Entrevista: Lucas Adon, músico

Entrevista: Lucas Adon, músico

1. O que o inspirou a criar o projeto “Músicas Políticas para Ukulele” e por que escolheu o ukulele como instrumento principal?

Foi exatamente pela sutileza do instrumento que pensei dourar a pílula de alguns venenos a serem ditos. Quando peguei o instrumento que tem só quatro cordas, fui provando acordes e, assim como com o violão, aprendi compondo. Acaba que não sei o nome dos acordes que faço…

2. Como foi a transição de utilizar o ukulele como um instrumento associado a lazer e romance para usá-lo como uma ferramenta de provocação política e social?

Foi de cara que saiu. Pelo sarcasmo, o antagonismo da coisa mesmo. Não tive músicas com outra temática compostas nele. O ukulele é pequenininho, bonitinho, mas pode matar fascistas de vergonha também.

3. “Outros Carnavais” é a primeira faixa lançada nesta série. Pode nos contar mais sobre a inspiração por trás dessa música e o que os ouvintes podem esperar dela?

O Gustavo Galo queimou o Borba Gato e suscitou a discussão sobre a valorização da história nefasta dos Bandeirantes paulistas. Quando a Vai-vai homenageou o feito, isso me trouxe a importância de me expressar, porque percebi que havia ficado gravado no imaginário coletivo este ato, que alguns chamam de vandalismo, mas revelam o quanto a maioria da população foi afetada pelos feitos daquele e de outros homens no passado. As pessoas podem esperar um samba instigante e melódico.

4. Você mencionou que “Por que o Senhor Atirou em Mim?” foi inicialmente pensada para ukulele. Como foi o processo de composição dessa música e por que você decidiu lançá-la com piano?

A música veio em um dia de luto pela morte do menino Douglas, que foi morto pela polícia e falou essa frase antes de falecer. O alvo da polícia sempre é o povo preto e pardo, nas comunidades. Eu, como mestiço de indígena, mesmo que mais branco, além de psicólogo que sempre trabalhei com pessoas em vulnerabilidade social, me vi gerar angústia e revolta. E gravá-la no piano aconteceu ao conhecer o bonito trabalho do pianista Fábio Leandro e pela estética, que me soou mais séria e respeitosa, já que eu cito outras vítimas na letra.

5. “Ele Não, Ele Nunca” é uma crítica direta ao ex-presidente do Brasil. Quais são as mensagens que você deseja transmitir através dessa música?

Eu quero alertar as pessoas de que a escolha democrática e a vivência da cidadania além do voto fazem o progresso coletivo. Escrevi para dar força à resistência frente à maldade retrógrada do ex-presidente, para empoderar as pessoas que querem o bem coletivo. Mas, se bobear, faço outra pra esquerda cirandeira que brinca de revolução e faz concessão demais também (risos).

6. “Pisca Pisca” e “Anônimos” são as próximas faixas a serem lançadas na série. Como essas músicas complementam o tema geral de militância e resistência?

A próxima música, que sai nesta sexta (12), é ainda sobre meu processo individual de desconstrução frente a este cenário político tenso. Afinal, minha posição se faz mais a cada dia, nos meus pequenos atos, do que apenas no que eu canto. O canto é reflexo deste processo e essa música exemplifica isso. “Anônimos” é mais uma ode àquelas pessoas que abandonaram tudo pela luta em momentos que era preciso ser mais enfático no posicionamento, como a Meinhof na Alemanha pós-nazista e o Mariguella na ditadura brasileira. Ser herói é ser marginal, como diz o Hélio Oiticica, e essa música é sobre ser marginal sendo pai, filho, trabalhador.

7. Você mencionou que as músicas exploram temas como colonialismo, imperialismo e resistência. Como você espera que essas músicas influenciem ou inspirem o público?

Mais do que gerar engajamento, eu espero que esta série ajude a refletir e gere aquela fagulha de indignação positiva de provocação, sobre o passado, presente e futuro.

