Entrevista: Lu Toledo e Valter Saty, músicos

O álbum “Leve, a Vida” nasceu durante o período de distanciamento social. Como esse contexto influenciou a criação das músicas e a parceria de vocês?
Na verdade, nossa parceria nasceu logo no início de 2020, quando se iniciou também o período de isolamento social imposto pela pandemia do Covid-19. Tínhamos nos visto apenas uma vez anos atrás, em um festival de música no Bar do Museu do Clube da Esquina, em Belo Horizonte, e só retomamos contato, através do grupo de WhatsApp formado pelos participantes desse festival.
Tendo que ficar em casa, sem poder trabalhar, Valter se voltou para a música e recomeçou a compor. Ele me enviou uma mensagem em meados de março de 2020 e me perguntou se tinha poesias para envia-lo para que pudesse colocar as melodias. Enviei a letra de “Espelho de Mim” e, no dia seguinte a música estava pronta.
E foi assim, nossas primeiras músicas foram compostas à distância, a partir da troca de mensagens e vídeos entre mim, em Belo Horizonte, e Valter, em São Bernardo do Campo.
E se a distância física era um fato irremediável naquele momento, a música foi nos aproximando de tal maneira que, em 2021, já nascia o nosso primeiro álbum, o “Por tudo o que for Amor” e, já tínhamos mais várias músicas para um segundo trabalho. Nós começamos a trocar melodias e letras e deu tão certo que começamos a registrar as canções em vídeos caseiros. Fazíamos os vídeos pelo celular, cada um em sua casa e, depois, Valter, sincronizava as vozes, acompanhadas por seu violão. Todos esses vídeos foram disponibilizados nos nossos canais do youtube.
A leveza, o amor e a conexão com a natureza são temas fortes no disco. Como vocês equilibram essas mensagens com os desafios do mundo atual?
A nossa proposta desde o início, foi fazer canções com temas otimistas, de esperança, de amor, de alegria, como contrapontos poéticos àqueles tempos difíceis. A partir de nossa própria experiência, vimos como a arte, a música, a literatura podem nos salvar, podem nos ajudar a nos curar e a nos reconectar com a própria vida. A música e o nosso fazer musical vieram como forma de cura mesmo.
Esse segundo álbum, o “Leve, a Vida”, já foi produzido com Valter morando aqui em Minas, em um momento mais tranquilo, tanto do ponto de vista pessoal, quanto social, ainda que com muitos desafios enfrentados no campo da política e da sociedade do pós-pandemia.
Mas mantivemos esse estilo de lançar palavras e melodias de alento e inspiração, de beleza e emoção, a partir de experiências, reflexões e descobertas vividas durante os últimos anos. Buscamos sempre enaltecer os bons sentimentos, as experiências positivas, observar as belezas de Minas e do Brasil, buscar superar as dificuldades e passar essa mensagem de que viver, apesar de tudo, pode ser leve…
Como foi o processo de composição a quatro mãos nas faixas que vocês assinam juntos, como “Coração do Cantador” e “Carta ao Milton”?
“Coração do Cantador” A melodia foi composta muitos anos atrás ao violão e gravada numa fita cassete. Durante a Pandemia peguei essas fitas para ouvir e me dei de cara com essa. Percebi que ela tinha uma pegada de viola caipira. Foi então que eu fiz o arranjo para viola. Eu já tinha escrito a estrofe “Abriu a porteira do coração do Cantador” e depois minha parceira, Lu Toledo finalizou a letra, que faz referência à música regional, às toadas, às canções de violeiros, os repentes…
Com relação a “Carta ao Milton” foi uma coisa mágica. Eu compus a introdução e a primeira parte da música há uns 30 anos. Uns dois anos atrás eu decidi terminar o escopo da Canção. Quando eu finalizei a melodia me veio o Milton Nascimento na minha cabeça. Na hora eu pensei: O título dessa Canção será “Carta ao Milton. Logo em seguida, minha parceira, Lu Toledo escreveu uma linda letra em homenagem ao Bituca. Nunca vou me esquecer do dia, ainda adolescente, que fui há uma banca de jornal comprar uma revistinha com cifras das canções do Milton, depois não parei mais de tocar.
Valter, em algumas faixas você assina sozinho, como “A Felicidade” e “Seu sorriso é sempre o meu Sorriso”. O que te moveu nessas composições mais pessoais?
