O compositor carioca apresenta em seu novo trabalho um ensaio dançante sobre a falência e a potência do Rio de Janeiro. O álbum conta com as participações das cantoras Bebé Salvego e Silvia Machete.
Ouça ou baixe agora (pre-save): https://qinhones.lnk.to/centelha
Capa do álbum “Centelha” – Crédito: Filipe Marones
Mais fotos em anexo.
Nesta sexta-feira (14/10), o cantor e compositor Qinhones lança o álbum “Centelha” em todas as plataformas digitais pelo selo LAB 344. Este é o quinto trabalho solo do artista carioca e conta com 10 faixas inéditas em parceria com Alberto Continentino. O disco tem participações das cantoras Bebé Salvego e Silvia Machete. Qinhones apresenta no repertório um ensaio dançante sobre a falência e a potência do Rio de Janeiro.
O artista já disponibilizou nas plataformas digitais dois singles do novo álbum: “O Rio Continua Rindo”, um samba-rock de groove funkeado com letra que dissimula entre exaltação ufanista e crítica ácida à cidade do Rio de Janeiro. Ouça aqui: https://lab344.lnk.to/oriocontinuarindo. E “Água Salgada”, uma balada carnal que exala sensualidade e se ampara em referências gringas como Herbie Hancock e Teddy Pendergrass. Na canção, o artista recebe uma das vozes mais promissoras da atualidade, a cantora Bebé Salvego, ou apenas: Bebé. Ouça aqui: https://lab344.lnk.to/aguasalgada .
O disco tem produção musical de Alberto Continentino, pós-produção e mixagem por Dudinha e masterização de Ricardo Garcia. A gravação contou com os músicos Vitor Cabral (bateria), Alberto Continentino (baixo, violão, guitarra e sintetizadores), Danilo Andrade (Wurlitzer, Clavinet, sintetizadores, piano CP70 e hammond), André Siqueira (congas, xequerê, shakes, tamborim, cuíca pandeirola, garrafas e efeitos), Diogo Gomes e Marlon Sette (trompetes) e Jorge Continentino (saxofones).
Qinhones é figura conhecida na cena de música do Rio de Janeiro, desde os anos 2000. Antes, conhecido como Qinho, lançou os álbuns “Canduras” (2009), “O Tempo Soa” (2012), com as participações de Mart’nália, Elba Ramalho, Botika e Amora Pêra, “Ímpar” (2015) e “Qinho Canta Marina” (2018), onde abordou as canções de Marina Lima com grande destaque, além do EP “Gota” (2021), com a participação de Mahmundi. Também atuou como produtor musical em “Amor Geral” (sob o codinome T.R.U.E.), o mais recente disco da cantora Fernanda Abreu.
Qinhones canta o fogo que lambe a Cidade Narciso
Em ‘Centelha’, cantor faz ensaio dançante sobre a falência e a potência do Rio, em 10 parcerias inéditas com Alberto Continentino
Leonardo Lichote
O crepitar do fogo. Esse é o primeiro som que se ouve em “Centelha”, quinto álbum solo de Qinhones (que antes assinava como Qinho). Sobre o fogo — ainda na primeira faixa, “Atrito inicial” — sopra a refrescância do groove que flutua leve como espuma. É a leveza que arde em chamas ou é o incêndio que refresca sob a brisa? É essa a pergunta que sustenta em letra e música o disco, um ensaio dançante e sem ilusões sobre essa fogueira doce de vaidade batizada de Rio de Janeiro — a “Cidade Narciso”, como canta o compositor.
“Centelha” reúne dez parcerias inéditas de Qinhones com Alberto Continentino, que passam pelo golpe de 2016 e a consequente chegada da extrema-direita ao poder, pelo declínio do macho, pela alegria compulsória desta cidade e deste país e pela falência dessa alegria. O disco tem participações de Bebé (dueto com o cantor em “Água salgada”) e Silvia Machete (declamação de texto de Gustav Mahler em “Sweet Narciso I”). Na voz de Machete, as palavras do maestro checo-austríaco (“A tradição não consiste no culto às cinzas, mas na preservação do fogo”) apontam para o motor da sonoridade do álbum. Uma sonoridade herdeira da linhagem de Marcos Valle, Lincoln Olivetti, Tim Maia, Azymuth, Hyldon, mas que em vez de repeti-las como pastiche, procura seguir seus passos em direção ao futuro:
— Me sinto honrando meus mestres — sintetiza Qinhones. — Eu e Alberto somos fissurados nessa tradição brasileira de um tipo de groove que ficou conhecido como brazilian boogie, um funk-soul atravessado pelo samba. É uma linguagem nossa, deste país, que merece ser tratada seriamente. Porque é um legado muito grande.
