Entrevista: Paige, cantora e compositora

Entrevista: Paige, cantora e compositora

1. Paige, como surgiu a ideia de transformar sua jornada pessoal no álbum Esse é Meu Mundo?  

A gente partiu do título do álbum e de como eu queria me apresentar para o mundo de fato. Queria mostrar o meu universo, quem eu sou, a minha história. Então a ideia veio mesmo de dentro de mim. A gente tinha esse título, Esse é Meu Mundo, que já era o nome do meu show na época em que lancei o single “Garota Califórnia”. E aí a gente falou: “pô, ‘esse é meu mundo’, ‘esse meu mundo’ é o quê? É o mundo da Paige. E quem é a Paige?” Então decidi contar minha história muito pelo que eu sou mesmo, pela artista que eu sou. Eu quis me despir um pouco mais para o meu público, quis mostrar as minhas nuances, a minha história, para as pessoas poderem me conhecer de fato. E daí elas virem traçar essa trajetória junto a mim, já sabendo quem eu sou. É uma introdução mesmo, eu quis me introduzir. Por isso veio a ideia de transformar a minha jornada no álbum.

2. O álbum é descrito como um manifesto sobre suas origens e identidade. Como esses elementos aparecem nas músicas?

O álbum é descrito como um manifesto, e a minha identidade se manifesta muito na mistura de sons; eu acho que isso é o ponto principal sobre a minha identidade musical no contexto da minha carreira geral, de tudo que eu já fiz e experimentei até hoje dentro da música. Isso está muito na sonoridade, no instrumental, nas melodias e nas letras também. Eu tentei ser mais direta e verdadeira na maioria das faixas, então quando eu falo que “Meu nome é Paige, Ana / Bárbara tem uma herança musical” [trecho da canção Filha do Sol], essa frase é muito importante pra mim na construção do álbum, porque ela me lembra muito do meu propósito com o álbum, porque quando eu falo “Paige, Ana”, parece Paige Ana, mas na verdade eu tô falando “Paige” e tô falando “Ana”, que são meu nome artístico e, logo após, o meu nome mesmo, que tá na minha certidão, que os meus pais me deram. E aí eu falo que esse nome, Ana Bárbara, que fez a Paige existir, traz consigo a herança musical. E o que seria essa herança musical? Seria a herança que os meus avós, os meus tios, os meus ancestrais, os meus pais e os meus irmãos deixaram pra mim na música. Hoje eu tenho o talento, as habilidades, e tudo que eu tenho naturalmente com a música foi porque eu herdei isso de alguém. E isso fala muito da minha origem, de quem eu sou, que é a minha identidade, o que eu apresento enquanto música, essa mistura de gêneros e de sons, por exemplo. Então tá muito descrito nas letras, nas próprias melodias, na história que a gente conta, desde a primeira música até a última, e em algumas partes da letra muito específicas. Então é um conjunto, tá no todo.

3. Você menciona que cada faixa representa um capítulo da sua história. Tem alguma que seja mais especial para você? 

É muito difícil escolher uma faixa só. No álbum todo tem 4 faixas que de fato tem letras que contam mais sobre a minha história, a minha vida, a minha família, uma coisa um pouco mais profunda, que são “Garotas e Garotos”, “Filha do Sol”, “Retrato” e “98’”. Essas músicas são muito especiais, mas no momento a que eu mais tenho escutado é “Garotas e Garotos”.

4. O álbum transita por vários gêneros, como afrobeat, reggaeton, rap e R&B. Como você escolheu essas influências?  

Todos esses gêneros, afrobeat, reggaeton, rap, R&B, estão no álbum, porque tudo isso representa quem eu sou, a minha cultura. Eu sou uma pessoa brasileira, latina, então a gente vai ser influenciado pela nossa própria cultura, que também tem muito a ver com os ritmos dançantes, como o afrobeat, o reggaeton. O afrobeat não é um ritmo latino, mas é muito dançante, e sua a célula rítmica chega a cruzar um pouco com funk. O rap e o R&B andam muito juntos, porque são gêneros musicais criados dentro da perspectiva do povo preto, da cultura negra e periférica. Então todos esses gêneros são a representatividade musical do lugar de onde eu vim, de quem eu sou no mundo, e eu acho que eles fazem parte um pouco de todo mundo que é latino, brasileiro ou afro-brasileiro. Então, eu escolhi essas influências porque elas são parte da minha identidade musical, são o que eu sempre fiz e são os tipos de música que eu amo e que me representam demais.

