Entrevista: Yuri Costa, cantor e compositor
1. Yuri, seu novo EP “Anjo Elétrico” apresenta versões inéditas de suas músicas com uma banda completa. Como foi a experiência de revisitar suas próprias canções com novos arranjos?
Foi muito bom, até porque senti que cada um que participou acrescentou às músicas um pouco do seu jeito. Então, apesar de sair como um projeto solo, me sinto muito grato pela união e sentimento de coletividade nesse projeto.
2. Você menciona que o título do EP, “Anjo Elétrico”, é uma referência às pinturas de Paul Klee e representa uma mudança do acústico para a tensão da eletricidade dos instrumentos. Como essa transição se reflete na sua música?
Sair do acústico, para mim que fiz lo-fi, gravando direto do celular durante todo adolescência, é algo bem diferente. Pelo apanhado de instrumentos que se tocou no Anjo Elétrico e até mesmo por uma clareza dos vocais (algo que antes dependia exclusivamente de onde eu gravava). Essa diferença desperta a vontade de gravar mais e ver outros limites para as próximas produções.
3. Ao longo dos anos, você se tornou um expoente da cena independente e underground do Rio de Janeiro. Como você vê o papel da sua arte nesse movimento cultural?
Sabe, acho legal isso de ser expoente kkk brincadeira, não me sinto tanto assim!
Me sinto mais uma pessoa insistente, porque gravar foi o único método que encontrei nas artes de me conectar com o outro. Expor minha música, como uma forma de me manter vivo, me conectou a tantas outras pessoas que enxergam na música essa bússola que direciona para a vida.
Assim, entendo minha música como uma teia de memórias, imagens, encontros e conflitos. Também, sem esquecer do subúrbio, onde nasci e me criei.
4. O EP também conta com colaborações de diversos músicos. Como foi o processo de trabalho com esses artistas e como eles influenciaram o resultado final das músicas?
Agradeço imensamente Yael Torres, que foi produtor e tocou bateria em todas as faixas, Eduardo Andrade, que tocou baixo, Guilherme Meirelles na guitarra, Beatriz Firmino na flauta transversal e Fernando Carvalho na percussão.
Todos eles tem projetos paralelos e entre eles. Tem shows que eles só mudam de instrumentos ou adicionam mais gente. Todos bem entrosados, e me sinto incluso nisso. Os projetos possuem similaridades e diferenças, como A casa mais estranha não tem número que o Eduardo criou com Mateus Roque, ou A minha banda secreta, em que Bia, Eduardo e Fernando tocam juntos, além dos projetos solo do Guilherme Meirelles, que explora as camadas de efeitos nas guitarras ou o projeto mais oculto de todos que o fff. Assim, essa quantidade enorme de projetos, experimentações e conexões com minha música geraram o Anjo Elétrico.
5. Suas letras frequentemente abordam temas relacionados à juventude suburbana carioca. Como esse ambiente influencia sua composição e sua identidade artística?
Eu me sinto muito urbano. Minha cidade é outra, certamente não o Rio de Janeiro do cartão postal, mas sim do que de vê da janela do ônibus nas ruas do subúrbio. Casas antigas, casas por fazer, paredes pixadas, anúncios de dentista e farmácia e as brigas familiares.
Cresço no subúrbio e reparo em outras nuances, certa vez me peguei pensando que existem músicos que retratam o subúrbio de dia, das festas e da luta, eu retrato o subúrbio a noite, onde saem os fantasmas, grafite, skate, passeios que podem ser memoráveis para o bem e para o mal.
6. Além das influências musicais, você menciona referências visuais em suas obras, como as pinturas de Paul Klee. Como a arte visual se entrelaça com sua música?
Eu queria fazer um filme em cada música, da música com mais letra até a mais reduzida. A minha relação com as imagens são para entender o sentimento que elas passam, por isso me volto a Paul Klee ou a Monet como cito em Tangerina. As imagens me apresentam as cores, e elas se relacionam com o sentimento.
7. O documentário “Ninguém É Forte Sozinho”, lançado recentemente, apresenta versões de suas músicas gravadas por diversos artistas independentes. Como foi ver sua obra reinterpretada por outros músicos?
Acredito que no enunciado o documentário, deveria ser trocado por Coletânea, o documentário ainda não saiu mas em breve sai.
Eu consegui me emocionar com que escrevi, raramente acontece. Não porque sou um bloco de pedra insensível, mas sim porque geralmente tô na função de cantar e tocar nos shows, então acabo não me atentando a letra.
