Entrevista: Marquinho Mendonça, compositor e multiinstrumentista
1. Daniel Reverendo deixou uma marca profunda na música tradicional brasileira. Como foi o processo de trazer à vida essas 13 obras inéditas que ele deixou?
Daniel Reverendo foi um grande Griot brasileiro e paulistano, trouxe para o contexto urbano, em composições inéditas a essência dos ritmos de tradição popular do interior do sudeste, na forma de jongos batuques e congados. Manter sua obra viva e divulgá-la é como um presente para a música, amplia fronteiras e engrandece nossa identidade cultural
2. Marquinho Mendonça, como você abordou a produção musical e os arranjos dessas músicas para manter a essência das tradições populares enquanto as trazia para um contexto moderno?
A essência dessas tradições populares estão principalmente no canto e nas percussões, as cordas e sopros que acrescentamos tentam trazer para a MPB e música latina canções que eram originalmente cantadas em danças de roda ou cortejo.Paulo Dias, Carlos Caçapava e Césinha que gravaram as percussões são profundos conhecedores desses estilos.
3. O álbum é uma celebração da diversidade cultural brasileira. Como você vê a importância de preservar e renovar essas tradições populares nos dias de hoje?
Praticar as tradições populares é manter viva as culturas de nossos cidade, de nossos territórios e de nosso país. Essas tradições são ao mesmo tempo a reza e a festa, a educação e a arte, é o que agrega e alegra, a grande força civilizatória de nosso povo. As escolas e famílias deveriam dar mais acesso às tradições populares.
4. O álbum conta com a participação de músicos renomados e da Companhia Tambu. Como foi o processo colaborativo entre todos esses artistas para criar uma sonoridade coesa?
Comecei esse trabalho da Cia Tambú junto com a cantora Fernanda de Paula e o percussionista Paulo Dias, para tocarmos as músicas do Reverendo. Após algumas apresentações resolvemos gravar e a partir daí fomos chamando os outros integrantes e participações especialíssimas. Acho que conseguimos registrar um repertório autoral inédito e importante da música sudestina, mantendo e ao mesmo tempo renovando essas tradições
5. “Fogueira Acesa” mistura ritmos regionais afro-sudestinos com elementos de MPB, jazz, blues e música latina. Como essas diferentes influências foram incorporadas nas faixas do álbum?
Esses ritmos populares afro sudestinos tem algumas características parecidas com blues e com a música Latina os arranjos são muito intuitivos e normalmente partem de eu imitar o batuque dos tambores no violão. Os sopros vem para colorir o ritmo que impulsiona a dança.
6. A afinação cuidadosa dos tambores com os violões foi um detalhe importante na gravação. Como esse cuidado com a sonoridade impactou o resultado final do álbum?
Os tambores tem notas assim como baixo violão de sete cordas ou qualquer outro instrumento. Trabalhar as afinações colocando a percussão no tom da música é muito importante para harmonizar as vozes e cordas. Além de percussionista e pianista clássico, Paulo Dias é um grande pesquisador e praticante das tradições musicais afro sudestinas, através do grupo Cachuera ajudou a difundir e fortalecer na cidade de São Paulo essas culturas, tanto ele quanto Carlos Caçapava são mestre nos toques e afinação dos tambores.
7. Daniel Reverendo tinha uma trajetória marcada pela música na igreja e pela escola de samba Rosas de Ouro. Como essas experiências influenciaram as composições apresentadas em “Fogueira Acesa”?
Tanto na infância ouvindo os hinos e músicos de sopro na igreja quanto a vivência na escola de samba Rosas de Ouro foram importantes para a formação artística do Daniel Reverendo mas foi através do contato com o grupo Cachuera que ele realizou suas pesquisas e conheceu toda a diversidade de gêneros musicais das comunidades do sudeste, o que o inspirou para composição de sua obra. Daniel Reverendo era também construtor artesão de tambores.
8. Como Daniel Reverendo conseguiu adaptar e inovar a música dos interiores para o contexto urbano, e como esse espírito de inovação foi preservado no álbum?
Daniel Reverendo era uma antena parabólica, compunha em vários estilos e fazia uma fusão de tudo que eu ouvia, e dessa forma ele conseguiu misturar de maneira harmônica melodias de samba no ritmo do jongo, ou música clássica em ritmo de congado. A cantora Fernanda de Paula conseguiu interpretar lindamente suas músicas, por ter uma voz muito forte que sustenta os tambores, como costuma ser nas tradições de rua e terreiros.
9. Quais são as expectativas para o lançamento de “Fogueira Acesa” nas plataformas digitais? Como vocês esperam que o público receba esse trabalho?
Espero que esse trabalho da Cia Tambú possa estimular as pessoas a conhecerem mais as culturas populares, apreciarem e participarem dessas tradições e festejos. Desejo que Daniel Reverendo, que partiu há 10 anos atrás, tenha o reconhecimento que merece como grande compositor e artista brasileiro. E queremos muito tocar esse repertório em shows.
10. Além do lançamento do álbum, existem outros projetos em andamento para continuar celebrando e divulgando a obra de Daniel Reverendo?
Alguns grupos e comunidades cantam suas músicas, o principal é o grupo Cachuera do qual ele fazia parte e compartilhava essas canções. Creio que com esse trabalho da Cia Tambú, muita gente vai querer ouvir mais esses repertórios e conhecer a arte desse grande compositor.