1. O título “ESSE É MEU ÚLTIMO DISCO” é claramente um clickbait. Você acha que as redes sociais nos condicionaram a prestar mais atenção a esse tipo de estratégia? Já recebeu mensagens de fãs achando que realmente era sua despedida da música?
Com certeza. As redes sociais reprogramaram nosso cérebro nesse sentido. Recebemos uma infinidade de conteúdo, aqueles com chamadas mais apelativas ganham nosso clique, o algoritmo entende que isso funciona e dá sequência ao ciclo.
No meu caso, comecei a soltar alguns vídeos durante a pré-produção e gravação do álbum com a hashtag #EsseEhMeuUltimoDisco, vira e mexe aparecia alguém perguntando se era isso mesmo…
2. Você mencionou que o álbum nasceu de um processo de aprendizado com o violão durante a pandemia. Como foi transformar esse estudo pessoal em um projeto tão crítico e conceitual?
Gosto de mudar a forma como escrevo pra evitar que fique automático. Por isso, criar melodias a partir das lições recém aprendidas era como caminhar no escuro em um local desconhecido: a cada passo, uma surpresa! As letras apareciam depois e, lá pela terceira, vi que estavam acenando pra um mesmo assunto. Só então abracei a temática e aí ela passou a ser algo mais pensado durante a criação.
3. A temática das redes sociais permeia todo o disco. Você acredita que elas são um mal inevitável ou ainda há um lado positivo nesse universo digital?
São inevitáveis. Ponto! O mal só vem a partir da forma como as utilizamos. Vejo nelas todo o potencial de diminuir distâncias, fronteiras, barreiras e abismos sociais. Ou seja, uma ferramenta pra nos aproximar! Mas, infelizmente, a realidade é diferente da idealização e toda essa máquina está servindo mais para afastar, isolar, desinformar e cancelar pessoas.
4. No single “Vale da Estranheza”, você fala sobre a superficialidade dos debates na era dos algoritmos. Você acha que a música pode ser um antídoto para essa desconexão?
Sempre! A arte, de modo geral, é um dos grandes temas da humanidade e sempre serviu como uma forma de conexão genuína. E além disso, conversar sobre o sentido da vida, o bem e o mal, o universo… tudo isso nos permite enxergar além da superfície e acessar reflexões mais profundas.
5. O álbum tem um som coeso, mas com novos elementos, como teclados e programações eletrônicas. Como foi esse processo de incorporar novas camadas ao seu estilo?
Pois é! Além de mudar o jeito de compor, procurei também outros ares na pré-produção. No primeiro disco, a gente procurava atender o que cada música estava pedindo. Agora, foram as músicas que se curvaram ao conceito estético do álbum. Durante todo o processo, eu sempre pedia pra estragar mais o que a gente estava ouvindo. Acho que as teclas, as programações e os efeitos de pedais vintage foram os protagonistas no caminho para atender essa minha visão de como as coisas deveriam soar.
6. Você trabalhou com um time diverso de músicos e produtores. Como cada um deles contribuiu para dar forma ao disco?
Dessa vez foi um núcleo mais fechado em relação ao primeiro álbum. Na pré-produção, éramos Pedro Mello (produtor), Emílio Mizão (guitarrista e co-produtor) e eu. Todos girando as lâmpadas nos arranjos pra dar o clima das músicas. Quanto aos músicos, somado a esse trio inicial, tivemos algo mais próximo de uma banda base com Felipe Faraco (teclas), Diogo Burka (baixo) e Fabio Farinha (bateria). Também gravamos uma parte do disco com o Gui Jesus Toledo e o olhar dele, com um conhecimento maior sobre a atual cena da música brasileira, enriqueceu demais!
7. A faixa “Na Sua Bolha” tem participação de Eduardo Pavloski. Como surgiu essa parceria e como ela se encaixa na narrativa do álbum?
Conheci o Eduardo em uma série sobre novos compositores que produzi em 2021. Quando ele se mudou pra São Paulo, acabou virando um grande amigo! Daqueles de se ver frequentemente e perder a hora falando da vida, música, filmes e planos de dominação mundial que, aliás, tem muito a ver com aquele trecho dessa música: “Se não nós, quem? Se não hoje, quando?”. Ele filmou a etapa de gravação no Estúdio Canoa e, em um certo momento ali, olhei pra ele e percebi que tinha tudo a ver essa participação em “Na Sua Bolha”. Ele topou o convite e encarou, com aquele vozeirão rasgado, uma das canções que mais deu trabalho pra chegar no arranjo final.
8. Este é seu segundo álbum de estúdio. O que mudou em você como artista do primeiro para este disco?
As gestações dos dois discos foram demoradas. Então, periga eu já não ser o mesmo cara quando começo e termino o mesmo álbum. Imagina então de um pro outro haha! Pessoalmente, acho que as composições estão mais maduras, as melodias que canto soam mais ousadas e me sinto mais à vontade no ambiente do estúdio, conseguindo ser mais claro no direcionamento e nas soluções sugeridas.
9. Com um título como esse, é inevitável perguntar: já tem ideias para um próximo projeto ou esse clickbait pode acabar virando verdade?
Quem sabe? Esse mundo da música é imprevisível demais! Posso sofrer algum trauma ou, simplesmente, encher o saco e largar tudo. Tomara que não! Tenho músicas pra mais alguns discos e já estou imaginando uma forma diferente de compor e arranjar as próximas.
10. A crítica social sempre esteve presente no seu trabalho. Como você vê o papel da música na construção de um pensamento mais crítico na sociedade de hoje?
Acho complicado porque estamos menos tolerantes com relação a qualquer provocação mais profunda. Mas, aí é que mora a beleza da música: ela não impõe, ela sugere. E, às vezes, uma frase de uma canção pode bater muito mais forte do que um textão na internet. No fim, a arte sempre reflete o nosso tempo. Fica pra cada um de nós decidir se vai passar reto ou absorver.