Entrevista: Nanná Milano, cantora e compositora

Entrevista: Nanná Milano, cantora e compositora

 1.⁠ ⁠Nanná, como surgiu a inspiração para criar o álbum “Can’t Translate Saudade”?

A inspiração surgiu para cada música, cada música é um pequeno universo de emoções e pensamentos. Quando a maioria das composições já existiam, eu vi que tinha ali uma história. Gosto muito de contar histórias, de compartilhar vivências através da arte, independente do formato – teatro, cinema, escrita… – mas a música é a minha preferida porque é pra mim a mais espiritual e que gera conexão profunda com o público de uma forma muito natural e prazerosa.

 2.⁠ ⁠Qual é a mensagem central que você deseja transmitir com esse disco?

Que o amor entre duas pessoas é uma construção, uma teia delicada que se tece cuidadosamente, que é possível e vale a pena. 

 3.⁠ ⁠Como foi trabalhar com músicos tão renomados como Carlos Malta e Simone Sou?

Foi uma imensa alegria. Eu me sinto muito abençoada por ter tido essa oportunidade criativa junto com eles, que são musicistas tão sensíveis e com uma experiência que permite que eles consigam materializar com facilidade as emoções e as histórias que estávamos contando, através do som. É uma experiência quase milagrosa, de materializar o invisível, e eles fizeram isso de uma forma belíssima. Eu fico muito feliz por termos criado essa liberdade no processo para que eles pudessem improvisar e criar o arranjo de forma espontânea através da nossa troca de ideias e pensamentos sobre a música. Isso dá uma dimensão muito especial para os arranjos do disco. 

 4.⁠ ⁠O que você pode nos contar sobre o processo criativo das faixas “Te Amo Faz Tempo Já” e “Meu Coração Não Aguenta”? 

Essas duas músicas vem a partir de sentimentos muito intensos, de amor e de solidão. Te Amo Faz Tempo Já é sobre a dilatação do tempo no instante antes de dizer pela primeira vez “eu te amo” para alguém. A emoção é tão forte que os segundos ficam suspensos, os pensamentos ficam audíveis, os sentidos percebem cada movimento, cada olhar, cada toque. E nesse instante, de repente, o amor é tão latente que não pode ficar mais contido dentro de si e transborda. E Meu Coração Não Aguenta é sobre a solidão mais profunda que eu já senti. Eu compus ela naquele momento, em que estava vivendo isso. Uma solidão aguda. Foi durante a pandemia e eu ainda estava vivendo um luto pela partida do meu pai e um luto recente do fim de um longo relacionamento. E estava isolada em meio as montanhas da Mantiqueira, sem vizinhos. Eu aprecio a solidão, acho fundamental para o encontro com sigo mesmo, mas ali naquele momento tinha realmente muita dor. Mas como tudo na vida, passou. 

 5.⁠ ⁠Por que você escolheu Paris como o ponto de partida para a sua turnê?

Eu não diria que escolhi exatamente Paris, a vida e o amor me trouxeram até aqui. Eu nunca imaginei que teria essa conexão com a França, eu tinha um desejo de conhecer Paris e gostava dos filmes da Nouvelle Vague, mas nunca imaginei que moraria aqui. Estou muito feliz que isso tenha acontecido, é um lugar pelo qual me encanto a cada dia. Eu acho que a vida tem um fluxo, é uma escolha estar aqui, sem dúvida, mas vim guiada por esse fluxo que me conduziu. Me parece as vezes que é um pouco destino, porque descobri que era o sonho da minha avó morar na França (eu não sabia disso) e minha mãe inúmeras vezes me falou para estudar francês, coisa que eu não fiz, mas estou fazendo agora. Foi muito especial fazer o lançamento do álbum aqui, muitas pessoas aqui em Paris conhecem a palavra “saudade” e tem alguma conexão com essa palavra, não imaginei que seria assim, é mais um sinal de que era pra ser aqui mesmo.   

 6.⁠ ⁠Como você descreveria a evolução do seu estilo musical desde o início da sua carreira até agora?

Esse é meu primeiro álbum, então acho que meu estilo musical está nascendo agora. Fui criada ouvindo música popular brasileira, Caetano, Chico, Gil, Elis, Gal, Vinícius, Tom, Marisa, Adriana e tantos mais. O jazz também sempre esteve muito presente. Mais tarde fui descobrindo outras coisas mais como Joan Baez, Joni Mitchell, Carole King e Fiona Apple que foram artistas importantes pra mim. E eu acho que tudo isso está internalizado, depois, é a emoção e a história de cada música que dizem o que ela vai ser sonoramente.

 7.⁠ ⁠Pode nos falar um pouco sobre a influência da Bossa Nova no seu trabalho?

Meu pai amava Bossa Nova, a gente ouvia muito. Desde pequena eu cantava O Pato, Luiza… e sempre gostei de cantar Bossa Nova. A gente também compartilhava um fascínio pelas histórias daquela época, daquele universo. É uma parte fundamental de quem eu sou. 

