Entrevista: Arthur Pains, cantor e compositor
1. O álbum “Selvagem” explora profundamente a busca por identidade e pertencimento. Como essa jornada pessoal influenciou o processo criativo das músicas?
SELVAGEM surgiu da necessidade de me expressar. Eu estava enfrentando o término de um relacionamento de 4 anos e precisava falar várias coisas que não conseguia falar apenas com palavras. No processo do término acabei percebendo que me perdi bastante durante o relacionamento e o SELVAGEM é sobre esse reencontro, encontrar partes minhas que foram deixadas para trás.
2. Você menciona que as letras foram inspiradas em suas experiências pessoais, mas contadas através de um mundo fictício. Como você decidiu incorporar essa narrativa de um leão saindo da savana para a cidade?
Um pouco dessa ideia veio da minha infância. Sempre fui apaixonado por documentários e programas de vida selvagem. Como não tínhamos TV por assinatura, quando eles passavam na TV aberta meus pais gravavam os programas em fitas VHS e eu ficava assistindo depois várias e várias vezes. Meu filme favorito também era REI LEÃO e até tinha uma VHS dele. Quando comecei a criar o mundo para o álbum queria algo que remetesse a esse lugar de infância, onde me sentia protegido, e o álbum se desenvolve com esse personagem deixando esse lugar “seguro” para crescer e buscar coisas novas. O leão vai parar na cidade, mas ainda não se sentia completo mesmo mudando de lugar. Pra mim todo esse mundo é uma metáfora ao meu crescimento e busca pelo meu lugar no mundo, mas, fica claro que o problema às vezes não é o lugar, só conseguimos nos encontrar dentro de nós mesmos.
3. O processo de composição começou em 2019. Como foi para você ver essas músicas evoluírem de um EP para um álbum completo?
No início eu não queria escrever um álbum sobre amor, não queria que meus relacionamentos tomassem os holofotes daquela história, mas algumas músicas foram surgindo, Selvagem (a faixa título) foi a música que mudou tudo, a partir dela vi que não era possível contar minha história sem contar também sobre esses relacionamentos, eles me fizeram ser quem eu sou, então é natural que eles estejam no álbum e não tem nada de errado ou vergonhoso em ter o coração partido. No fim acho que Selvagem também é um álbum sobre raiva, o próprio nome diz um pouco sobre isso, eu estava cansado de ser o garoto quieto, que aceitava tudo como era, precisava quebrar as correntes e contar minha própria história, me libertar.
4. As 11 faixas abordam temas como amor, amizade, e também críticas à sociedade moderna. Qual dessas temáticas foi mais desafiadora para você explorar nas músicas?
Acho que todos foram desafiadores à sua maneira, mas principalmente o amor. Ficava inseguro em compor sobre e expor meus relacionamentos, mas todos artistas pop exploram isso em suas músicas, então percebi que estava tudo bem. Não escrevo sobre pessoa A ou pessoa B, e sim sobre a minha visão das situações que vivi com elas.
5. O visual parece desempenhar um papel importante no álbum, com videoclipes interconectados. Como você vê a relação entre o aspecto visual e a música na sua obra?
Eu gosto da ideia de criar mundos e contar histórias. No início foi uma forma de me expressar e contar sobre situações nas entrelinhas, sem afetar as pessoas que viveram essa história comigo. Criei quase uma mitologia nesse processo, com personagens próprios e precisava trabalhar bem o audiovisual para que as pessoas se conectassem com esse universo, queria que elas se sentissem nesse mundo e os clipes ajudam nessa conexão. Alguns clipes são mais estéticos, como o de “Royal Mane” e “Nasty Roar”, outros tem roteiros mais elaborados como o de “Dente de Leão” e o de “Selvagem”. Ouvindo o álbum você consegue imaginar a história que estou contando, mas os clipes me permitem direcionar melhor a imaginação do público.
