https://abacus-market-onion.top Entrevista: Joca_Georgia Guerra-Peixe, diretora de cena, fotógrafa e sócia da produtora Café Royal, - Marramaque

Entrevista: Joca_Georgia Guerra-Peixe, diretora de cena, fotógrafa e sócia da produtora Café Royal,

1.    Como surgiu a ideia de transformar suas fotografias e poesias em um livro?

A ideia surgiu no momento em que senti o desejo de criar algo tangível, algo que eu pudesse tocar e compartilhar com o mundo. O livro se apresentou como o formato ideal para unir e entrelaçar as duas expressões artísticas que mais me representam: a poesia e a fotografia.

2.    Por que o título “Quando Caminho”? O que ele representa para você?

O projeto, por muitos anos, foi chamado de “Por onde olho quando caminho”. Sempre foi um exercício de olhar diferente para os mesmos lugares, de praticar um olhar estrangeiro e capturar ações que me emocionam e impactam. Quando o livro começou a ganhar forma, percebi que poderia simplificar o título, destacando apenas a ação que me motiva: caminhar para encontrar pessoas. Afinal, “para onde olho” já está presente em cada fotografia. Assim, o título se transformou em “quando caminho”. Caminhar, para mim, neste projeto, significa presença. Quando caminho para fotografar, estou a poucos passos de muitas histórias. Isso me define: observar pessoas e perceber seus movimentos.

3.    O livro é descrito como uma imersão visual e poética. Como você espera que os leitores interpretem essa jornada?

Minha intenção é que os leitores sintam como se estivessem segurando minha mão, permitindo-se navegar com calma por este oceano de sentimentos, livres para se conectar e interpretar a jornada à sua maneira.

4.    A ausência de cores nas fotografias parece intencional. Qual foi o papel do preto e branco na narrativa do livro?

No preto e branco, encontro a exaltação da forma, a atenção ao enquadramento e a harmonia dos quatro cantos de cada imagem, sem que um tom mais forte desvie o olhar. Foi por isso que, durante tantos anos, pensei e fotografei exclusivamente em preto e branco. Com o tempo, porém, comecei a sentir a necessidade de incorporar a cor. Foi nesse momento que percebi que o livro poderia marcar essa transição estética. Por isso, escolhi encerrar o livro com duas poesias que falam sobre mudança e tempo, anunciando a chegada da cor, que será a linguagem do meu próximo projeto.

5.    Entre as cidades retratadas, há alguma que tenha um significado especial para você? Alguma história marcante que possa compartilhar?

Barcelona tem um significado especial para mim, especialmente pela fotografia dos meninos brincando em frente a um muro marcado por tiros da Guerra Civil Espanhola. Essa imagem, que combina alegria e guerra, mexe profundamente comigo. Também há a fotografia da mulher no ônibus em Berlim, me faz questionar quem ela é, enquanto a melancolia presente na cena se mistura com a curiosidade que sinto por ela e o equilíbrio técnico da imagem. Mas, na realidade., cada fotografia tem sua própria história, e eu poderia escrever sobre cada uma delas. Porém, não consigo apontar uma cidade que me marque mais do que as outras — todas têm seu lugar especial e no fundo não estamos falando de lugares, mas de pessoas.

6.    Você menciona que suas poesias e fotografias se entrelaçam. Como é esse diálogo criativo entre imagem e palavra?

É um diálogo em que as imagens carregam poesia, e as poesias têm a leveza imagética. É assim que elas conversam. Se a fotografia representa o caminho, a poesia é a pausa, o descanso ao longo dessa jornada.

7.    Como diretora de cena e documentarista, seu olhar é naturalmente treinado para narrativas. Isso influenciou a forma como você compôs o livro?

Sim, influenciou. Eu fotografo com o olhar de uma documentarista, e isso se reflete na construção do livro, que tem uma narrativa do início ao fim. A história é contada a partir da leveza de quem brinca, passando pela vida de forma delicada e fluida na cidade,  terminando com a força e a profundidade da maturidade. Cada fotografia carrega uma parte dessa jornada, compondo um retrato contínuo da experiência humana.

8.    O livro reúne 14 anos de registros. Como foi o processo de selecionar as mais de 60 fotografias que compõem a obra?