8. Como foi a experiência de gravar as live sessions para esta série? Você pode compartilhar algum momento marcante durante as gravações?

Foi no último momento da visita à casa da minha mãe, naquela confusão de ter 9 canteiros de obras ao redor da janela, o que foi desafiante pro Bruno Scarabotto, que fez a gravação. E ainda minhas duas filhas pequenas me esperando na sala. De toda forma, foi intenso. O momento mais marcante foi quando, em Pisca Pisca, vi a emoção clara do pessoal que estava gravando – era a primeira vez que eles ouviram e sentiram.

9. Além da música, você também é psicólogo. Como você vê a interseção entre a música e a psicologia em seu trabalho artístico?

É meu grande instrumento pessoal de sublimação. Eu sou psicólogo e trabalhei muito na área social sempre. São muitos conflitos sociais que implodem a saúde mental do indivíduo. A saúde mental não é um problema individual muitas vezes. Isso porque destituímos os componentes culturais e sociais da angústia nossa de cada dia. A intersecção é mais para cuspir tudo isso de volta de forma poética, filosófica e autoanalítica.

10. O que os fãs podem esperar do seu próximo álbum, “Nous e o dia que descobri que Deus não está no céu”? Como ele se diferencia dos seus trabalhos anteriores?

Podem esperar músicas em espanhol e inglês, além de uma musicalidade mais do mundo, já que estou imigrante faz seis anos desde meu último álbum.

11. Você já pensou em compor uma música sobre unicórnios e fadas usando o ukulele?

Haha pior que não, mas seria bacana. Pensando que este seria o mundo possível se nós quiséssemos, eu acredito e louvo de pé!

12. Qual é a sua opinião sobre o ukulele como arma de defesa pessoal?

Acho que quebraria na primeira porrada, mas poderia fazer um certo dano à cabeça do indivíduo. Haha

13. Você acha que o ukulele seria eficaz para acalmar leões famintos?

Não, eles são carnívoros. Risos.

14 Alguns críticos argumentam que a música não deveria se envolver em questões políticas. O que você diria a eles?

Devolveria a pergunta, já que o jornalismo também sempre sofreu a mesma pressão. Tudo é político: toda existência, toda neutralidade e toda alienação. 

15. Você acredita que artistas têm a responsabilidade de se posicionar politicamente através de sua música?

Acho que cada um faz o que quer. Eu não falo só sobre política, mas sim, acho que toda voz deva expressar o que vê e o que vive. Acho que é um comprometimento respeitável do artista quando o faz, sinal de que está vivo e consciente do seu contexto e não com a cabeça em um buraco ou preso em qualquer busca rasa por fama.

16. Como você responde às críticas de que suas músicas são simplistas em sua abordagem política?

Não tive críticas desta ordem ainda. O mais perto foram haters na eleição passada, mas simplista na abordagem política não é. Eu tento sempre usar os gritos de manifestações públicas e deixo frases de pichação em muros me inspirando.

17. Como foi o seu crescimento artístico desde o lançamento de “Compre Bem, Compre Mais” até agora?

Cresci muito na confiança de fazer o som que eu quero sem barreiras. Ela foi um funk, nunca pensei que gravaria um funk. Depois, veio “Madalena”, que é um baião. Cresci muito explorando estes estilos que são muito diferentes do que eu sempre fiz.

18. Qual é a importância da música em sua vida pessoal e profissional?

Eu sou música. Acordo cantando meu cotidiano e vou dormir sonhando com melodias que me preenchem e me expressam em muitos sentidos. Profissionalmente, eu tento ainda que pagar algumas contas, mas está difícil. Ainda almejo ter essa possibilidade.

19. Quais são os maiores desafios que você enfrentou ao combinar música e ativismo em seu trabalho?

Ah, normalmente as casas de show contratam mais shows que fazem as pessoas dançarem e beberem. Eu adoro isso também, mas quando o tom da coisa é ativista/político, o clima não é exatamente de festa. E isso fecha um pouco o nicho e a porta de possibilidades.

marramaqueadmin