Entrevista: Thiago Tourinho, escritor

Entrevista: Thiago Tourinho, escritor
  1. As mortes de quem vive parte da ideia de que herdamos escolhas que moldam nosso destino. Como surgiu esse eixo temático?

Li uma carta que Akira Kurosawa escreveu para Ingmar Bergman contando sobre um artista japonês que chegou à plenitude da sua arte aos oitenta anos de idade. Aos setenta e sete anos, Akira Kurosawa disse, estava convencido que o seu verdadeiro trabalho estava apenas começando. Nietzsche disse que a última etapa da metamorfose humana é voltar a ser criança, enxergar a vida com encanto. Mas por que isso é tão difícil de ver? Tem algo na experiência humana, algum aspecto hereditário, no sentido que é comum a todos, que parece nos ancorar nos mesmos caminhos. 

  1. A família Sadovita é marcada pela condenação simbólica dos olhos azuis. De onde veio a inspiração para criar esse fado hereditário?

Acho interessante quando os arquétipos familiares são observáveis. Gerações de pessoas que seguem o mesmo padrão e tem destinos semelhantes, mesmo quando refutam ou tentam fugir destes caminhos. Podemos ver em toda família padrões que percorrem gerações. 

Pode-se constatar padrões mais amplos, que ultrapassam o âmbito da família. Me intriga também como um mesmo jovem que sonhava, lutou por ideais e tinha esperanças, trinta, quarenta anos depois, pode tornar-se tão rancoroso e frustrado, tão magoado com a vida. Tem algo no meio do caminho que despedaça todo encanto. Talvez a arte seja o único antídoto.

  1. O romance oscila entre lirismo e realismo, poesia e concretude. Como você equilibrou esses registros de linguagem na construção da narrativa?

Gosto muito dos sambas tristes, onde melodias lindas acompanham lamentos, tristeza e resignação. As musicas de Cartola, Batatinha ou Ismael Silva têm uma certa beleza mais profunda do que a euforia passageira, uma profunda contemplação da vida. A estética poética é uma forma de lidar com a dor.

  1. Em vários momentos, o livro coloca em tensão amor e dor, afeto e opressão. Por que explorar essa ambiguidade dentro das relações familiares?

As famílias são, em muitos casos, nossa experiência mais íntima de relacionamento, porque se confunde com nossa própria identidade e nos obriga a traçar de forma mais clara o que somos. A vida adulta inicia com essa desconstrução e para mim esse é um episódio marcante da experiência de viver.

  1. Você construiu carreira no mundo empresarial e agora estreia na literatura. Como foi essa transição e o que te levou a publicar ficção neste momento da vida?

Todos nós temos muitas identidades e em cada momento da vida podemos ressaltar mais uma ou outra. Mesmo na vida empresarial, a leitura sempre ocupou um espaço grande na minha formação. Com o tempo, a vontade de explorar esse ofício foi crescendo. Começar foi uma grande descoberta. Como bem disse Nathalie Sarraute, escrever é tentar saber o que escreveríamos se viéssemos a escrever

  1. A questão do livre-arbítrio atravessa o livro: “Quanto temos, de fato, de liberdade?”. Como essa provocação ressoa na sua própria experiência pessoal?

Com a maturidade, atravesso esse mesmo processo de desconstrução. Escrever o livro foi também buscar uma identidade própria e reafirmar meu desejo de liberdade e de poder desenhar meu próprio destino.

  1. O título, As mortes de quem vive, sugere perdas constantes ao longo da vida. Qual é a ideia central por trás desse nome?

As perdas estão sempre no pano de fundo da existência. Marcam e moldam tudo o que vem adiante. E ao mesmo tempo vivemos, encontramos beleza e arte. Mesmo quando as dores são impostas por quem mais amamos, voluntariamente ou não, seguimos. Essas dores nascem junto com nossas vontades e só se vão quando morremos. Portanto, viver é também resistir às perdas e escolher procurar a beleza.

  1. O romance trata da difícil arte de quebrar ciclos silenciosos. A literatura, para você, é também um exercício de ruptura e libertação?

Para mim é acima de tudo um exercício. A possibilidade de pensar no mundo de forma mais encantada. De conseguir enxergar o subjetivo, o abstrato, o oculto e os sentimentos.

  1. A Editora Reformatório tem se destacado na cena contemporânea. Como foi publicar sua estreia com uma casa tão voltada à literatura brasileira?

O trabalho da Reformatório é admirável. O mercado literário no Brasil exige muita resiliência e demanda uma relação pessoal e apaixonada pela literatura. Por ser algo pessoal, só a Reformátorio poderia fazer o que faz, da forma que faz e por isso, tenho muito orgulho de publicar meu primeiro romance nesta casa.

  1. O que você espera que os leitores levem consigo depois da leitura do seu romance?

O leitor é quem dá vida ao livro e aos personagens com sua própria experiência. Como escreveu Clarice Lispector, “Ler é procurar entender, é procurar o sentido. E às vezes, encontrar o que se é.”

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