5. O que significa para você ser uma artista pop no sentido mais abrangente da palavra?  

Olha, isso é um pouco louco. Às vezes a gente até se perde porque está tentando se nomear e se encaixar dentro de alguma coisa, um nicho, um grupo, algum lugar. Eu me enxergo uma artista pop porque eu quero falar com todo mundo, ter uma voz abrangente, e eu busco muito na minha música poder ter essa comunicação. Mas, ao mesmo tempo, eu sou uma artista periférica, que vem de um lugar que não é um polo musical ‒ agora que está tendo um pouco mais de visibilidade, mas o dinheiro não circula em Belo Horizonte. Então eu sou uma artista fora da curva, porque, por mais que eu esteja me inserindo há alguns anos no mercado da música pop, eu sou uma pessoa muito alternativa, porque eu não faço só um tipo de música e não sou só popular, e nem tenho só uma característica da identidade musical do gênero pop. Então, pra mim significa mesmo uma estratégia e também uma reafirmação de que, pra ser pop, não precisa ser moldado; a gente pode ser pop, mas sendo alternativo, fora da curva. E eu acho que é isso que também tem acontecido com o rap no Brasil há alguns anos, porque é uma música completamente periférica e marginalizada que se torna totalmente popular, que praticamente  todo tipo de pessoa consome e que tá acessando vários lugares que antes não a cabia ‒ cabia mais a galera do pop, do MPB, do sertanejo e por aí vai. Então eu me sinto nesse lugar, eu acho que significa isso.

6. Como foi trabalhar com artistas como Cynthia Luz e DJ WS da Igrejinha nos singles do álbum?  

No geral, falando dos feats ‒ a Cynthia Luz, o WS, o Kaike, a Jade e a Karen Fialho ‒ todos foram muito da hora de poder trabalhar. Cada pessoa tem sua personalidade, tem seu jeito. Todos eu conheci de uma maneira completamente distinta e, a partir dessas conexões, eu pude me tornar amiga dessas pessoas, o que pra mim é muito legal, porque isso mostra muito de quem é o artista e como essa pessoa tá aberta, para além de só fazer um trabalho. Então, poder fazer música com todas essas pessoas, incluindo a Cynthia Luz e o WS, pra mim foi muito gratificante. Me sinto muito realizada por ter colaborações com pessoas que são tão talentosas, artísticas e criativas, e isso me inspira muito, eu me sinto muito inspirada com a letra de cada um. A letra da Cynthia eu canto até cansar. Kaike pra mim virou um irmão mais novo. São pessoas muito especiais que também contribuíram para tornar o álbum especial, porque somaram com a sua própria criatividade, sua própria arte e o seu amor na parada. Então uma das melhores experiências dentro da produção do álbum foi poder estar junto com essas pessoas e ter a arte delas no meu álbum.

7. Como a sua família influenciou sua trajetória musical e a criação deste álbum?  

A minha família influencia a minha trajetória muito antes de eu nascer e eu tentei deixar isso um pouco mais evidente no álbum, né? Então, a primeira faixa, Filha do Sol, eu falo muito sobre isso, eu falo sobre a minha letra, ela tem um pouco mais forte porque eu falo que eu sou filha do sol, então eu sou filha da luz, eu sou filha da luminosidade, então diretamente eu estou falando que a minha mãe é luz, que a mãe dela é luz, que a minha avó é luz, que o meu pai é luz, eu sou filha daqueles que me iluminaram com isso. Então, a minha família, ela influencia desde as minhas letras até os ritmos que eu coloco, que eu coloquei dentro do álbum, que eu trouxe pra gente produzir. e assim, a minha família é muito presente, elas estão em todos os shows, elas colaboram, elas fazem parte, às vezes, da própria produção, né? Visual, ou minha mãe foi no estúdio gravar, então assim, tem a voz da minha mãe em 98 falando que eu nasci pra brilhar, que eu sou um presente, então a minha família já carrega arte antes de eu nascer. A minha avó, meu avô, os meus tios, meus tios avós, a minha irmã especificamente, o meu irmão também, então assim, toda minha família, eu herdei isso deles, e é isso que eu tento falar, né, no álbum, descrever isso de alguma maneira, então a minha família, ela influencia em praticamente todo o meu processo, especificamente nesse álbum, porque é o meu mundo, e o meu mundo é minha família, é o que veio antes de mim também, e quem tá construindo isso comigo, então eles têm a maior influência na minha trajetória, porque eles são a base da minha criação e são a minha maior referência, sabe?

