Entrevista: João Jardel, cantor e compositor 

Entrevista: João Jardel, cantor e compositor 
  1. João, você define o ANTI-POP como uma ode ao “anti-pop”. O que significa, na prática, ser anti-pop na música brasileira atual?

Eu pessoalmente ouço muita coisa legal da música brasileira atual, mas eu acho que os artistas que estão buscando algum tipo de ruptura com os padrões estéticos e discursivos me chamam mais atenção e é isso que eu tenho buscado desde o meu primeiro trampo, que é o “BRANCO”.

Como eu procuro algo que eu chamo de “um não lugar sonoro”, esse disco é meio que meu primeiro manifesto direto sobre essa intenção: ficar bem longe dos padrões de som, bem longe de uma positividade tóxica e/ou de alguma forma de conforto, porque eu não estou me sentindo confortável com o que está rolando hoje, então tento passar isso adiante.

  1. O álbum tem uma forte intenção de desconstrução sonora. Que referências foram fundamentais para chegar a essa mistura de afro diaspórico, pós-punk e música industrial?

Eu dei uns passos atrás no início da minha trajetória adolescente na música pra tentar buscar algumas referências.

Os discos “Jesus Não tem dentes no país dos banguelas” e “Tudo ao mesmo Tempo agora” dos Titãs, coisas que eu ouvia, quando tinha sei lá, 13, 14 anos foram importantes para eu começar esse processo de composição, porque tem o lance das poesias circulares do Arnaldo Antunes e o lance das gravações caseiras que sempre que fazer. 

Eu sempre cito que eu tenho outros dois gurus: Crizin da Z.O. e Tantão e os Fitas. Gosto dessa abordagem sonora que é moderna, bem brasileira e ao mesmo tempo bem disruptivas desses artistas.

Além disso eu posso citar: Nação Zumbi, principalmente o disco “Nação Zumbi” de 2002, além Man is the Bastard, Nine Inch Nails, clipping. e Death Grips.

  1. O título de cada faixa começa com “O”. Isso tem algum conceito por trás ou foi uma decisão estética?

Foi só uma decisão estética mesmo. Eu achava que ia ficar legal e só. hahahahahahhaha

  1. Como foi o processo de colaboração com o R. Honório ao longo desses três anos de criação do álbum?

Eu e Rodrigo tocamos em bandas ou fazemos jams desde tempos imemoriáveis, lá em Itabira. 

Rodrigo é um cara muito generoso, muito técnico e metódico, e tudo começou quando eu mandava umas demos para ele, ele dava umas opiniões e isso acabou virando parceria de composição.

Mesmo ele estando lá no Piauí e eu em BH, virou meio que uma desculpa para estreitar os lances de novo e fortalecer a parceria.

Muito WhatsApp, algumas conversas e ligações, mas principalmente uma conexão espontânea de tempos de bandas juntos

  1. O disco foi gravado nas casas de vocês. Essa escolha teve mais a ver com limitação, com liberdade criativa ou com a estética que você buscava?

A escolha foi estética. Eu queria que soasse bem cru, mesmo com os recursos eletrônicos, bem orgânico e mais sujo. 

A ideia era trazer para a captação, o mesmo som e os barulhos da rua e/ou do bairro, nesse sentido industrial mesmo da vida.

  1. Como a pandemia e o pós-pandemia impactaram especificamente o seu processo criativo e emocional durante a produção do ANTI-POP?

Eu perdi um pouco do tato social com a pandemia. Poucos meses antes da pandemia começar minha avó materna morreu e isso me impactou muito. Foi um luto meio difícil.

No meio desse luto vem uma pandemia e toda a hora eu lia sobre pessoas morrendo, isolamento, falta de equipamento para tratar a população, além de um governo fascista, negacionista o que só aumentava meu medo de morrer e ver pessoas perto de mim morrendo.

Mas acho que o pior de tudo é pensar que apesar de todo o caos, a gente voltou meio que se como nada tivesse acontecido e a vida seguiu normalmente e a gente não teve tempo de elaborar o luto, a gente não teve tempo de se preparar para o que chamam de “normalidade” e isso me assustou muito: o interesse do capital, motivado pela nossa necessidade de sobrevivência, porque a gente precisa pagar contas, precisa comer e tal, fez com que voltemos a vida, sem tempo de “velar” as pessoas ou nós mesmos. Isso me deixou bem assustado e acabou motivando o conceito.

  1. Faixas como “O Cínico” e “O Corpo” abordam temas muito íntimos e sociais. Como foi transformar essas vivências pessoais em arte?

Eu ia começar “O Corpo” falando que a terapia não dá conta ou algo assim, não lembro direito. 

Então eu acho que é meio que esse sentimento: tem coisa que a gente conversa, tenta tratar, mas extrapola e eu precisava me expressar artisticamente, sem querer romantizar isso, mas como uma forma de tratar e jogar no mundo o que estava passando na minha cabeça.

