Entrevista: Bel Medula, duo de eletrobeat

Entrevista: Bel Medula, duo de eletrobeat

1. O EP Giro explora diferentes referências musicais como samba rock, Jovem Guarda e brega. Como vocês chegaram a essas influências e como elas se conectam com o som que o Bel Medula já vinha desenvolvendo?

Essas referências sempre estiveram com a gente. Fazem parte da nossa escuta, do que ouvimos em casa quando estamos nos divertindo e não trabalhando. Sempre acabam entrando também, de um jeito ou outro, no nosso som. Talvez um pouco menos nos dois álbuns antes de Giro (Abala Ladaia e A Dança do Caos) porque estes trabalhos tinham uma pegada mais eletrônica, próximo da música de pista. Ainda assim, músicas como Te Dizer e  Samambaia, que são destes discos tem essa referência. Nos álbuns anteriores, dá pra citar Nome no Mel e Dona Quixota como músicas que já dialogaram com esse universo.

2. O nome Giro tem um significado especial para o duo. Podem nos contar um pouco mais sobre a escolha do título e como ele reflete a proposta do EP?

Pra nós Giro é substantivo e verbo. É tanto uma afirmação que “eu (nós) giro (giramos)” como também o próprio girar. Escolhemos este título porque indica uma passagem, um movimento. Um giro da vida e um giro do trabalho. Passamos por muitas transformações pessoais e artísticas desde A Dança do Caos e esse lançamento representa isso. Giro segue de onde A Dança do Caos parou e ainda não é uma chegada, é mais um caminho. Estamos trabalhando num conjunto de canções inéditas, sem nenhuma previsão de lançamento, que são uma coisa nova pra nós. E esse novo lugar só será possível porque houve Giro. De todas as palavras que poderiam ser escolhidas pra simbolizar esta ideia, escolhemos Giro muito pela referência às giras de umbanda. Somos de terreiro e na gira giramos.

3. Algumas das faixas do EP foram compostas há mais de 10 anos e só agora estão sendo lançadas. Como foi o processo de resgatar essas canções e dar a elas uma nova roupagem?

Fizemos muitos shows do Abala Ladaia e o repertório daquele momento era mais ou menos fechado. Tinha alguma variação mas ficávamos em torno de um universo fixo de canções. Em um dado momento, pensamos em mudar o repertório, tocar umas canções novas. Aconteceu que tínhamos já gravado as canções da Dança do Caos, o trabalho estava na etapa de mixagem e os prazos se alargaram. Neste hiato, fomos buscar essas canções antigas pra tocar nos shows e com isso aproveitamos pra testar ideias e jeitos de tocar que estávamos querendo trazer pra nossa performance. Gostamos do resultado e passamos a considerar gravar e lançar. 

4. A produção de Mario Arruda foi um elemento importante na criação do EP. Como foi a colaboração com ele e de que forma isso influenciou o resultado final?

O Mário é um cara incrível. Ele é muito animado com a produção musical e nos contagiou com essa animação. Também trouxe uma série de referências que somavam com as nossas, fazendo com que o universo do Giro fosse ainda mais amplo. No resultado final isso somou com visões de arranjo e estrutura que não teríamos sem ele. A gente gravava uma guitarra ou um vocal, por exemplo, com a nossa ideia e ele logo sugeria “vamos gravar de novo de um jeito diferente”, depois essas versões eram somadas ou viravam uma nova parte do arranjo e com isso a canção ia por um caminho diferente.

5. O EP traz uma mistura de intensidades musicais, com momentos mais suaves e outros mais intensos. Como vocês equilibraram esses contrastes dentro do projeto?

A gente pensa esses contrastes como uma narratividade dramática. Como se fossem as cenas de um filme, tem a cena romântica, a de perseguição, a de tensão, de drama, de vitória, etc. o equilíbrio vem da sensação de, no todo, ser uma história bem contada, coerente e sem monotonia. 

6. A faixa Teus Olhos se inspira em artistas como Reginaldo Rossi e a Jovem Guarda. Como foi o processo criativo por trás dessa música e o que vocês queriam transmitir com essa sonoridade?

Essa música vem de uma fabulação. No Rio Grande do Sul existe um universo musical que é a cultura do Bailão. É algo que fica entre a música nativista e o brega. É uma música periférica, que ocupa o mesmo espaço social que a música de artistas como Reginaldo Rossi, Odair José e Diana, por exemplo. A fabulação foi imaginar que essa música era o novo lançamento de um cantor deste meio. O Luciano compôs essa música há uns vinte anos, com essa ideia de imaginar ser a música de outra pessoa. A resposta nos shows, quando tocamos mais recentemente, foi muito boa e decidimos gravar. Na gravação acabaram acontecendo umas guitarras meio The Ventures meio Dick Dale, que trouxeram ainda outra camada de imaginário pra música.

7. Quebrada do Tempo traz influências do Norte e da música de Dona Onete. Como foi explorar essas sonoridades e o que essa faixa representa no contexto do EP?

Explorar estas sonoridades foi algo muito prazeroso pois se liga a músicas que são da nossa escuta afetiva, Dona Onete obviamente incluída. Se a gente for chamar o EP de disco, é um disco de pizza com quatro sabores. Pensamos que cada sabor tem que se destacar em relação aos demais, ter uma contribuição única que não se confunda.