8. A sua bissexualidade é um dos temas abordados no disco. Como você vê a importância da representatividade na música pop brasileira?

Olha, eu acho que a bissexualidade é importante de ser dita, porque a gente é muito visto como pessoas confusas, e a gente não é confuso. Muito pelo contrário. A gente é muito certo do que a gente gosta e o que a gente não gosta. Não é confuso isso. E eu acho que, para o meu público, para as pessoas que querem estar aqui com a Paige, eu queria mostrar quem eu sou, deixar evidente, para qualquer pessoa que chegar ou que já chegou antes, quem é a Paige. Porque, por exemplo, eu sou uma pessoa bissexual e tenho um relacionamento heteronormativo há muitos anos, mas eu tenho certeza que sou bissexual. Eu descobri isso na minha adolescência, muito jovem. E esse período da minha vida foi muito importante para tudo que eu sou hoje, e pra música em específico. “Garotas e Garotos” é a forma de eu mostrar quem eu sou, quem eu sempre fui e quem eu sempre vou ser. Mas, para além disso, eu acho que é muito importante levantar nossa bandeira, se orgulhar dela, porque é muita luta, e eu posso ser referência e influência para milhares de jovens que provavelmente são como eu. Eles descobrem na juventude, na adolescência, quem eles são. Então eu amo essa música. Ela é muito importante pra mim, porque eu falo de uma época que é muito marcante, que é a minha adolescência, e é uma música que quem é vai se identificar e com certeza se sentir representado. Então eu acho que é muito importante existirem músicas, não só a minha, com esse teor.

9. O álbum foi viabilizado pelo Natura Musical e leis de incentivo à cultura. Como você enxerga o impacto desse apoio na sua carreira?  

Eu enxergo o impacto desse apoio na minha carreira como uma porta excepcional, a porta que a gente bateu e que se abriu dessa vez. Então foi uma mudança de clima na minha carreira. É muito importante ter leis de incentivo porque elas são literalmente um incentivo, e a gente precisa de incentivo pra tudo na nossa vida. Pra gente ser o que quiser ser, qualquer coisa que a gente queira conquistar ou fazer na nossa vida. E quando esse incentivo é financeiro, isso dá margem pro artista criar, porque a gente tá preocupado com muitas coisas, como sobreviver, e às vezes a arte fica pesada, porque não é fácil. É lindo, mas não é fácil. Então, o incentivo como o da Natura Musical, por exemplo, é algo que o artista tem que ir e aproveitar, porque são coisas que podem, sim, ajudar a gente a alavancar. Isso é um incentivo não só financeiro, mas financeiro principalmente, para você conseguir desenvolver seu projeto e manter um pouco mais a sanidade mental, se manter mais estabilizada mentalmente para conseguir executar, porque uma parte muito difícil de ser artista é conseguir executar. Então as leis e o incentivo à cultura são coisas essenciais para a arte e para a cultura, porque a gente precisa do artista e o artista precisa do incentivo. Esse apoio foi fundamental para a minha carreira, para que eu pudesse evoluir e amadurecer como artista. Depois desse passo que eu dei, essa porta que eu abri, eu nunca mais vou ser a mesma. Sou uma nova borboletinha e com certeza foi graças a esse incentivo e a esse um ano e meio de construção do álbum.

10. Você sente que há espaço para mais diversidade na cena pop brasileira?  

 Sobre sentir que existe espaço, eu não sinto. Porém, o que eu sei é que existem pessoas, que estão dispostas a lutar mesmo, a ir atrás, a botar a cara para que a gente possa viver um outro cenário. Então, as pessoas que estão comigo, a Macaco, a Altafonte, os meus amigos, músicos, veículos de imprensa,  pessoas que estão ao meu redor… Nesse combo de coisas para que uma carreira funcione existem pessoas que estão dispostas a botar a cara para fazer com que a gente tenha mais diversidade, mas eu não sinto que há esse espaço para a diversidade. Eu sinto que há só um camuflar do que realmente é a cena pop brasileira. Eu não tenho uma diva pop no Brasil que eu olhe pra ela e fale “Cara, ela é muito parecida comigo”. Cara, olha o tanto de artista que tem no Brasil, sabe? E provavelmente outra menina que não é artista, mas é igual a mim, olha pra esse cenário e não se enxerga, porque eu não tô ali, da mesma maneira. É muito difícil eu acessar os mesmos lugares que as pessoas que não são como eu, que não fazem parte da diversidade. Então, eu não sinto. Mas o que eu sei é que existem pessoas lutando ali, botando a cara para fazer um movimento para que a gente mude esse cenário.

