Entrevista: Mauro Cassane, escritor

- O que o inspirou a escrever “Memórias de um comedor de bananas” e como surgiu a ideia para a trama?
Este romance é inspirado em milhares de pessoas desvalidas, miseráveis e fracassadas que, sem qualquer chance de mobilidade social, perambulam pelas grandes metrópoles em busca de algum abrigo mais quente e comida para aplacar a fome. A partir dessa realidade, isolei um personagem, como uma amostra, para contar sua história pessoal bruta, crua, trágica, mas também humana, pois são pessoas que, mesmo sem saber, mesmo em profunda ignorância, são igualmente tocadas pelo amor.
- Você menciona que a obra é narrada em primeira pessoa. Como essa perspectiva influencia a forma como a história é contada e recebida pelo leitor?
A narrativa em primeira pessoa cria, involuntariamente, uma maior proximidade do personagem com o leitor. Nessa obra em especial essa perspectiva é levada mais a fundo a ponto do protagonista, de fato, mesmo sapiente de ser algo impossível, tentar até mesmo dialogar com o leitor. O protagonista espera exatamente isso: conversar com o leitor e a percepção do leitor, logo no início da obra, é que, de fato, há esta tentativa cujo propósito é claro: o protagonista busca desesperadamente ser compreendido e, se possível, socialmente perdoado pelos erros que cometeu.
- A obra é comparada a clássicos como “O Apanhador no Campo de Centeio” e “Viagem ao Fim da Noite”. Quais elementos desses livros influenciaram a sua escrita e como você os incorporou em seu romance?
Esses dois clássicos da literatura mundial são narrados também em primeira pessoa e, em ambas obras, o protagonista é um jovem confuso e perturbado em constante conflito com a realidade à sua volta. O mesmo acontece com o protagonista de “Memórias de um Comedor de Banana” que se vê perdido em suas tentativas de sobreviver, mas fica completamente confuso diante de algo fora de sua realidade: o amor, pior ainda, um amor absolutamente impossível que gradativamente o leva para um mundo ainda mais obscuro que aquele que ele já conhecia.
- O protagonista do livro é descrito como um jovem que vive uma realidade muito dura e desoladora. Quais foram os maiores desafios ao criar um personagem tão complexo e perturbador?
Observar atentamente a realidade das ruas e entender que essa gente não é invisível como a maioria gostaria que fosse foi a matéria-prima elementar para criar o protagonista do livro. O personagem, que inclusive nem sequer tem nome, é a síntese dessas pessoas que perambulam por aí: pedintes, miseráveis, drogados, bêbados. Pessoas tristes e solitárias que são tratadas com repugnância e distanciamento mas que, quando recebem alguma atenção verdadeira, se sentem mais humanas e até momentaneamente felizes.
- Como a escolha de não dar um nome ao protagonista contribui para a mensagem e o impacto da história?
Foi proposital mesmo, para mostrar que há milhares de pessoas como o protagonista, na mesma situação que ele. São milhares de nomes, mas também centenas que nem sequer sabem exatamente o próprio nome ou idade. São os “invisíveis” que, muitos, não têm qualquer documento. Para as demais camadas da sociedade, considerando dos mais pobres até os mais ricos, isso parece absurdo e irreal, mas é real. Temos uma legião de humanos, brasileiros, sem nome, sem documento, sem nada. Pessoas que perambulam por aí, chamados de andarilhos quando vivem sem rumo pelos interiores ou “nóias” quando tentam sobreviver nas grandes cidades, até mesmo valendo-se de drogas baratas para aplacar a fome, disfarçar o frio e se esconder da realidade. A ideia dessa obra é humanizar os invisíveis.
- A narrativa é descrita como fluída e descontraída, apesar da trama ser perturbadora. Como você equilibrou esses elementos em sua escrita?
A técnica é oferecer ao leitor, o tempo todo, a sensação de que o personagem está mesmo dialogando com ele. Há momentos em que o protagonista confidencia algo para o leitor, em outro diz que nem sabe se tudo aquilo que escreve em papel que acha no lixo pode mesmo virar um livro. Esse diálogo é contínuo e provocativo, mas ao mesmo tempo respeitoso e humanizado. O texto acaba sendo envolvente mesclado com elementos que criam vínculos com o leitor. Em momento algum a narrativa se afasta desta toada, sempre lembrando ao leitor que, de fato, há uma conexão mágica entre quem escreve e quem lê.
