- Nunca fui adulta marca sua estreia na literatura. Em que momento você percebeu que esse livro precisava existir?
A pesquisa sobre o tema crescer me acompanha desde 2019 quando escrevi a primeira dramaturgia da trilogia Peças de amor para amores que não ganham peça, da Companhia dos Solilóquios. Em 2024, esta trilogia e em partes esta pesquisa, foi finalizada. Neste momento senti que era hora de colocar no mundo, de uma outra forma que não no audiovisual ou teatro, os fragmentos desta temática que ficaram grifados em minha mente, pedindo para ainda serem desenvolvidos. Este livro é quase que um pós-credito, uma publicação-comemoração de um ciclo.
Apesar da temática ser uma certeza, o livro mesmo foi se desenrolando aos poucos. Acabei chegando na Júlia Vita para entender como funcionava o processo de acompanhamento literário que ela oferecia aos autores. Neste trabalho, ela analisa seus textos, te enche de referências, edita coisas que já estão escritas e quando vimos a parceria já estava fechada. Mexemos e remexemos nas ordens, nos poemas, nos espaços, escrevi e reescrevi muita coisa, e em certo ponto a gente percebeu, que da nossa parte estava pronto, e que a existência dele se daria dali para frente, na mão (e na boca) de quem lesse.
- O que mais te instigou na combinação de poesia, prosa e ilustração? Esse formato híbrido já estava claro desde o início ou surgiu no processo?
Quando comecei a pensar em como queria esse livro, revisitei e reli muitas agendas e cadernos da adolescência. Neles, entre as aulas e os anos, eu ia colocando de um tudo; Rabiscos, pensamentos, poemas, desenhos, adesivos. A forma hibrida vem daí. É como se fosse um relicário de formas e formatos, e tudo que coube neste cofre, ficou. As ilustrações de Alice Leão materializaram este diário literário.
- O livro explora as vivências de Millennials e da Geração Z. Em sua visão pessoal, o que mudou na ideia de “ser adulto” para essas gerações?
Mesmo sendo gerações diferentes, eu sinto que os Millenials, especialmente os nascidos nos anos 90, e a Geração Z se uniram nesta linha tênue que os separa. Quando algo termina a gente não sabe o que fazer, mas quando a gente acaba de começar também não, sendo uma o fim e a outra o começo, acho que a gente nomeou A DUVIDA como a representante dessa nova ideia de ser gente grande. E com isso, aprendemos (alguns mais na marra que outros) a fazer as pazes com a despretensão.
- Há muito humor e lirismo nos textos. Como você equilibra essas duas camadas — o riso e o baque?
A minha forma preferida de identificação sempre foi o riso. As vezes é mais obvio, através de uma piada bem contada, mas muitas vezes a identificação pelo humor não acontece em achar graça no outro, mas em si mesmo, em como aquela situação ali representa um pensamento, uma cena, uma vontade que você mesmo teve. Acredito que dessa forma cria-se uma relação honesta entre o escritor e o leitor. É quase um pacto; eu te conto um segredo, você acha graça e me deixa saber disso.
- Os poemas voltam à infância e retornam ao presente. Como foi revisitar memórias tão íntimas? Alguma lembrança específica te atravessou mais?
Sou uma criatura saudosa por natureza. Sinto saudade até do que ainda não passou, quem dirá então do que já foi. Foi um processo natural, quase um “Anteriormente em…” e quando vi já tinha chegado no marco 0. Revisitar estas memorias, no intuito de tentar exprimir a essências das idades, foi me ver de fora, e ao mesmo tempo linkar tudo aquilo capturado nas fotos analógicas com o que sou hoje. Uma coisa que me atravessou muito foi perceber o tempo através do crescimento da minha irmã e irmão. E acho que isso moldou muito a rota do livro. Fiquei com vontade de contar para eles como era na minha época, e ao mesmo tempo alerta-los do que estava por vir.
- A obra comenta a sensação de transitar entre mundos analógico e digital. De que maneira essa travessia influenciou sua escrita?