8. A capa do EP, assinada por Vini Angeli, é vibrante e cheia de referências. Como foi o processo criativo para a arte visual e como ela se relaciona com a proposta musical de Giro?

A história da capa começa com a foto, que é do Lau Baldo. Essa foto foi tirada no camarim de um show e não foi um show qualquer. Foi o primeiro show da fase pós Abala Ladaia e o primeiro em que estas músicas foram tocadas ao vivo. Também foi o primeiro show que a gente fez sem trilha e com uma banda completa nos acompanhando desde 2019. O Lau fotografou o show e fez, entre tantas, essa foto no camarim, enquadrando só as nossas pernas. Achamos um registro muito bonito e expressivo e pensamos que seria uma imagem muito ligada ao repertório do EP. O Vini Angeli trabalhou a partir da foto e trouxe todo um universo de cores, intensificando o simbolismo e intensidade do conceito. Logo, usamos a foto como base para os vídeos que criamos para os visualizer do Spotify.

9. Vocês mencionam que o EP foi um interlúdio entre os álbuns anteriores. Podemos esperar alguma continuidade das temáticas ou sonoridades de A Dança do Caos no futuro?

Sim! Não vamos abrir mão daqueles graves! A Dança do Caos foi uma conquista. Estamos indo em frente mas levando o que conquistamos. Uma das coisas que mais gostamos na Dança do Caos é que é um disco de música eletrônica que soa mais como tocado do que como programado. Levamos isso pros shows também. E isso foi um dos pilares na produção de Giro, é eletrônico mas soa como banda. 

10. Recentemente, vocês levaram a turnê de A Dança do Caos ao Nordeste. Como foi a recepção do público e o que essas apresentações trouxeram de novo para o projeto?

Os shows foram ótimos. A turnê foi realizada com apoio da Bolsa Funarte de Música – Pixinguinha. Esse apoio garantiu uma estrutura técnica e de equipe que nos permitiu apresentar o show completo. Também contamos com participações de artistas locais nas cidades em que tocamos, Daniel Jesi em João Pessoa, Sofia Freire em Recife e João Meirelles em Salvador. João que é o produtor de A Dança do Caos, então foi uma felicidade fazer um show com ele. A recepção do público foi muito boa. Decidimos fazer este shows no nordeste justamente por termos um contato sempre positivo com o público. É uma das regiões que tem melhor receptividade ao nosso trabalho. Às vezes o que vem de novo não é necessariamente algo objetivo. No caso da turnê, tem o contato com um público inédito, nunca tínhamos tocado em Recife. Tem também as parcerias que se reafirmam, como foi o caso do BBS Studio de João Pessoa, do Jesi. Nunca tínhamos tocado lá mas já tínhamos uma parceria com ele de alguns anos pelo projeto #30dias30beats. 

11. Vocês estão no cenário musical há algum tempo e já participaram de vários festivais nacionais e internacionais. Como vocês veem a evolução do Bel Medula ao longo desses anos e quais são os próximos passos?

O caminho nunca é linear, às vezes as coisas vão dando certo por um tempo e depois parece que não. No geral, achamos que o trabalho tem se consolidado e crescido. Claro que algumas vezes precisamos rever rumos e fazer mudanças mas esse é o caminho de todo trabalho artístico. Quanto aos próximos passos, decidimos dedicar os últimos e também os próximos meses a produzir muito em estúdio, pra dar forma a uma série de ideias que estavam por perto mas que não encontrávamos muita agenda pra realizar. Isabel tem trabalhado em canções com piano solo, Luciano tem feito uns sambas com guitarra distorcida e baixo sint. Tem a ideia de fazer um disco/show com banda e um som mais pesado, pro lado do rock. Tem ainda uma linha que são canções com temática de terreiro, com percussões e sopros e que tem uma proximidade com rimos afro cubanos. Temos trabalhado tudo isso ao mesmo tempo e sem muita preocupação ainda com prazos ou mesmo com o formato. Vai ser um disco com um pouco de cada coisa? Vão ser vários discos lançados juntos? Vai ser uma série de EPs lançados a intervalos regulares? Tudo pode ser e pode não ser, ainda não sabemos.

12. A experimentação sempre esteve presente no trabalho de vocês, tanto na música quanto na performance. Como vocês continuam a inovar e explorar novas possibilidades criativas no som do Bel Medula?

A música experimental é um dos nossos pilares. Fazemos muita coisa baseada em improvisação e na experimentação com sonoridades. Nem sempre é uma faceta mais visível do trabalho mas está sempre lá. A Isabel lançou este ano três álbuns que se enquadram nesse contexto (Jacy, Caleidoscópia e Anima do Inevitável, todas no Spotify, somente Jacy foi lançado apenas no Bandcamp). Também fazemos trabalhos com audiovisual e com frequência fazemos apresentações com vídeos. Às vezes um recorte disso entra pro repertório de canções, ou nos shows abrimos uma janela pra improvisação experimental. A gente até consegue saber onde uma ideia nasce, se mais canção ou mais experimental mas uma vez que está no nosso universo sempre pode aparecer em qualquer contexto.

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