dos destaques de sua longa carreira é o Samba das Flores, projeto que lidera ao lado de duas outras grandes vozes, Mariana Furquim, Flora Poppovic e que já tem 13 anos de estrada, encarando de frente a afirmação de que o samba é um dos redutos mais machistas da música brasileira.
“O samba, pra mim, é minha ferramenta de luta no mundo. É o que transforma a nossa dura realidade em magia e esperança. É a minha base, minha formação de caráter e princípios. Vem dos nossos ancestrais e exalta o que temos de mais lindo e poderoso. Vejo o samba como base de educação e amor pela nossa história”, conta Paula.
“A hora e a vez do samba de Paula Sanches” nasceu sob a direção musical de Edmilson Capelupi e com a companhia de um conjunto regional formado por Carlos Moura, Gustavo Cândido, Maik Oliveira, Cleber Silveira, Pedro Pita e Cacá Sorriso. O disco promove uma verdadeira viagem pelo tempo e pela história do samba, contada através de faixas e de um conhecimento tão profundo que encanta e surpreende.
“Projeto de Samba” foi a escolhida para abrir o álbum. A faixa considerada um “lado B” da vasta e genial obra de José Gonçalves, mais conhecido nas rodas de malandro como Zé da Zilda ou Zé com Fome, é um típico samba sincopado “do asfalto”, território que o sambista, morador do Morro da Mangueira, frequentava com desenvoltura. Parceria com José Thadeu, a composição havia sido gravada uma única vez, em 1941, por Marilu, com acompanhamento de Garoto e Seus Garotos. “Maria Perigosa” aparece em seguida e é o samba-choro de Ary Monteiro e José Maria de Souza, gravado pela primeira e única vez há 80 anos em um dos preciosos registros legados à posteridade por Marilu.
Paula Sanches, que confessa não ser grande fã de releituras, manteve o arranjo original “Bambo de bambu”, assim como fez com boa parte das regravações. A típica embolada “trava-línguas”, cuja gravação mais antiga é datada de quase um século teve sua beleza original protegida e mantida. “Achamos [seu arranjo] uma beleza infinita. Escolhemos também seguir aquilo que compositores queriam dizer e manter o propósito”.
“Fui procurar um psicanalista” é uma das inéditas do trabalho, um samba de breque de autoria da cantora e compositora paulistana Maria Ângela Lavecchia, a Miriam Batucada. “Eu gostaria muito de ter uma compositora como ela no disco. Achei esse samba numa busca do YouTube”, conta Paula. “Ela era uma mulher muito à frente do seu tempo, muito protagonista da sua história. Nessas pesquisas, eu descobri que essa música ainda não havia sido gravada”, completa.
A faixa que segue a relíquia encontrada por Paula é “Escudeiro da Nação”, a segunda inédita do disco, criada sob encomenda para Paula Sanches gravar. De autoria dos irmãos Cadu Ribeiro e Gregory Andreas, grandes amigos da cantora e talentosos representantes da nova geração de compositores paulistas, a música encerra em si a ideia de que “todo o tempo é o tempo do samba e das coisas que a gente acredita”, argumentando que a composição é, ao mesmo tempo, atual e atemporal.
O samba-choro “História difícil”, de Pereira Costa e Victor Santos, teve sua primeira gravação em 1945 pela cantora potiguar Ademilde Fonseca, acompanhada por Garoto e o conjunto Bossa Clube e chama atenção por ser daqueles considerados para “derrubar” instrumentistas e intérpretes pela alta velocidade no andamento e por ser repleto de palavras pouco utilizadas na linguagem coloquial.
A cantora foi batizada por Benedito Lacerda como “A Rainha do Chorinho” e fez jus, ao longo de sua carreira, a tal distinção, sendo a principal responsável do chamado “choro cantado” na música popular brasileira.
Já o samba-canção “Melancolia” foi gravado originalmente por Carmen Costa, em 1963, e posteriormente ganhou uma série de registros ao longo da década de 60, incluindo uma célebre gravação de Elizeth Cardoso, na qual ela esteve acompanhada pelo Regional do Caçulinha. Tal gravação, em que a sonoridade do acordeon é colocada em primeiro plano, serviu de base para o arranjo criado por Cleber Silveira para este disco, evidenciando o papel do instrumento na formação dos conjuntos regionais.
