Entrevista: Leandro Faria, escritor
1. O que inspirou você a escrever “Limítrofe”? Houve algum evento ou experiência pessoal que influenciou a criação desta história?
Antes de escritor, eu sou um leitor compulsivo. E o romance é um dos gêneros que eu mais gosto, apesar de encontrar poucas tramas LGBTQIAPN+ em que o protagonismo seja de homens acima da faixa dos 30 anos. Amo que as novas gerações podem se ver retratadas em livros com representatividade jovem e adolescente, mas sentia falta de me identificar em um livro com homens como eu vivendo uma história de amor. Veio daí a ideia de começar eu mesmo a escrever um livro com essa temática e nasceu assim “Limítrofe”.
2. O título do livro, “Limítrofe”, sugere uma tensão entre fronteiras ou limites. Como essa ideia se manifesta na relação entre Ricardo e Robson?
Antes mesmo da história começar, eu coloco o significado da palavra “limítrofe” para os leitores. E, para além da tensão entre os limites, a palavra significa também “vizinhos”. A relação dos protagonistas Ricardo e Robson é exatamente assim, fronteiriça, de vizinhos de apartamento que se conhecem e se reconhecem em um momento delicado para ambos e que precisam se entender como homens que também se interessam um pelo outro, apesar dos desafios que essa relação trará para eles próprios e para os coadjuvantes que os rodeiam.
3. Você já explorou a temática do amor e das relações em suas obras anteriores? Se sim, o que diferencia “Limítrofe” das outras narrativas?
Meus livros anteriores como autor solo são dois suspenses (“Amizade Letal”, de 2022, e “Natureza Perversa”, de 2023), em que brinco com o gênero que me fez amar ler quando ainda era adolescente. Antes dos dois livros, escrevi em parceria com o Silvestre Mendes, um amigo querido, dois romances (“Apócrifos (im)Perfeitos” e “Pequenos Imprevistos”, ambos de 2020). A diferença de “Limítrofe” para estes romances é que se trata da minha primeira incursão como autor solo no gênero, sendo que na trama, a sexualidade dos protagonistas não os define, é apenas mais uma característica dos dois.
4. O relacionamento entre Ricardo e Robson começa a partir de um incidente e se transforma em algo profundo. Como você trabalhou o desenvolvimento dessa amizade que evolui para um romance?
Ricardo e Robson se tornam vizinhos quando o segundo se muda para o apartamento exatamente ao lado do primeiro. De encontros casuais no corredor a um incidente durante um treino de corrida de ambos, os homens percebem que, apesar da diferença de idade entre eles (Ricardo tem 42 anos; Robson, 35), eles têm muito em comum. O interesse de Robson, um homem gay e bem resolvido, é imediato. Com Ricardo, que está saindo de um relacionamento depois de se ver abandonado pela mulher, as coisas funcionam um pouco diferente. Porém, o que os dois protagonistas percebem é que sim, eles querem e podem ficar um com o outro apesar dos obstáculos que precisarão enfrentar para isso.
5. “Limítrofe” aborda questões de recomeços e descobertas. Como esses temas se conectam com os desafios enfrentados pelos personagens principais?
Robson sempre quis ser escritor e acabou se frustrando ao não conseguir um lugar ao sol no disputado mercado editorial brasileiro (qualquer semelhança com a vida do próprio autor é mera coincidência, risos!), ao passo que Ricardo é um homem que se considera heterossexual, que se vê terminando um casamento depois de 20 anos de relação. O encontro dos dois se dá exatamente nesse ponto de recomeço da vida de ambos, com um sendo decisivo nas reviravoltas na vida do outro.
6. Você acha que o romance entre Ricardo e Robson desafia as expectativas e preconceitos que ainda existem sobre relacionamentos LGBTQ+ na sociedade?
Totalmente. Apesar dos avanços da sociedade nos últimos anos, a onda conservadora que nos envolve mostrou que, apesar da atual “normalidade” com que muitas pessoas encaram a homossexualidade, as coisas não são bem assim como gostaríamos que fossem. Por isso, quando um protagonista como Ricardo (saindo de um casamento falido de 20 anos, pai de dois filhos adolescentes) se vê apaixonado por outro homem e se permite viver essa história com naturalidade, é uma forma de mostrar que as pessoas podem, sim, viver as experiências que desejarem, não importa que idade tenham, nem em qual contexto estivessem inseridos até então. Existem muitos Ricardos por aí e, se apenas algum deles ler “Limítrofe” e se identificar, já ficarei muito feliz.