 8.⁠ ⁠Como a sua formação em Cinema e Artes Cênicas influencia a sua música?

No fim (ou no início) tudo é sobre contar histórias. Acho que conhecer diferentes linguagens me dá mais ferramentas pra contar essas histórias. Os limites entre as linguagens somos nós que enxergamos ou circunscrevemos pra organizar, categorizar, mas na essência tudo isso está conectado. Eu visualizo cenas quando faço música, eu ouço músicas quando escrevo cenas. 

9.⁠ ⁠A representatividade feminina é um tema forte no seu álbum. Pode falar mais sobre isso?

Sempre foi um tema forte pra mim. Acho que em tudo o que eu fizer esse tema estará presente, porque faz parte da minha existência, da minha experiência enquanto ser humana, nessa época, nessa realidade, nessa sociedade patriarcal. As revoltas, decepções e frustrações são uma constante e como tecer uma vida sã e feliz é uma arte que toda mulher inventa diariamente. 

10.⁠ ⁠Qual foi a experiência mais memorável durante a gravação do disco?

Tiveram muitas, porque foi um longo processo e muitos músicos fizeram parte. Mas algumas sincronicidades foram especialmente marcantes, uma delas foi que eu conheci o Gabriel Guedes no bar Godofredo que ele tinha em Trancoso. Fiquei encantada com o piano dele, me conectei muito com a sensibilidade musical. Mostrei algumas músicas pra ele e falei que queria fazer uma intro, ele tocou um improviso que eu felizmente gravei no celular e que me emocionou muito, eu chorei de emoção. Mas voltei pra São Paulo achando que seria inviável essa parceria naquele momento. Um tempo depois eu mandei mensagem pra ele e ele estava simplesmente do lado de casa. Ele acabou indo fazer um show em São Paulo e eu chamei ele pra gravar e ele foi. Aí gravamos o piano de “8 Minutos” e aquela intro improvisada virou a intro dessa música, que está como a faixa 2 “O Instante (Ponto de Não Retorno)”. 

11.⁠ ⁠Qual seria a sua trilha sonora perfeita para um domingo chuvoso?

Nina Simone. 

12.⁠ ⁠Se você pudesse escolher qualquer lugar no mundo para se apresentar, onde seria?

Tem tantos lugares lindos, onde tiver público que queira ouvir a música é onde quero estar, já nos ensinou Milton Nascimento… Mas tenho um sonho de cantar em Nova York e um dos meus lugares preferidos no mundo é a Casa de Francisca.

13.⁠ ⁠Se pudesse ter qualquer superpoder para ajudar na sua carreira musical, qual seria?

Seria ótimo poder voar pra não ter custo nem impacto ecológico nenhum pra viajar.

14.⁠ ⁠Como você vê a atual situação da indústria musical no Brasil em termos de apoio às artistas mulheres?

Nas últimas pesquisas que vi os números deixavam bem claro que há uma disparidade enorme na representatividade feminina em festivais, nas orquestras, nos palcos, em ganhos de direitos autorais… enfim, ainda precisamos de muito mais apoio da indústria e transformação comportamental também no meio, entre os músicos, para incluir e valorizar as mulheres, especialmente instrumentistas.  Acho que está acontecendo um despertar nesse sentido e acho que vamos ver esse cenário mudar cada vez mais, positivamente. 

15.⁠ ⁠Acredita que o Brasil valoriza adequadamente a cultura musical nacional em comparação com outros países?

Não, a música popular brasileira, o instrumental brasileiro, é muito mais valorizado aqui na França do que no Brasil. O Brasil tem uma das culturas musicais mais ricas do mundo. Temos músicos de altíssimo nível e pouquíssimo apoio à classe. O músico no Brasil não tem estabilidade, segurança nenhuma. Não tem uma política que olhe pra essa classe e de uma base de sustentação pra ela. Vivemos disputando editais e é de chorar quando você vê a proporção de número de selecionados e número de inscritos. É só abrir uma lista de resultado de edital pra entender que esse não pode ser a única via de apoio. Precisamos melhorar as leis trabalhistas, regulamentar valores de cachê e estruturar de uma forma que o músico possa ter uma vida sustentável. 

16.⁠ ⁠Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao longo da sua trajetória artística?

A trajetória artística é um desafio atrás do outro. Não tem folga não. Um artista independente é uma equipe de 100 em uma pessoa só. 

17.⁠ ⁠Como foi a experiência de ganhar o prêmio NETLABTV de Roteiro de Série de Ficção?

Foi muito legal, tivemos trocas com roteiristas muito bons e tenho muito carinho por esse momento e pelo roteiro que escrevemos, da série que se chamava “⅓”, que era também uma história de amor. 

18.⁠ ⁠Qual conselho você daria para jovens artistas que estão começando agora?

É uma longa caminhada e não uma corrida de 100 metros. É um passo de cada vez. Fundamentando bem a base com aprendizado e seguindo o coração o caminho que nunca tem fim será pleno. 

marramaqueadmin