Entrevista: Piteco, cantor e compositor

Entrevista: Piteco, cantor e compositor

1. Seu álbum de estreia, “Sonhos de Plástico”, combina Rap Rock, Nu Metal e Manguebeat. O que motivou essa mistura de gêneros?

Essa mistura é resultado da minha formação enquanto músico. A minha real vontade de trabalhar com música e produzir algo que fosse autoral, surgiu em meados da década de 90, quando eu conheci o Chico Science e a Nação Zumbi e o Planet Hemp. Então, é natural e me sinto meio que “em casa” com essa estética sonora.

2. O álbum é descrito como uma crítica à influência do capitalismo e das redes sociais na essência humana. Como você desenvolveu essas ideias nas suas músicas?

Essas ideias partiram e partem da minha percepção de como o mundo vem funcionando nas últimas décadas. Eu não cursei uma faculdade, não tive um estudo formal, nem para escrever e compor e nem pra tocar e fazer música. Então, a forma como eu expresso minha visão de mundo e como eu chego nessa visão, acabam vindo um pouco de forma empírica, mas também trago muitas referências de muitos artistas, compositores e pensadores com os quais esbarrei ao longo dos anos.

3. Entre as faixas do álbum, “Olho Aberto”, “Passo Largo”, “O Show da Vida Fake” e “Sonhos de Plástico” são destaques. Pode falar um pouco sobre o conceito e a mensagem de cada uma dessas músicas?

“Olho aberto” é uma composição em parceria com Robnin, Juan Moreira e Laura Aria. É uma das músicas do álbum que tem uma influência mais Funk Rock e carrega alguns traços de Maguebeat. E a mensagem tenta trazer um pouco de esperança. De que apesar dos pesares é possível enxergar revoluções na alegria e no autoconhecimento. Que é importante também pensar no lado espiritual e entender que o todo é muito mais amplo, vai muito além dessa passagem. Achei que seria uma forma bacana de terminar o álbum, depois de tanta informação pesada.

“O Show da Vida Fake” já é bem mais literal! Fala de como minha geração nasceu e cresceu em um ambiente extremamente tóxico e como a não quebra desse ciclo de abuso nos trouxe a um agravamento de dinâmicas bem mais violentas nas relações sociais. Não foi o capitalismo que inventou o racismo, o machismo, a homofobia e todas essas violências, mas alimentou e alimenta toda essa estrutura de poder e ao mesmo tempo se utiliza das redes sociais para nos dopar, transformando as relações humanas em uma lógica de mercado, como se estivéssemos em uma bolsa de valores pessoal, ganhando e perdendo valor a cada dia, dependendo do que postamos.

Já a “Sonhos de Plástico”, na minha opinião, é a música que mais sintetiza a essência do disco, tanto em termos de sonoridade, quanto da mensagem. É basicamente um Rap Rock clássico com uma pegada bem Rage Against The Machine. A letra foca um pouco mais nessa dinâmica de como o capitalismo usa as redes sociais para deturpar nossa essência e programar nossas vontades de consumo. E o objetivo é mostrar que essa lógica de mercado que está sempre permeando todos os aspectos da nossa vida, transformou o sistema em uma grande máquina de enfermidades, tanto as físicas, quanto as mentais. O capitalismo e as redes sociais são extremamente nocivos à vida humana.

4. Você mencionou que a faixa-título “Sonhos de Plástico” critica a superficialidade e a alienação provocadas pelas redes sociais. Como você percebe o impacto dessas plataformas na vida das pessoas e como isso se reflete na sua música?

Isso é basicamente o tema central do álbum. O impacto gerado pelos smartphones na vida das pessoas é monstruoso. No geral, estamos todos completamente viciados nas redes sociais. Isso causa uma série de problemas mentais e tem causado grandes estragos, principalmente na vida dos adolescentes e crianças. Basta ver os dados do aumento no número de suicídios. Vejo que esse é um dos temas mais importantes da atualidade e me sinto até na obrigação de trabalhar esse tema.

5. A música “2 Pesos, Várias Medidas” foi escrita no início da guerra da Ucrânia. Como os eventos globais influenciam seu processo criativo e suas letras?

Acredito que a arte deve refletir os acontecimentos do seu tempo. Lembro que fiquei muito impactado com a cobertura extremamente racista da imprensa europeia. Alguns repórteres e/ou apresentadores chegaram a verbalizar que o ataque à Ucrânia era uma afronta de proporções apocalípticas, pois “não era um país qualquer da África ou do Oriente Médio, que sempre estão em guerra, mas sim, um país de pessoas brancas, loiras e de olhos claros, que se assemelham muito a si mesmos”. Condeno o ataque, assim como também condeno a postura da OTAN. Mas o que quis deixar claro com a mensagem, é algo que parece estar nas entrelinhas mas sempre esteve escancarado. Esses países ditos civilizados, na verdade são “fake civilizados”, e vão sempre ter dois pesos e várias medidas pra qualquer situação em que seus interesses estejam em jogo. Essa é só mais uma bela vantagem que o capitalismo nos deu.

6. Como foi a recepção do álbum até agora? Você já recebeu algum feedback que o surpreendeu ou que você achou especialmente significativo?

A recepção foi a melhor possível! Cinco músicas do álbum entraram na playlist Release Radar do Spotify. Foram muitos feedback positivos, mais de 40 playlist de usuários, várias publicações em blogs e portais especializados e algumas rádios online e também FM. Mas pra mim o mais especial é receber mensagens do público em geral, mais ainda de pessoas que ainda não conheciam meu trabalho e que elogiaram bastante o álbum e me colocaram no radar.

7. Você é natural de Belo Horizonte e atualmente reside em Botucatu-SP. Como suas origens e o ambiente atual influenciam sua música e suas letras?

Acho difícil traçar esse paralelo, porque saí de BH com 19 anos, e mesmo já compondo algumas músicas, passei por um processo grande de amadurecimento, tanto pessoal, quanto profissional e artístico. Então, pode ter sido a mudança ou não, mas o fato é que vir pra Botucatu me aproximou mais da música brasileira e da cultura regional. Na época de BH, até mesmo por ser uma cidade grande e mais cosmopolita, ainda estava numa onda bem mais Rock internacional, Punk e Hard Core.

8. Com 42 anos de idade e uma carreira que parece estar em ascensão, quais são suas principais influências musicais e como elas moldaram o seu trabalho?

Desde pequeno ouvi muita MPB e Rock clássico. Minha família também gostava muito de Samba e tinha uma forte ligação com o carnaval carioca. Na adolescência virei metaleiro, mas depois comecei a andar com a galera do skate e fui migrando mais pro Punk e pro Hard Core. Aí, pro Rap Rock e o Nu Metal foi um pulo. Acredito que sempre fui esse grande mosaico de ideias e sons, e isso sempre refletiu e sempre vai refletir no meu trabalho.

9. O que você espera que os ouvintes tirem da experiência de ouvir “Sonhos de Plástico”?

Eu espero conscientizar as pessoas que não há mais conciliação possível com esse sistema. Ou a gente acaba com o capitalismo ou ele acaba com a gente. O desastre já está aqui e podemos sentir e respirar ele todos os dias. Precisamos ter consciência e cuidar da raiz do problema.

10. Quais são seus planos futuros após o lançamento deste álbum? Está trabalhando em novas músicas ou projetos?

Acabamos de produzir o show, vamos lançar em breve um mini doc sobre o disco, com a banda tocando algumas músicas ao vivo e até o fim do ano, faremos um show de lançamento em São Paulo.

marramaqueadmin