11. Como foi o processo de composição e produção do álbum? Alguma faixa teve um desenvolvimento diferente do esperado? 

O álbum tem algumas faixas que foram feitas antes e que depois foram colocadas no álbum, mas não foram muitas. A maioria delas saiu de uma imersão que a gente fez. Eu nunca tinha feito uma imersão com músicos para fazer músicas para mim, então isso foi a maior novidade, poder juntar as pessoas que eu amo e admiro para fazer isso. Então eu juntei o Gustavo Vaz, Nath Rodrigues, a Jade, que está em uma das músicas, o Faew, o PS, a minha própria irmã que também tem uma parte em uma das letras, o meu companheiro. Eu reuni uma gama de pessoas, o que é uma coisa que eu nunca tinha feito antes. Depois a gente produziu todos os instrumentais, e nesse processo eu sou muito participativa, porque preciso saber para onde as coisas estão indo, direcionar as pessoas da produção, inclusive deixando claro que eu sou uma pessoa muito aberta. Então eu amo quando a pessoa mostra o talento e a identidade dela, a gente misturar as ideias, então é tudo muito fluido. Na hora de escrever a música, 90% de todas as músicas eu escrevi sozinha, então na maioria das vezes eu estava em casa, sozinha. Então o meu processo mais diferente no desenvolvimento do álbum foi fazer uma imersão para produzir músicas. E também fazer uma música específica para um artista, que foi o caso da Cynthia, que a gente fez uma música muito pensada nela, a gente estudou ela. Eu nunca tinha feito isso também, então foi bem fora do usual.

12. Qual foi o maior desafio na criação de Esse é Meu Mundo?  

Quando a gente tá fazendo um álbum, pelo menos na minha percepção, você tá se despindo e fazendo algo que é um pouco mais profundo. Então isso envolve muito a nossa mente, a nossa saúde mental, o nosso dia a dia, a nossa vivência. Ainda mais no meu caso, em que eu quis contar a minha história. Então foi muito amadurecedor, mas esse amadurecimento não veio só como um mar de rosas. Ele veio também como algo desafiador, que às vezes era frustrante, sei lá. Um exemplo: eu tive um bloqueio criativo, então esse foi o desafio. O desafio tá muito em torno de mim comigo mesma e as minhas cobranças. Enfim, a gente quer entregar algo que é verdadeiramente bom e você se cobra pra isso. É o seu trabalho, então você tá ali focada, mas às vezes vai surgir um imprevisto, algo fora do que você estava planejando, então você tem que se remanejar, aprender com uma falha que você dá no processo. Então eu acho que essa é a parte mais desafiadora, eu mesma com a minha arte. Porque somos humanos, né? E estamos fazendo arte, então tem esses momentos.

14. Agora que o disco foi lançado, quais são os próximos passos da sua carreira? Teremos turnê ou novos clipes em breve?  

O álbum tá lançado e a gente conseguiu fazer o que a gente queria, lançando alguns singles antes. E agora eu tenho uma música de trabalho, “Água de Coco”, que é uma das minhas canções favoritas da vida. Ela é muito especial, dedicada à minha irmã, que é a minha melhor amiga. E tem a participação do Kaike, que é o meu irmão mais novo emprestado. Então vamos trabalhar essa música agora. E sim, vai ter show, não temos uma turnê ainda, mas logo menos quem sabe, né? [risos] Porém tem alguns shows que a gente precisa e vai entregar, e vai ser muito legal. Logo menos vamos deixar públicas as informações, quando, como, onde. Mas com certeza vai ter show de Esse é Meu Mundo.

15. Se pudesse descrever Esse é Meu Mundo em uma única frase, qual seria?

Esse é Meu Mundo é a odisseia da minha vida, o meu amor e a minha herança da arte e da música.

marramaqueadmin