- Você menciona que o livro trata da vida de pessoas invisíveis e marginalizadas. De que maneira você espera que os leitores se conectem com esses temas e com o protagonista?
Ainda que tratando de temas mais dolorosos, com um protagonista que é a síntese dos marginalizados, o pano de fundo, o cenário de toda obra é o amor e suas nuances mais surrealistas e fantasiosas À medida que o leitor vai consumindo novas páginas, iniciando novos capítulos, ele vai, gradativamente, percebendo que está mergulhando cada vez mais fundo, por conta da demasiadamente humana curiosidade de todos, em um universo perverso que permeia toda sociedade, mesmo as mais civilizadas. A curiosidade natural, nativa mesmo, com relação às perversões, devassidões e fantasias humanas vai levando o leitor a seguir em frente, capítulo por capítulo.
- O livro está em pré-venda com um desconto promocional. O que você espera que os leitores descubram e experimentem ao ler sua obra?
Espero que descubram que, por um valor abaixo de 50 reais, ou seja, por um valor muitas vezes mais em conta que uma boa pizza, é possível ter em mãos, em papel impresso, um livro contando uma história diferente, envolvente e surpreendente. A ideia é tentar trazer de volta o bom e velho prazer de uma leitura “offline” e sem pressa. O prazer de pegar um livro físico mesmo, sentir sua textura, seu peso, seu cheiro de impressora, papel e tinta e perceber, lendo poucas palavras, talvez lendo apenas dois ou três parágrafos, que é possível encontrar prazer na leitura. E, o mais legal, que é possível ter sensações com esse exercício maravilhoso para o cérebro.
- Você publicou anteriormente “A Falta”, um romance descrito como genuinamente kafkiano. De que maneira “Memórias de um comedor de bananas” se diferencia ou se relaciona com essa obra?
Penso que escritor tem que manter, agradando ou não, seu estilo. Não consigo mudar de estilo. Não faria isso para agradar um ou outro público. Meu estilo é um só: narrativas urbanas em primeira pessoa com algum realismo mágico. Na obra “A Falta”, que está disponível no modo digital na plataforma da “Amazon”, o personagem é um “bon-vivant” que vai conhecendo os anéis do inferno sem saber o que é pesadelo ou realidade, já neste novo livro “Memórias de um Comedor de Bananas” o protagonista nasceu literalmente no inferno e vai tentando, desesperadamente, sair dele, mas quando mais tenta, mais se afunda. Nas duas obras, os protagonistas são desprovidos de nomes.
- Qual foi a maior lição ou insight que você obteve ao escrever “Memórias de um comedor de bananas”?
O ato de escrever sempre nos oferece uma oportunidade maravilhosa de refletir de maneira mais aprofundada sobre um determinado tema. Esta obra me trouxe novas perspectivas sobre as pessoas que estão na mesma situação do protagonista. Ou seja, um olhar mais amoroso e acolhedor. Todos nós, individualmente, famoso ou não, rico ou pobre, somos protagonistas de nossas próprias histórias e, com toda certeza, com nuances extraordinárias. Seria possível escrever um livro maravilhoso, curioso e bem interessante sobre qualquer pessoa. Ninguém é desinteressante: essa foi minha maior lição ao finalizar este novo livro.
- Como você vê o papel de editoras como a Minimalismos na promoção de novos autores e suas obras?
Editoras como a Minimalismos estão fazendo um trabalho incrível de valorização da literatura nacional. É formidável a coragem e empreendedorismo deles em encarar o desafio de lançar autores que são bons e talentosos, mas não encontram espaço nas grandes editoras que preferem seguir o caminho seguro em apenas lançar livros de escritores já consagrados.
- Quais são seus próximos projetos e planos após o lançamento de “Memórias de um comedor de bananas”?
Estou trabalhando em uma história diferente de ficção futurista que vai retratar a cidade de São Paulo no ano de 2265. Não dá para falar muito sobre isso agora, mas posso adiantar que não vejo um futuro distópico como “1984”, do George Orwell ou “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, porém ambientalmente utópico mas, ainda assim, socialmente melancólico.