Entrevista: Chirlei Wandekoken, diretora e sócia-fundadora da Pedrazul
1. O que motivou a criação da Pedrazul Editora há 12 anos?
Eu sempre amei literatura inglesa e no Brasil não havia traduções dos livros que eu queria ler. As editoras vigentes sempre lançavam mais do mesmo, as obras de Jane Austen em traduções diferentes e alguma coisa de Charles Dickens, ainda assim obras incompletas. Certa vez, conversando com minha amiga Andrea Pirajá em frente a lareira de minha casa em D. Martins, num chalezinho antigo, simples, eu falava para ela que estava tentando ler Villette e Shirley, de Charlotte Brontë, em inglês, mas que estava tendo muita dificuldade, e lamentava que as editoras no Brasil não trouxessem mais obras traduzidas. Andrea contou um fato, que havia ido a uma livraria em Vitória, daquelas de Shopping, e que havia pedido um livro de Jane Austen e a pessoa que atendeu nunca tinha ouvido falar da autora. Rimos, pois Austen é a autora inglesa mais conhecida do mundo. E continuamos a falar dos autores que eu e ela queríamos ler, e ela me desafiou a abrir uma editora de clássicos. Lembro-me até hoje da frase que ela me falou: “Chirlei, você é tão empreendedora, por que você não abre uma editora de clássicos ingleses?” Eu respondi na época que o brasileiro não lia, que era uma aposta muito arriscada e que eu não entendia nada do funcionando do mercado editorial. Um mês depois, meu atual sócio, o publicitário Eduardo Barbirolli, me chamou para montarmos uma editora. Obviamente, Eduardo tinha algo diferente em mente, mas eu achei que foi um sinal do Céu e abrimos. O primeiro livro lançado foi Villette, de Charlotte Brontë. O segundo foi Shirley. E de lá para cá já lançamos centenas de clássicos, todos inéditos no Brasil, autores que o leitor brasileiro sequer ouvia falar ou sabia que existia, mas todos best-seller em sua épocas, séculos XVIII e XIX.
2. Como foi o processo de escolha do nicho de clássicos ingleses para a editora?
Eu sempre AMEI literatura inglesa. Quando digo literatura inglesa estou envolvendo todos os países que falam esse idioma. Não somente a Inglaterra, mas Escócia, Irlanda, USA, Canadá etc.
3. Qual foi o maior desafio enfrentado pela Pedrazul Editora ao longo desses anos?
O desafio financeiro.
4. Pode nos contar mais sobre a relação da Pedrazul com a obra de Jane Austen?
Meu primeiro contato com a literatura inglesa foi com Austen, que eu amo. A Pedrazul trouxe praticamente todos os autores que influenciaram o estilo de Jane Austen. Exemplos: Frances Burney, autora de Evelina, Cecilia, Camilla e A Andarilha. Trouxemos todos. E são livros de quase mil páginas. De Evelina, Austen retirou o “modelo” para Mr. Darcy, o mocinho de Orgulho e Preconceito. De Cecilia, o próprio título de O&P, que antes era Primeiras Impressões. Burney foi a principal influência de Austen. Triuxemos também os livros de Maria Edgeworth, que Austen citou em A Abadia de Northanger. Ela citou Belinda, mas trouxemos diversos outros. Trouxemos Samuel Richardson, o “pai” do Romantismo, O livro é Pamela. Trouxemos os livros da pioneira do romance gótico, Ann Radcliffe, citando também por Austen. O livro mais conhecido de Radcliffe é Os Mistérios de Udolpho, mas trouxemos praticamente todos desta autora. Trouxemos o livro citado em Austen Emma, Os Filhos da Abadia, de Maria Regina Roche, uma autora irlandesa. Este livro também foi lido por nosso José de Alencar.
5. Como surgiu a ideia da “Lojinha da Fábrica” e qual é o conceito por trás dela?
Surgiu justamente porque no ES a Pedrazul é desconhecida. Temos leitores do Brasil todo e até em Portugal, mas em Vitória poucos conheciam a Pedrazul. E porque eu queria trazer o conceito antigo da livraria de rua, com um café, com atendentes que leram os livros e conhecem os autores.