O processo de seleção das imagens e poesias foi intenso e cheio de significados. Revisitei vários momentos da minha vida e, aos poucos, fui entendendo quais registros fariam parte do livro. As imagens foram se conectando entre si, como se cada uma encontrasse naturalmente seu lugar. Já as poesias foram selecionadas a partir de um conjunto de cerca de 50 textos. Escolhi 15 e contei com a ajuda de minha amiga poeta, Silvia Camossa. Juntas, fizemos recortes e escolhas, moldando a força narrativa que desejávamos transmitir.

9.    Quais foram suas principais inspirações para o livro, tanto na fotografia quanto na poesia?

Na poesia, minhas maiores inspirações são Cecília Meireles e Manoel de Barros. Cecília me inspira pela força de sua linguagem, pela sensibilidade do feminino e por frases como “Não sou alegre nem sou triste, sou poeta”. Já Manoel me encanta pela maneira única como brinca com as palavras, roubando-as de lugares inexistentes, e por reflexões como “É difícil fotografar o silêncio. Entretanto, tentei.”

Na fotografia, minhas referências vêm de Sophie Calle, uma artista francesa, que me inspira por seus projetos viscerais e espontâneos, que nascem de experiências pessoais. Sua relação profunda com a fotografia e sua capacidade de transformar projetos em livros, coletâneas ou exposições, como “Cuide de você”, 2009,  me impressionam profundamente.

Outro nome marcante para mim é Walter Firmo. Seu olhar jornalístico, sua captura da brasilidade e o uso impactante do preto e branco são elementos que me tocam e inspiram em minha própria fotografia.

10.  Como sua formação em cinema e suas experiências como diretora influenciaram seu olhar para o mundo da fotografia documental?

Minha formação em cinema influenciou profundamente meu olhar para os lugares por onde caminhei, não tanto pela estética, mas principalmente pelas histórias e pelas escolhas de personagens. Minhas fotografias têm personagens que as habitam, trazendo vida e significado às imagens.

11.  Seu longa-metragem “O Samba que Mora em Mim” também aborda a valorização de histórias humanas. Existe um elo entre o filme e o livro?

Sim, existe um elo entre O Samba que Mora em Mim e o meu livro, pois ambos refletem minha busca na vida: olhar, admirar e absorver a essência da existência humana. Essa conexão é tão presente que o livro traz como subtítulo “uma espécie de fé na jornada do outro”, traduzindo meu desejo de explorar e valorizar as histórias que nos cercam.

12.  Você acredita que o livro é também um convite à empatia e à conexão humana? Como isso dialoga com seu trabalho no Instituto Sapiência?

quando caminho é, sem dúvida, um convite à empatia e à conexão humana. É um chamado para olharmos o outro com mais atenção e para enaltecer sua existência. Essa ideia está profundamente conectada com aquilo em que acredito. Meu trabalho se liga diretamente ao Instituto Sapiência, e o Instituto, por sua vez, alimenta o que vivo e expresso artisticamente. Juntos, eles formam um ciclo que reflete meus valores e minha visão sobre a importância da conexão humana.

13.  O livro destaca a “fragilidade humana” em meio ao cotidiano. Como você enxerga essa fragilidade na sociedade atual?

Vivemos sob a ameaça constante da velocidade da cidade, das construções urbanas, e de uma guerra civil invisível, manifestada em assaltos, balas perdidas e outras formas de violência. Ainda assim, não entregamos nossos dias nem nossos sonhos à deriva. Na verdade, é a consciência da nossa fragilidade que se transforma em nossa maior força, nos impulsionando a seguir em frente apesar dos desafios.

14.  Como sua vivência em diferentes cidades e culturas contribuiu para seu crescimento pessoal e profissional?

Minha vivência em diferentes cidades e culturas sempre contribuiu para o meu crescimento, tanto pessoal quanto profissional. Sair da zona de conforto me desafia, me ensina a enxergar o mundo por novos ângulos e me oferece a oportunidade de aprender com as diferenças.

15.  Agora que lançou seu primeiro livro, pretende continuar explorando a fotografia e a poesia em outros formatos?

Meu próximo projeto será uma combinação poesias com fotografias, mas com uma proporção maior dedicada às palavras. Estou trabalhando em uma linguagem visual de texturas que possa acolhê-las de maneira única. Ainda não tenho um título definido, mas o tema central será o ser humano, algo que me encanta profundamente e que desejo explorar ainda mais.