Entrevista: Igor Marcondes, escritor e artista visual

- O livro Vira homem! nasce de um desafio autoimposto. Como foi esse processo de propor a si mesmo uma experiência tão intensa e experimental?
Resposta: Escrever é sempre muito enriquecedor, principalmente se, no processo, você pesquisa sobre temas e métodos. No meu caso, sempre que uma ideia surge, gosto de explorar o que já foi elaborado até então e fazer uma imersão controlada para entender como posso entregar algo que seja fiel a minha visão artística. A partir disso, eu diria que o livro acontece de forma quase natural, o que não significa que seja um processo fácil ou rápido, pois, no caso de “Vira homem!”, comecei a pensar nos temas por volta de 2018 e só em meados 2022 encontrei na poesia concreta uma forma de expor as ideias que surgiram. Então, fiquei um bom tempo realizando testes, provocando frases e palavras.
- A obra dialoga com tradições da poesia concreta brasileira, mas também se afasta da ideia de poema como objeto autônomo. Como você enxerga essa relação entre tradição e ruptura?
Resposta: Acho que esse tipo de discussão é sempre polêmica, o que pode ser bom ou ruim. Particularmente, não me vejo como um desafiador de tradições, apenas tento encontrar formas de me comunicar com as pessoas. Contudo, entendo que, nesse processo, alguns resultados são de fato um questionamento direto de normas já estabelecidas. E se formos pensar sobre essas normas, entenderemos que elas também surgiram como forma de repensar aquilo que as precedeu. Entende? É um ciclo natural…
- Seus poemas visuais exploram deslocamentos gráficos e novos significados. Que descobertas poéticas surgiram nesse processo de desconstruir e reconstruir palavras?
Resposta: O processo de escrita de “Vira homem!” me mostrou que as palavras e expressões que usamos carregam em si a resposta para muitas perguntas que temos sobre nossa existência, estando você no topo ou na base, no campo de uma suposta maioria ou minoria, não importa.
- O livro aborda a complexidade de “ser gay e ser homem” no Brasil atual. Quais reflexões mais urgentes você gostaria de provocar na comunidade LGBTQIAPN+ e no público em geral?
Resposta: No público geral, eu espero que “Vira homem!” mostre como se dá a criação e a sustentação da masculinidade, que desde cedo é colocada sob um olhar julgador que gera medo e insegurança. E na minha comunidade, pretendo mostrar que não estamos livres da reprodução de preconceitos contra nós mesmos, na verdade, isso é algo muito comum. Entendo que precisamos explorar nossas contradições como grupo para sermos também mais receptivos a quem não faz parte dele.
- Há temas recorrentes como descobertas sexuais, contradições e sarcasmo. Como equilibrar humor, crítica e sensibilidade em poemas que tratam de questões profundas?
Resposta: Para mim, o sarcasmo e até o humor são profundos. Além disso, são mecanismos de provocação, muitas vezes, mais interessantes do que a seriedade do drama. Nesse sentido, para achar esse equilíbrio, é preciso “conversar com o texto”, entender o que ele quer dizer, o que você, como autor, pode fazer por ele de acordo com suas ferramentas e, por último, compreender que o sarcasmo não é pra todo mundo.
- O prefácio é assinado por Ikaro Kadoshi, uma das drag queens mais conhecidas do país. O que significou para você ter a leitura da sua obra atravessada por uma voz tão potente e política?
Resposta: A Ikaro é uma artista sem igual. Lembro-me até hoje da primeira vez que a vi performando (lá por volta de 2015 se não me engano) e da emoção que ela me causou. Preciso falar desse dia pra ela, ainda não tive a oportunidade. O fato de ela assinar o prefácio de “Vira homem!” é uma honra que me é difícil descrever. Ela entendeu o projeto perfeitamente e minha gratidão por esse apoio é eterna.
- Sua trajetória inclui best-sellers na Amazon, prêmios internacionais e participação em festivais. De que forma Vira homem! se diferencia de seus trabalhos anteriores?
Resposta: Depois de alguns anos me autopublicando, entendi que o público da Amazon se tornou específico. Meu best-seller se insere nesse lugar. “Dignidade”, livro que venceu o prêmio C. F. Ramuz (Helvetia Edições) foi publicado na Amazon, mas é uma obra que não se encaixa lá. Foi por meio dele que me ficou clara essa questão do público. Nessa busca por entender onde colocar “Vira homem!”, ano passado, fui à primeira exposição artística do Festival Mix Brasil e percebi que meu livro transita entre esses dois lugares, a literatura e a arte. Foi aí que, pesquisando, conversei com o William Baglione e o pessoal da Afluente. Essa editora se tornou a casa perfeita para “Vira homem!”, porque ela entendeu o projeto da mesma forma que eu. Além disso, ao mesmo tempo em que o livro estava sendo preparado, expus dois poemas que o compõem em festivais de arte, o que me confirmou que eu estava no caminho certo.
- Você afirma que a poesia deve fazer parte da comunidade, indo além de um nicho específico. Como espera que leitores de diferentes contextos recebam e interpretem este livro?
Resposta: Causando estranhamento e perguntas, acredito que “Vira homem!” já fará parte da comunidade.
- O que mais te instiga na interseção entre palavra e imagem, e quais caminhos futuros pretende explorar na poesia visual?
Resposta: Entendo que essa interseção permite plasticidades infinitas e isso é muito instigante pra mim. No momento, estou me desafiando a trazer a palavra para a arte performática, mas, na minha jornada pessoal, esse caminho ainda precisa de muito estudo.
- Por fim, quais são seus próximos projetos após o lançamento de Vira homem!?
Resposta: A continuação de “Um poema para cada dia em que não te vi”, meu best-seller na Amazon, está pronto. Quero publicá-lo. Pretendo continuar estudando arte performática e questões de gênero para alimentar novos projetos que ainda estão em fase de experimentação.