Entrevista: Bea Machado, artista plástica

1.   O livro “Bea Machado Arts – pinturas e esculturas” reúne 40 anos de sua trajetória. Como foi revisitar toda a sua carreira para essa publicação?

Pensar este livro em que faço uma retrospectiva de minha carreira me obrigou a olhar, avaliar, ver o que considero importante. Pude observar a dinâmica desse processo que passa pela escultura, predominantemente figurativa, pintura – figurativa e abstrata -; a quantidade de temas sobre os quais me debruço; a evolução do uso das cores que foi dos monocromáticos à explosão de cores que é o meu caminho atual. Com o auxílio da cor exploro formas, aplicando-a livremente, sem medo, sobre os potes, minha paixão atual. Observei, ainda, selecionando as obras, que meu processo envolve pintar ,re-pintar, mas tenho alguma dificuldade em considerar uma obra realmente acabada. Consola-me saber que estou em boa companhia, já que até Cézanne enfrentava o mesmo problema. Revisitar essa trajetória foi como um reencontro com o meu próprio processo criativo, que continua a se desdobrar e a se expandir, desafiando-me a cada novo passo.

2.   O que o público pode esperar de diferente nas obras inéditas que estão sendo apresentadas no livro?

Enquanto artista plástica acredito, entre outras coisas, que o público se sentira’ atraído pela força das obras, pela economia de traços e muitas delas, e pelo meu uso da cor. Há alguns anos venho explorado as possibilidades da cor, e com isso, relendo, de forma pessoal, liricamente, os principais momentos da arte moderna que fizeram da cor canal de expressão como, por exemplo, o Fauvismo e a Pop-Arte.

3.   Os capítulos do livro são organizados como “atos”. Por que optou por essa estrutura e o que ela representa para você?

Como mencionei anteriormente, sou um artista versátil que, ao longo desses 40 anos, têm explorado diversas expressões do “handmade”, como a escultura e a pintura. No entanto, também já afirmei que sempre vejo meu trabalho como algo “inacabado”, sujeito a alterações e aprimoramento, buscando incessantemente persuadir a mim mesma e ao público de sua plenitude. Portanto, sinto meu estúdio como palco de ensaios diários, onde exercício essa crença no processo criativo. Por isso, esta Obra está dividida em “atos”, organizada em torno de alguns temas como: Abstratos – informal e concreto; Gestos; Copas; Potes; Cores e Formas; Esculturas.

4.   A crítica Sônia Siqueira destaca seu protagonismo na arte. Como você enxerga essa afirmação e como isso influenciou seu trabalho ao longo dos anos?

Em primeiro lugar, como todo artista, nunca me preocupei com protagonismos, em abrir novos espaços. Já afirmei que a arte para mim não é “uma coisa mental: análise, pesquisa e, finalmente, execução. Mas um processo em que os gestos nascem dum embate com a tela. O quadro surge quando toco a tela com meu pincel. Sendo assim, esse possível protagonismo me trouxe ainda mais responsabilidade em ser fiel à minha essência artística, buscando evoluir constantemente e me desafiar em cada nova obra. Enfim, ser vista como protagonista me impulsiona a aprofundar minhas pesquisas, dialogar com outras formas de expressão e, principalmente, a não temer a ousadia.

5. Qual a importância desse livro para sua carreira e para a conexão com o público?

Este livro é o resultado de uma vida artística com seus percalços, contradições e escolhas. Primeiramente, enquanto mulher-artista tive que, fazer escolhas nem sempre favoráveis a minha produção: casamento, maternidade, vida diária. Em segundo lugar, a própria condição de mulher-artista não é muito confortável – temos que enfrentar pré-julgamentos e rótulos. Assim, quando decidi retomar minha carreira – ela nunca foi estancada, mas não era prioridade –  desejei que o público conhecesse minha práxis artística, a artista Bea Machado.

6. Você começou nas artes ainda criança, com aulas de pintura. Como essa formação inicial influenciou sua escolha por uma carreira nas artes?

Essa base foi essencial para minha escolha pela carreira artística porque plantou a semente da experimentação e da inquietação criativa que me acompanha até hoje, permitindo-me transitar entre a pintura, a escultura e outras formas de expressão artística. A partir daquelas aulas criei um vínculo intensa com a Arte, sobretudo com a Cor, substituída pela monocromia em situações especiais.