“A felicidade” nasceu em um momento muito difícil na minha vida, eu tinha acabado de me separar, estava longe dos meus filhos ainda muito pequenos e para completar veio a Pandemia do Covid-19. Eu estava em busca da Felicidade novamente e sabia que ela voltaria. A canção fala exatamente sobre isso.
“O seu sorriso é sempre meu sorriso” teve como inspiração a minha esposa e parceira musical, Lu Toledo. Essa canção fala da minha felicidade de estar ao lado dela… e do seu jeito de ser que me conquistou.
“Carta ao Milton” é uma homenagem a Milton Nascimento. Como a obra dele influenciou vocês, individual e coletivamente?
A canção para Milton Nascimento se inspirou, não apenas por nossa paixão pela genialidade e beleza incomum de suas canções, mas também pela grande importância desse artista na nossa formação musical e pessoal.
Valter em São Bernardo e eu aqui em Minas, em Betim, desde a nossa infância e adolescência, a música de Milton, a figura de Milton, a voz potente e transcendental de Milton já nos encantavam. E ambos iniciaram seus aprendizados de violão e canto com revistinhas com músicas dele, junto com as cifras (os acordes) que comprávamos nas bancas de revistas. Milton, o Clube da Esquina, assim como todos os grandes nomes da MPB fizeram um papel fundamental em nossa história. E ainda fazem…
Carta ao Milton é uma maneira de agradecer a esse grande artista e ser humano, pelos mais de 75 anos de carreira, nos encantando com suas belíssimas canções e belíssima voz, essa “voz que transborda o mundo”, como trazemos em nossa canção.
Vocês se reencontraram nas redes sociais e, a partir daí, surgiu uma parceria musical e também uma vida em comum. Como essa conexão afetiva impacta o trabalho artístico?
Talvez a nossa aproximação afetiva é que foi ocasionada, ou impulsionada primeiramente por esse encontro musical. Foi a partir das conversas e trocas em torno das letras e melodias, os exercícios para harmonizar as duas vozes nas canções que íamos produzindo à distância, que foi nascendo uma amizade profunda e fomos descobrindo muitas afinidades. E as diferenças também acabam se resolvendo no nosso fazer musical. É um projeto em comum nascido de uma forma completamente incomum e inusitada e que foi possibilitando a aproximação afetiva. Falamos disso em algumas de nossas canções presentes nos dois álbuns.
O que cada um de vocês trouxe para esse duo que o outro talvez não teria sozinho?
Valter tem um processo de composição de melodias muito tocantes e sofisticadas. Por minha vez, escrevo e desenvolvo os temas para as melodias com mais facilidade. Em algumas canções também contribuo com ideias de trechos melódicos e vice-versa. E o exercício de buscar formas de cantar, buscar fazer uma harmonização das vozes na interpretação das canções enriqueceu demais nosso trabalho… ambos já tínhamos trabalhos solo, mas aprendemos muito um com o outro nesse processo. Valter tem muita facilidade em criar conteúdo para as mídias sociais. Eu já tenho mais facilidade com a escrita de projetos para editais e também bastante relacionamento no meio musical. E vamos somando…
Como é o processo criativo de vocês hoje: há papéis definidos ou tudo é construído em conjunto, desde a melodia à letra?
Não há papéis definidos, mas normalmente Valter começa uma melodia, ou se lembra de melodias começadas há tempos atrás e penso em alguma letra que se encaixa… ou ele mesmo indica que a melodia tem a ver com tal tema, como foi o caso de Carta ao Milton. Aí, sentamos juntos para fazer o acabamento da música e também para estudar a forma de cantar em duo. Que trecho fica bom com cada voz sozinha, que trechos cantamos juntos, em alguns trechos faço a segunda voz, e por aí vai…
O disco foi gravado em Betim e contou com músicos mineiros incríveis. Como foi reunir esse time e como essas colaborações enriqueceram o trabalho?