O gosto por essa vertente quente da tradição musical brasileira aproximou os dois parceiros em 2021, quando eles se juntaram em “Toda manhã”, feat. de Qinhones com Mahmundi, com produção de Alberto. Deu match.
— Ele conseguiu traduzir o tipo de som que eu mais curto e almejo, com um acabamento, uma malandragem, uma maldade, uma sagacidade…. — elogia o cantor.
Alberto pediu então uma letra a Qinhones. Assim nasceu “Água salgada”, primeira assinada pela dupla. Depois vieram “Mentira anestesia” e, no embalo, a ideia de fazer um disco com essas parcerias.
Qinhones aproveitou o encontro com Alberto para desaguar ideias com as quais ele queria trabalhar desde 2018. Mais do que ideias, perturbações. Duas tragédias naquele ano representaram um ponto de virada para ele em sua relação com a cidade: o assassinato de Marielle Franco e o incêndio do Museu Nacional. O compositor — que já havia sido chamado de “novo Menino do Rio” nos jornais — experimentou uma desilusão funda com sua cidade e a imagem de paraíso que ela projeta há pelo menos um século.
— Ver o incêndio foi uma sentença de morte. Entender que tudo que se constrói aqui vira cinza. E Marielle, da mesma forma, representava tudo que a cidade pode ser de melhor. Mas a própria cidade aniquila as possibilidades que ela cria de transformação — reflete Qinhones.
Uma pergunta insistia em sua cabeça: “não vou fazer música sobre isso?”. Foi esse incômodo que gerou o que o compositor define como seu disco mais político — a despeito de todo brazilian boogie.
Depois da fogueira que arde em “Atrito inicial”, na vinheta de abertura do disco, vem “Cidade Narciso”. O Rio visto por Qinhones se apresenta já nos primeiros versos da canção: “Aqui tudo irá desmanchar/ Tudo é beleza e armadilha”. Sobre a delícia do arranjo (tradução sonora das nossas praias, nosso clima, nossa ginga), a metrópole de “Cidade Narciso” dialoga com representações como o “Rio 40º” de Fernanda Abreu e a “cidade desespero” que o Planet Hemp canta em “Zerovinteum” — a expressão usada no rap, aliás, é citada na canção seguinte.
Um balanço que evoca Stevie Wonder anuncia a faixa seguinte, outro instantâneo de uma cidade que é “um eterno matar ou morrer”, onde se amanhece “boiando no mar, mas o show tem que continuar”. Por fim, a canção explode no irônico e irresistível refrão que dá nome a ela: “O Rio continua rindo”.
Depois de “Sweet Narciso I”, com Machete declamando Mahler, vem a convocação de “Há festa (Corpos celestes)”. Alberto vai nos ensinamentos de Lincoln Olivetti para sustentar os versos de Qinhones que tratam a festa como arma, como resposta contra a “turma bicuda”, os golpistas, aqueles que “não suportam a alegria de nossos corpos celestes”. Centelha lambendo na pista de dança.
“Água salgada”, dueto de Qinhones com Bebé, é sopro de frescor no fogo. Ou melhor, no cangote do fogo, com o baixo envolvente como a sensualidade da letra. Derretimento r&b tipo A, que abre caminho para a calma da vinheta “Sweet Narciso II” e do blues “Mentira anestesia”. Na letra, “Deus e o diabo disputam o sol ao aplauso dos contentes”, outro 3×4 deste Brasil de 2022.
“Seus olhos vidrados” descreve a morte do macho, figura que sintetiza, em suas certezas de masculinidade e poder, muito do buraco em que a cidade (o país, o planeta) se meteu. Porém, como o malandro que Chico Buarque canta em sua ópera, o cadáver ainda se move. “Seu jogo acabou/ Ainda assim como sempre você venceu“, canta Qinhones.
O “Atrito final” encerra “Centelha”, deixando o ouvinte com o mesmo som que o introduziu ao disco: o crepitar do fogo, inescapável — como aviso, como esperança.
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