7. Sua obra transita entre pintura e escultura. Como você equilibra essas duas formas de expressão? Existe uma que prefere?

Como grande parte dos artistas considero pintar e/ou esculpir algo natural, o que difere é apenas a relação com o espaço. A pintura é bidimensional, se insere na superfície da tela, enquanto a escultura é tridimensional,  se joga no espaço. A preferência por uma ou outra forma de expressão depende do momento.

8.   A série “Copas” é descrita como antecipando a visão de drones sobre o mundo. Qual foi a inspiração para essa série e o que ela simboliza para você?

Esse olhar de “sobrevoo” no mundo faz parte da criação artística. O artista pode estilhaçar os objetos como aconteceu com os cubistas ou criar perspectiva aérea. Meu desejo foi um olhar a distância, que capturasse apenas a forma, na trilha de Monet que transformou lagos e nenúfares em pinceladas intensamente coloridas.

9.   A argila e os potes são temas recorrentes no seu trabalho. O que esses elementos representam em sua arte?

A argila e os potes são, atualmente, temas recorrentes no meu trabalho e têm um significado profundo para mim. A argila, como material, está na gênese de muitas das primeiras formas de expressão humana. Ela é, ao mesmo tempo, frágil e poderosa, moldável e transformadora, e isso reflete muito da minha vida e minha jornada artística. Os potes, por sua vez, são mais do que objetos, são símbolos de um processo contínuo de criação, desconstrução e reconstrução, e refletem a forma como vejo meu estar-no-mundo com suas contradições, quebras, suturas, monocromias, cores, luz.

10. Seu uso de cores é marcante, especialmente o “Azul Bea Machado”. De onde vem essa relação com as cores e como elas dialogam com suas obras?

Me apaixonei pela cor na infância, reafirmei esta paixão ao estudar química, mas em alguns momentos, em função das circunstâncias, a abandonei. Hoje, reencontrei esta paixão e uso as cores com intensidade, principalmente o azul, que denomino “azul Bea “por sua luminosidade e capacidade de transformação.

11. Algumas de suas esculturas pertencem a coleções particulares e estão há anos sem serem vistas pelo público. Como você encara a relação entre arte pública e privada?

De forma natural, ainda que haja particularidades na relação com o espectador. Quando ela se encontra numa coleção privada estabelece uma conexão íntima com o colecionador. Por outro lado, quando é exposta ao público, ela dialoga com um número maior de pessoas, provocando reflexões coletivas e se tornando um marco cultural acessível a todos. Eu vejo essas duas dimensões como complementares. Em qualquer circunstância, a Arte existe para comunicar, seja em um ambiente particular ou em espaços compartilhados.

12. Ao longo de sua carreira, você participou de muitas exposições no Brasil e no exterior. Qual exposição ou momento mais marcou sua trajetória?

O importante para o artista, para mim, é a satisfação de criar, extravasar sentimentos e emoções. A participação em exposições é uma consequência permitindo ao espectador compactuar com a obra cuja execução é, na realidade, um ato solitário.

13. Você recebeu prêmios importantes, como a medalha de ouro na Bienal Internacional de Arte Contemporânea na Flórida. Como esses reconhecimentos impactaram sua carreira?

A premiação é apenas o reconhecimento de um trabalho. Continuo a achar que o importante é a criação e a cumplicidade que a obra estabelece com o espectador.

14. Você menciona que sempre fez o que queria fazer, sem seguir tendências ou padrões. Como vê o cenário artístico atual e sua relação com essas tendências?

Continuo tendo a mesma opinião: ao artista cabe criar, se expressar por múltiplas formas. E’ difícil eu me enquadrar numa determinada tendência: hoje vou fazer uma obra hiper-realista, uma body arte etc. Esta função é da crítica que define e cria conexões.

15. Quais são seus próximos projetos? Pretende fazer novas exposições ou lançar mais publicações?

R. O artista está sempre produzindo, minha mente é um vulcão sempre em ebulição, e pintar é a manifestação desta ebulição. Apesar de estar publicando este livro não parei de criar, produzir. Portanto já tenho obras novas que gerarão exposições e, possivelmente, publicações.

16. Que mensagem gostaria de deixar para os jovens artistas que estão começando suas trajetórias?

R. Sejam verdadeiros e persistentes.