6. “Selvagem” combina pop com elementos de pop rock, trap, eletrônica e blues. Como foi o processo de integrar esses diferentes estilos em um álbum coeso?
Busquei fazer um álbum que funcionasse bem no mercado nacional. Foi um processo, me encontrar musicalmente e nesse caminho acabei explorando vários sons diferentes, mas foi uma preocupação minha fazer com que tudo fosse coeso e funcionasse bem para justificar estarem num mesmo álbum e viajando por diferentes estilos, acho que é importante para um primeiro álbum. Funciona como um termômetro pra ver qual estilo funciona melhor e talvez me guiar para os próximos projetos. Quis colocar bastante guitarra para simbolizar um pouco de rebeldia e ela é o instrumento principal do álbum e conecta todas as músicas. No geral, é um álbum sobre me descobrir e acho que isso reflete nessa variedade de estilos, estava me descobrindo artisticamente nesse processo também.
7. Você mencionou que o clipe de “Selvagem” foi o maior que já fez. Pode nos contar um pouco mais sobre a produção e a narrativa visual que você quis criar com ele?
Esse clipe é o principal para mim, sabia que por ser o clipe da faixa-título precisava fazer algo grande. Investimos bastante em cenários e figurino, maquiagem, quis reunir todos os elementos do álbum em um clipe só. Fui contemplado por uma Lei de incentivo à cultura com foco no audiovisual, a Lei Paulo Gustavo e finalmente tive orçamento para dar vida ao universo do álbum de forma visual também, me agarrei a essa oportunidade para fazer o meu melhor. Foi o clipe que tive mais equipe até aqui, foram 22 horas de gravação divididas em dois dias. Quem assiste esse clipe entende bem a mensagem principal, mas é legal que vejam os outros para completá-la.
8. Você disse que se sentir perdido aos 27 anos é algo comum e até necessário. Como esse sentimento impactou a criação do álbum e como você espera que ele ressoe com o público?
Eu observo meus amigos da mesma idade e percebo que muitos se sentem da mesma maneira. A transição da adolescência pra se tornar um adulto não é simples, surgem várias questões e a pressão de encontrarmos de fato nosso lugar no mundo. Acho que o álbum é uma ode aos 20 e poucos anos e principalmente aos meus. Ele é a narrativa dessa minha jornada e agora que o álbum foi pro mundo, espero que as pessoas se conectem com as músicas e com essa sensação, é bom ver que não estamos sozinhos.
9. Você mencionou que agora o álbum não é mais apenas seu, mas do mundo. Como você espera que o público se conecte com as músicas e que significado elas possam ter para eles?
Espero que as pessoas se conectem. Quando estou compondo, as músicas são sobre mim, mas a partir do momento que elas vão para o mundo, elas são de todos, cada um vai ouvir e conectar elas com suas próprias vivências, acho isso muito legal. Quero que as pessoas saibam que elas não são as únicas que se sentem perdidas as vezes e que ta tudo bem, elas podem encontrar novos caminhos, se perderem outra vez e se reencontrarem inúmeras vezes, a vida não é estática e isso é o mais incrível. Quero construir uma comunidade com os fãs, uma “Alcateia”, como canto na faixa 3, onde eles possam se sentirem acolhidos.
10. Com o lançamento de “Selvagem”, o que vem a seguir para você? Já tem novos projetos ou colaborações em mente?
No momento pretendo continuar focando na divulgação do Selvagem, mas já estou preparando os próximos passos. Estou trabalhando em novas músicas, mas preciso de mais um tempo com elas antes de serem do público, então álbum/EP novo só ano que vem. Mas, temos coisas novas a caminho da era Selvagem, ainda quero fazer mais um ou dois clipes, um mini-documentário com os bastidores da criação do álbum e talvez uma versão deluxe com músicas que foram deixadas de fora. Estamos avaliando as possibilidades a medida que sinto a recepção do público com o lançamento do Selvagem.