Essa parte de convidar os músicos fica comigo. Como conheço muita gente por aqui, em Betim, em Belo Horizonte, faço parte de vários grupos na área de música, aí sempre que é possível, como no caso de receber recurso de edital cultural, lembro dos músicos que admiro ou que vi tocando com outro artista e converso com Valter a respeito. Foi o caso de Christiano Caldas, que em 2013, quando estava gravando o meu primeiro álbum, ouvi um piano dele no disco de um amigo e me apaixonei. É o caso de Alexandre da Mata e Cinara Motta, que por sua vez nos indicaram Arthur Rezende. Realmente, os arranjos ficam maravilhosos… são uma soma de talentos incríveis! Só nos enriquece uns aos outros. O fruto de um trabalho coletivo é muito mais saboroso. Não vamos esquecer do depoimento de Arthur Rezende no dia da gravação do videoclipe de Carta ao Milton, quando ele disse que a nossa canção dizia tudo o que ele queria dizer ao Milton… isso nos emocionou bastante.
A escolha de gravar no Estúdio ATS e incluir músicos como Arthur Rezende na “Carta ao Milton” foi estratégica ou afetiva?
Foi um acaso muito feliz. Christiano Caldas já tocou com o Milton e toca ainda com integrantes do Clube da Esquina. Arthur Rezende toca sempre com Beto Guedes, Lô Borges, 14 Bis… ou seja, artistas que, em comum, bebem da mesma fonte e ao mesmo tempo tem talentos singulares. Não tinha como não ter ficado bonita a música e o clipe.
Lu, sua trajetória como psicóloga, professora e cantora é muito rica. Como esses caminhos se cruzam na sua forma de compor e interpretar?
As minhas letras e melodias sempre trouxeram temas reflexivos, femininos e intimistas. Sempre são um convite a repensar os valores humanos, as escolhas. E sempre levei a música para esses campos de trabalho e mesmo de pesquisa.
Valter, sua ligação com o Clube da Esquina é evidente nas harmonias e melodias sofisticadas. Como você mantém viva essa influência sem perder a originalidade?
Excelente pergunta. Antes de começar a compor o artista ouve o que gosta, o que te conecta e a partir daquele momento ele começa a ser influenciado na sua composição. Para não perder a originalidade é preciso compor muito. Através da prática você cria seu estilo próprio e original. No começo queremos compor igual aos nossos ídolos, depois você cria o seu jeito, sua originalidade e a sua identidade musical.
Vocês já lançaram dois álbuns e diversos clipes. Há planos para um terceiro álbum ou talvez um registro ao vivo desses shows de lançamento?
Sim, temos planos de fazer novos trabalhos, novos discos e novos videoclipes. Valter e eu temos canções novas em duo e temos canções solo também que fizemos há tempos atrás, que gostaríamos muito de gravar em estúdio. Que novos editais venham! Só assim podemos ter os recursos necessários para movimentar nossas carreiras.
Que tipo de retorno vocês esperam do público com “Leve, a Vida”? E o que mais gostariam de provocar nas pessoas ao ouvirem o disco?
Como trazemos canções recheadas de poesia que inspiram à busca de caminhos que levem ao amor, à leveza, à essência e à alegria de viver, esperamos que nosso público se conecte com essas mensagens e que nossas canções toquem seus corações… não precisamos ficar sobressaltados o tempo todo com as notícias tristes, a realidade difícil, os tempos de intolerância e incertezas… podemos cultivar nossa paz interior e viver de maneira leve, apesar de tudo isso… aliás, cultivar nosso jardim, acender nossa própria luz… contribui muito, influencia em muito para a evolução e a cura coletiva.
O álbum será lançado oficialmente no dia 25 de abril, com shows gratuitos logo em seguida. O que o público pode esperar dessas apresentações ao vivo?
Músicas tocantes, leves, alegres, românticas, com vozes suaves e harmoniosas e uma super banda! Queremos que essas músicas fiquem gravadas na vida de cada um que lá estiver ou que depois puderem ouvi-las também nos espaços virtuais.
Como tem sido o diálogo de vocês com o público nas redes sociais e nas plataformas digitais?
O diálogo tem sido muito gratificante. A rede social que temos trabalhado bastante e tido um excelente feedback das pessoas está concentrado no TikTok. As pessoas estão inseridas na nossa caminhada, uma comunidade. O crescimento é gradual e estamos contentes com os resultados. Nas plataformas digitais não existe um diálogo. Não tem como você conversar diretamente com o público. O trabalho do artista nesse caso é encontrar meios da sua música chegar até esses ouvintes. Não basta a sua música estar lá. O maior desafio são as pessoas ouvirem.