7. Como a ambientação em dois apartamentos vizinhos contribui para a narrativa e a construção do relacionamento dos personagens?
O prédio em que os protagonistas moram, em Botafogo, é quase que um terceiro protagonista da história. Muito do que acontece na trama se passa ou no apartamento de Ricardo ou no de Robson. Além disso, outros moradores do prédio tem papel fundamental na trama, como Bárbara e Enzo (os filhos de Ricardo), Patrícia (a amiga de Robson e dona do apartamento para o qual ele se muda) e até mesmo o porteiro do prédio, uma figura clássica dos condomínios cariocas. Todos ajudam na ambientação e no desenrolar da trama.
8. Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou ao escrever “Limítrofe”? Houve algum aspecto da história que foi particularmente desafiador?
Quando comecei a trama, foquei exclusivamente na relação entre Ricardo e Robson: na apresentação dos personagens, no interesse mútuo nascendo para ambos. Até que cheguei em um ponto em que pensei: “tá, mas e o conflito?”. Eu já estava apaixonado pelos personagens, mas sabia que uma relação como a dos dois não seria tão simples como estava acontecendo. Para mim, trazer os “vilões” do livro, na figura de Cinthia (ex-mulher de Ricardo) e Daniel (ex-namorado de Robson) foi o tempero que faltava para a trama, mas até eu me dar conta disso, sofri um pouquinho durante o processo de criação.
9. Seu novo romance foi lançado em formato digital. Como você enxerga o impacto das plataformas digitais na literatura e na forma como os leitores consomem livros hoje em dia?
Eu amo livros físicos. Porém, para um autor independente, tal qual como Robson na trama de “Limítrofe”, ingressar no mercado editorial brasileiro é uma tarefa árdua. Tive uma experiência bastante ruim com uma editora independente em meu primeiro trabalho solo e lancei o segundo, inclusive a versão física, de maneira totalmente independente. Porém, descobri que a maioria dos meus leitores consomem o formato digital. Tanto nas avaliações dos livros na Amazon quanto na rede social Skoob, exclusiva para leitores, as avaliações e resenhas são, em maior parte, deste público específico. Assim, quando decidi lançar “Limítrofe”, optei, nesse momento, por fazê-lo apenas no formato digital. Mas, vai que uma editora me nota e decide realizar o lançamento tradicional? Tô aqui, aberto às possibilidades.
10. Você poderia nos contar um pouco sobre o processo de criação de “Limítrofe”? Quanto tempo levou desde a concepção da ideia até a publicação?
A ideia original de “Limítrofe” acabou sendo modificada um pouquinho durante o processo de escrita: no início, Robson seria um homem gay que, apaixonado pelo vizinho Ricardo, criaria um perfil feminino fake em uma rede social de relacionamento para tentar conquistar o homem heterossexual. Porém, logo no início da escrita, esse plano foi descartado e redesenhei o perfil dos personagens, com o relacionamento surgindo de maneira mais orgânica e natural, sem o “golpe” do perfil fake. E acho que gostei bem mais desse resultado.
Comecei a escrever a história entre o Natal e o Ano Novo do ano passado e botei o ponto final na trama em maio deste ano. Foram cinco meses no universo de Ricardo, Robson e companhia, onde me senti realmente parte desse grupo de amigos, criando um verdadeiro carinho por esses personagens.
11. Além de “Limítrofe”, você já tem planos para futuros projetos literários? Pode nos dar uma dica do que está por vir?
Estou com duas ideias em processo de maturação. Uma delas, uma espécie de spin off de “Limítrofe”, tendo como protagonista um personagem que orbita o núcleo de Robson, mas que se assume como um homem gay apenas no final do livro. Acho que dá pra desenvolver bem essa história e, principalmente, revistar esses personagens que tanto amei escrever. Depende, é claro, de como o público vai avaliar “Limítrofe”.
Já a outra ideia é meu retorno ao suspense, um gênero pelo qual sou apaixonado. Já tenho um esboço da trama que, inclusive, já comentei com algumas pessoas que se empolgaram com ela: contar a história de um serial killer carioca que escolhe suas vítimas entre nomes das artes plásticas e executa as mortes inspirado em obras de artistas famosos. Vem aí!