Quando ouvi a coletânea, e pude ouvir as músicas de outra forma, foi como se as ouvisse pela primeira vez. Pude prestar atenção no toque pessoal de cada um que participou na interpretação delas e pude escutar as letras de outra forma.
Por outro aspecto, observando a abrangência territorial e o quantitativo grande de pessoas que participou da coletânea, senti que estou em um caminho correto, de confiar em mim e acreditar que a música conecta cada vez mais pessoas.
8. Você fundou a produtora “Museu Sonoro das Belas Flores” (MSBF). Quais são os objetivos e a missão dessa iniciativa?
Eu participo de eventos diversos desde minha adolescência, produzindo ou co-produzindo. O MSBF ainda é um bebê, mas foi criado exatamente para distanciar meu nome dessas produções e que eu pudesse criar algo maior que pudesse englobar mais pessoas.
Até o momento sobre a alcunha do MSBF foram produzidos dois eventos O Estrainho, um festival de música independente e um evento que tive o prazer de produzir com Bruno Cosentino e Luis Capucho.
Tendo como objetivo de produzir eventos independentes para artistas independentes, criando conexões e outras formas de explorar as artes. Nessa de cantar e produzir, me encontrei na produção de eventos, assim a missão é expandir e criar uma comunidade que seja autossustentável no futuro. Que os eventos sejam bons tanto pro público quanto para os que o fazem.
9. O EP “Anjo Elétrico” é uma síntese de suas ideias ao longo da sua trajetória como artista. Como você descreveria essa jornada e as principais transformações que você percebeu em sua música ao longo do tempo?
Minha jornada começa ainda muito tímido, sem muita confiança, mas eu sempre pensei que o que tem que ser feito precisa ser feito. Então, em 2013/2014 comecei a gravar no celular ou qualquer outro aparelho possível e colocar as músicas no Soundcloud, aqui eu me sentia muito sozinho.
Daí até hoje foram muitos momentos de gravações, produção de shows, atividades diversas como a construção do coletivo/selo creepmachine records até o Anjo Elétrico. Aí eu percebo a influência da idade e experiências na construção das minhas composições.
10. Quais são seus planos futuros após o lançamento deste EP? Você já tem novos projetos em mente?
Eu tô com a ideia de lançar o primeiro álbum de estúdio. Nesse meio do caminho tenho planos ainda para o Anjo Elétrico, expandir a relação com esse EP com projetos. Além disso, ainda sairá nesse meio do caminho o álbum ao vivo gravado no Escritório em comemoração ao lançamento da Coletânea NINGUÉM É FORTE SOZINHO.
11. Como você responde às críticas de que sua música é muito introspectiva e difícil de se relacionar?
Olha, eu acho engraçado as formas com que as pessoas se relacionam com minha música. A introspecção eu acredito que, de certa forma, aproxime o ouvinte. As imagens podem ser complicadas também, até porque elas podem ser muito fechadas, no entanto, outras imagens mesmo muito pessoais ainda se chocam frente a experiência de outras pessoas.
12. Algumas pessoas dizem que a cena underground está perdendo sua autenticidade. O que você acha disso?
Para esse pessoa eu diria, que se possível, frequente mais shows da cena underground. E que a partir do contato com a experiência de diversos artistas que criam suas bandas, seus projetos e suas bandeiras, eu particularmente, não acredito que esta perdendo a autenticidade. Enxergo, ao menos, a cena suburbana do Rio de Janeiro e de outros pontos da cidade em um momento de reanimação pós-pandemia.
13. Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira até agora?
Acredito que até o momento tive poucos desafios. Quero me desafiar mais. Acho que o desafio maior que quero enfrentar ainda esse ano é viajar, sair do Rio de Janeiro e levar minha música para outros lugares.
14. Quais foram as suas maiores inspirações musicais ao longo da vida?
Minhas inspirações são minha família, amigos, livros e filmes. Dentre essas, posso falar do Primeiro Caderno do Aluno de Poesia de Oswald de Andrade e os filmes que eu vi no colégio. As músicas que tocaram na minha infância, que minha vó ouvia e as músicas que eu fui atrás tipo a da banda Os Mutantes, Vanguart e Ludovic.
15. Como você vê o futuro da música independente no Brasil?
Eu espero, acredito e confio em uma cena independente diversa. Gostaria de ver cada vez mais eventos que fossem inclusivos e que as pessoas pudessem se sentir cada vez mais a vontade de mostrar suas produções artísticas. Acredito que com minha música, gostaria de perpetuar isso. Um futuro positivo para quem faz seu próprio corre.