A coisa de se ver adoentado e precisar tratar isso, talvez para se tornar socialmente aceito ou produtivo, me incomodava muito, por isso quis verbalizar isso, sem dizer que não poder odiar um jogo que poucos podem jogar e pouquíssimos vencem faz mais sentido do que falar que só pode ficar com raiva do “dono da bola”.

  1. “O Pretocore” já chega abrindo o disco com uma proposta intensa. Você vê essa faixa como uma espécie de manifesto?

Sim. Ela abre primeiro explicando o tal nome do estilo que eu quero me encaixar: PRETOCORE/MACUMBA INDUSTRIAL, mas para além disso me permitir tirar umas coisas do peito, sobre raiva, debochar legal de umas pessoas e também lembrar daqueles que estão comigo, por isso que no final eu tento citar nominalmente as partes, pessoas, coletivos que são parte disso, porque eu não me vejo como porta-voz, mas sim alguém que ressoa o que essas pessoas fazem por mim, formando meu caráter como pessoa e como artista.

Pra além disso, foi bom trazer o Spooky Sam pra essa faixa, porque ele é um menino promissor, a gente compartilha de muitas vivências. Acho que abrilhanta e dá mais Punch pra música.

  1. Em “O Corte” e “O Medo”, você mergulha em temas pesados como racismo e culpa. Foi difícil lidar com esses sentimentos durante a composição?

Sempre é difícil lidar. 

Esse disco é um disco de contradições para mim: eu chego, brigo, xingo, me revolto, me manifesto e até debocho, mas por outro lado eu fico tentando olhar pra dentro de mim, como em “O Medo” e “O Excesso” e fico me perguntando se eu tenho direito ou se eu posso ou até mesmo até que ponto as críticas que eu faço não podem voltar para mim.

Se relacionar é se machucar e machucar os outros e esse disco também é sobre autoavaliação, é sobre se colocar em lugares desconfortáveis, porque ninguém é só bom ou só ruim ou só santo ou só demônio, né?! É tudo ao mesmo tempo agora.

10.O ANTI-POP traz elementos de spoken word, batidas dançantes, camadas industriais e até ambientações mais suaves. Como você equilibra tudo isso sem perder coerência?

Eu e o Rodrigo tivemos muito cuidado para escolher os timbres, pra escolher a forma de produzir e a gente trocou muita figurinha sobre as coisas que a gente sentia nas audições e em formas de definir a sonoridade do disco.

Apesar de caseiro, é o trabalho mais técnico que eu fiz, porque exigiu um pouco de pesquisa, de experimentação, por isso demorou muito, porque a gente queria algo coerente e só conseguimos isso com muita audição, pesquisa e dedicação mesmo.

11.Você comenta que “a realidade assusta mais do que qualquer filme de terror”. Essa sensação aparece muito no disco. A música, pra você, é uma forma de exorcizar essas angústias?

Total.

Tipo aquela música do Cansei de Ser Sexy, sabe? “Music is my hot hot sex”. hahahahahahah

A música é o meu refúgio, minha companheira, minha melhor amiga, minha confidente e nela eu fico de boa de ser eu mesmo. 

Ela dá sentido para as coisas e é meu respiro. 

Posso ficar horas me declamando para ela, mas vou parar por aqui. hahahahahahahhaha

12.O álbum é descrito como “um grito necessário”. Que tipo de escuta você espera despertar no público que conhece o ANTI-POP?

Na real, eu queria que as pessoas escutassem.

Acho que tem muito de mim nesse trabalho e eu estou muito conectado com ele, tanto nas letras, quanto nas músicas e na escolha das parcerias. Quis que pessoas que eu admiro estivessem próximas, ouvissem, dessem opinião e tal.

Primeiro eu gostaria de coração que fosse ouvido o trabalho, depois, se reverberar, que a gente pelo menos se incomode, porque é como eu me sinto e como eu gostaria que as pessoas se sentissem.

13.Como tem sido a recepção até agora? As pessoas estão dispostas a se deixar desconcertar?

O ANTI-POP é difícil, não é digerível de primeira e precisa ser ruminado.

Eu evito um pouco ver repercussões pra não ficar ansioso, porque a gente põe o disco no mundo para ser ouvido, então, eu fico na espreita, não olho os números e fico esperando alguém vir me abordar pra saber o que está rolando.

14.Você já pensa em como dar continuidade ao projeto do ANTI-POP ou sente que ele é um ponto de ruptura?

Sinceramente não sei. 

Eu sinto que é um ponto de ruptura para mim, mas eu sou muito espontâneo no meu processo de composição e as vezes, impulsivo. 

Eu quero curtir o álbum primeiro, quero tocar ele ao vivo, quero tentar rodar um pouco e depois eu penso melhor nos próximos passos.

marramaqueadmin