6. O que os leitores podem esperar da experiência na “Lojinha da Fábrica”?
Livros sensacionais, pois trazemos apenas os melhores que há no mundo da literatura. E inéditos no Brasil. Quem ama um bom romance, um livro clássico, uma história que ensina para a vida, com uma tradução atual, sem grandes rebuscamentos, pode ir à Lojinha da Fábrica da Pedrazul que se sentirá em casa.
7. Como a Pedrazul Editora tem contribuído para a divulgação de clássicos que eram inéditos no Brasil?
A Pedrazul é, atualmente, a editora dos clássicos inéditos no Brasil. Preenchemos uma lacuna.
8. Quais são os planos futuros da Pedrazul Editora para expandir suas atividades?
Nós já possuímos um clube de assinatura de livros bimestral e brochura, que entrega dois livros, um deles é o brinde. Mas nosso plano é passar para mensal, em capa dura. E sermos o maior cube de assinatura de literatura inglesa do Brasil.
9. Pode nos falar sobre a campanha de doação de livros e seu impacto social?
Toda pessoa que levar um livro no dia da inauguração, qualquer livro, receberá outro livro de presente. Os livros recebidos serão doados para escolas municipais. Precisamos formar novos leitores e tirarmos essa criançada do celular, pois isso está adoecendo nossas crianças. No passado, não se ouvia falar em crianças e jovens ansiosos, atualmente isso é uma realidade. As redes sociais estão “matando” a autoestima desses jovens, pois tudo ali é um palco. A leitura de um bom livro clássico resgata a autoestima. Um exemplo é o livro Anne de Green Gables, de Lucy Maud Montgomery, cuja heroína é conhecida como a “heroína da felicidade”. Este livro é uma escola de como se aceitar. Tem uma série na Netflix, Anne With E.
10. Como a Pedrazul Editora tem se posicionado no mercado editorial brasileiro diante das mudanças tecnológicas?
Acompanhado as mudanças. Nossos livros são em dois formatos, físico e em e-book. Nosso clube de assinatura tem assinatura para os dois formatos.
11. Se pudesse escolher um personagem literário para representar a Pedrazul Editora, quem seria?
Scarlet O’Hara, de E O Vento Levou, de Margaret Mitchell. Pela força de “nunca desistir”.
11. Existe algum livro que você se arrepende de não ter publicado pela Pedrazul?
Não. Publicamos todos que queríamos e publicaremos mais centenas deles. Publicamos até aqueles imensos, de quase mil páginas, que nenhuma editora apostaria.
12. Como você responde às críticas de que a Pedrazul Editora se foca demais em clássicos ingleses em detrimento de outras literaturas?
Este é o nosso nicho. Não recebemos críticas sobre isso. Entramos numa brecha que o mercado literário negligenciou.
13. Qual é a sua opinião sobre a popularização dos e-books e como isso afeta uma editora que valoriza o livro físico?
Isso é normal. Por exemplo, eu amo o livro físico. Mas meu filho, Júlio Cesar Wandekoken Filho, 33 anos, ama os dois formatos. Adquire o físico para ter uma linda biblioteca, mas leva o Kindle quando viaja, pois é mais fácil de carregar. O mesmo com minha filha, Amanda Wandekoken, 30 anos. Não abre mão do livro impresso, mas lê nos dois formatos, à noite prefere ler em e-book. Assim são nossos clientes nessa faixa etária. Alguns compram os dois formatos. Creio que o livro físico será como o vinil, sempre haverá seu público.
14. Como a sua paixão pelos clássicos ingleses influenciou sua trajetória como editora?
Totalmente. Como editora-chefe, sou a pessoa que escolhe o que será traduzido, a principal curadora. Eu nunca trago um livro que eu não queira lê-lo. Obviamente, sempre ouvimos as sugestões de nossos leitores.
15. Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira desde a fundação da Pedrazul Editora?
Foram tantos. A criação do nosso clube de assinatura em 2019; participação na Bienal do Rio. Na verdade, cada novo lançamento é um momento incrível. Quando pego um livro impresso e o cheiro, abraço, pois não é uma jornada fácil. Nada é fácil, o processo de produção de um livro envolve muitas etapas, mas para mim é um caminho delicioso, pois amo o que faço.
16. Qual conselho você daria para alguém que deseja iniciar uma carreira no mundo editorial?
Estude literatura, para trazer algo diferente. E, se for o que a pessoa amar, por que não!?