Viemos de um tempo em que as mídias eram vistas. Tomavam espaço. As musicas dentro dos discos preenchiam estantes inteiras, os filmes tinham casa para gente visitar, vulgo locadoras. Para ler um livro a gente de fato tocava no papel, virava a pagina, quebrava lombada. E com o tempo tudo isso foi parando dentro de um dispositivo só, nosso celular. Temos acesso a mais coisas, mais rápido, mas nem sempre sinto que a gente tem mais. Acho que essa ânsia de não querer mais dar adeus para as coisas influenciou bastante minha escrita. Tornando-a talvez mais verborrágica, com muito apego as imagens, como se não quisesse que mais nada fosse também esquecido.
- Você chega aos 30 lançando seu primeiro livro. Que reflexões esse marco trouxe para a construção da obra — e para você mesma?
Lançar um livro é uma coisa importante, assim como completar 30 anos. São acontecimentos que a gente coloca no pedestal. Fiquei pensando que hoje em dia estou em um lugar onde consigo de uma forma muito gentil e sincera celebrar esses marcos. Não penso que o livro é o trabalho da minha vida, ou que 30 é a idade do sucesso, não é sobre o lançamento ou sobre chegar a uma maturidade, mas sobre comemorar que estou viva e escrevendo. Acho que com o tempo a gente vai entendo o essencial né? Talvez seria essa minha maior reflexão.
- Seu trabalho no teatro e no audiovisual é forte e reconhecido. Como essas linguagens impactaram a escrita literária de Nunca fui adulta?
Adoro quando o repertorio pessoal impacta em um trabalho novo, e dessa forma deixei que o teatro e o cinema corressem livremente entre os poemas do livro, e se instalassem onde fosse justo. Escrevi muitas coisas que depois acabava pensando “isso daria uma boa cena”, tanto pro palco quanto pra tela, e em nenhum momento me incomoda o cruzamento dessas linguagens, inclusive acho que o livro se tornou uma grande mixtape de tudo que ressoa, e ressoou, no meu trabalho até então.
- O livro reúne uma equipe criativa majoritariamente composta por mulheres. Como esse ambiente colaborativo contribuiu para o resultado final?
É simplesmente inspirador. São tantas áreas diferentes e tantas funções na ficha técnica e a cada etapa, no contato com essas mulheres talentosíssimas, eu só cultivava um misto de encantamento e gratidão. Lançar um livro era uma aspiração, porque sonho mesmo era lançar um livro dentro dessas condições. Estou honrada em ter meu trabalho interligada a cada uma delas.
- A Laboriosa Produções Poéticas tem um fluxo curatorial de pequena escala. Como foi trabalhar com esse modelo de parceria sustentável?
O livro fala muito sobre tempo, e este foi o maior presente que recebi da Laboriosa Produções Poéticas. E quando não o tempo literal das coisas, afinal temos prazos e as vezes pressa, este ato era revertido em cuidado, para não atropelar o processo, e nem a pessoa por trás dele. Foi minha primeira experiência sendo editada, publicada, e eu não poderia estar mais feliz. Já acompanhava, e admirava, o trabalho da Júlia e Paula pelas redes, então não poderia estar mais satisfeita em ter este selo no meu trabalho, já que acredito tanto nesta iniciativa que elas tocam de maneira tão carinhosa e responsável.
- O que você espera que jovens adultos — inclusive os que “ainda não se sentem adultos” — encontrem nesse livro?
Identificação. E de uma forma completamente despretensiosa, acolhimento. Quando a gente conversa do que sente saudade, trazemos o tópico para o presente e isso pode amenizar o sentimento de nostalgia. E também, quando a gente expõe o medo do quem tem lá na curva, as vezes a gente acha alguém pra ir andando junto de mãos dadas, e isso torna o caminho menos assustador. Espero acima de tudo que encontrem neste livro a voz que grita “ninguém sabe para onde está indo”. O Nunca Fui Adulta não é um mapa, é só uma placa, que com frio na barriga indica que ainda não chegamos lá.
- Por fim: depois de Nunca fui adulta, o que te move agora? Já há novos desdobramentos literários ou artísticos no horizonte?
Sempre tem coisa se formando na cabeça. É ideia no post-it. É premissa no bloco de notas do celular. Vontades para o teatro, cinema e literatura nunca faltam. Por enquanto elas estão quietinhas, e no mais, espero o momento certo se apresentar. Acontece viu?! Por exemplo, um dia eu nasci e agora estou lançando um livro.