De todas as intérpretes que inspiraram Paula Sanches, nenhuma teve maior influência em sua trajetória artística do que Isaurinha Garcia. Dentre tantos sambas imortalizados na voz da cantora paulistana que compõem seu repertório, há um, em especial, que não poderia estar de fora deste álbum: “Adivinhe coração”, de Custódio Mesquita e Evaldo Ruy. A gravação original, realizada em dezembro de 1943, traz Isaurinha em ótima forma, acompanhada por Benedito Lacerda e Seu Conjunto.
O trabalho dedicado é finalizado com “Gente Bamba”, um samba malandreado de Synval Silva, repleto de breques e trechos de síncope acentuada, que tão bem se encaixava no repertório de Carmen Miranda. Grande amiga do sambista mineiro de Juiz de Fora, “A Pequena Notável”, além de gravar este samba em 1937, acompanhada por Benedito Lacerda e Seu Conjunto Regional, registrou, ainda, outras composições de Synval Silva que lograram enorme sucesso, como “Coração”, “Adeus batucada” e “Ao voltar do samba”.
Agora, Paula Sanches se prepara para iniciar o ano de 2023 no palco do Sesc Pompéia, em São Paulo, com o show de lançamento de “A hora e a vez do samba de Paula Sanches”, ao lado do conjunto com o qual atua desde 2018. O show conta com as participações especiais de Cadu Ribeiro e Gregory Andreas e direção musical de Edmilson Capelupi.
Serviços
Paula Sanches lança “A hora e a vez do samba de Paula Sanches” no teatro do Sesc Pompeia
Data: 09 de fevereiro de 2023, quinta-feira
Horário: 21 horas
Ingressos: 31/01 (internet) e 01/02 nas bilheterias do Sesc.
Compre aqui: https://www.sescsp.org.br/programacao/paula-sanches-3/
Endereço: Sesc Pompeia – R. Clélia, 93 – Água Branca, São Paulo – SP, 05042-000
Ficha técnica
Direção musical: Edmilson Capelupi
Produção musical e direção de estúdio:Gustavo Cândido
Gravado no Estúdio 185 Apodi, em São Paulo (SP), nos dias 29, 30 e 31 de agosto, 1º e 14 de setembro de 2022.
Engenheiro de gravação: Gustavo Cândido
Assistente de gravação: Gustavo Trivela do Vale (Estúdio 185 Apodi)
Mixado por Gustavo Cândido, no ADS Hi- Fidelity Audio, em outubro de 2022
Sala de mixagem: Monitor de referência Dynaudio Contour S3.4, Conversores Merging Technologies HAPI MKII e Cabos Van Den Hul
Masterizado por Homero Lotito, no Reference Mastering Studio
Projeto gráfico: Sidney Francisco de Oliveira
Fotógrafas da capa e do encarte: Mery Esposi
Notas e revisão de texto: André Carvalho
MÚSICOS (REGIONAL):
Carlos Moura: violão 7 cordas
Edmilson Capelupi: violão 7 cordas
Gustavo Cândido: cavaquinho
Maik Oliveira: bandolim
Cleber Silveira: acordeon
Pedro Pita: pandeiro e ritmo
Cacá Sorriso: surdo e ritmo
Sobre Paula Sanches
Paula Sanches iniciou sua carreira como cantora há 22 anos e segue a linha de cantoras como Isaurinha Garcia, Aracy de Almeida, Linda Batista, Aurora e Carmem Miranda. Desde 2018, acompanhada por seu conjunto regional, interpreta sambas-choros, sambas de breque, sambas sincopados com seu estilo único e seu sotaque paulistano característico.
Respeitando a instrumentação e sonoridade dos antigos conjuntos regionais, acaba de lançar seu primeiro disco, tendo como foco o estudo e preservação da linguagem. No repertório, canções que marcaram sua trajetória até o momento e que mostram toda sua influência e inspiração nas décadas passadas que nos convida, com poesia, à reflexão, interpretação e olhar atento por se mostrarem tão atuais.
Seu trabalho foi reconhecido com oportunidades marcantes para uma intérprete e artista, o programa Sr. Brasil, na Tv Cultura, apresentado pelo incomparável Rolando Boldrin, em que participou em 2019; indicação ao PPM (Prêmio Profissionais da Música) nas categorias “Melhor Cantora de Samba e Choro”, nos anos de 2016 e 2019; além de convite do Sesc Pompeia para a, gravação do programa “Samba Imenso” em homenagem à cantora Aracy de Almeida.