Entrevista: Giovanna Mazetto, escritora e advogada

1. Qual foi o momento exato em que a ideia para Pela telajanela surgiu?
A experiência pessoal é um fator determinante de todos os meus livros e, em Pela telajanela, foi ainda mais. A história surgiu justamente no trajeto entre a escola de inglês e a nossa casa, quando tentava fazer meu filho mais novo me contar um pouco do seu dia, observar os ipês cheios de flores, as pessoas caminhando na rua e até os buracos do asfalto. Como ele não respondia porque estava concentrado no seu tablet, eu parei o carro e disse — Olha o dinossauro! Foi uma risada só.
2. Como você equilibrou a necessidade de abordar um tema sério, como o excesso de tempo nas telas, com a linguagem leve e divertida de um livro infantil?
A minha ideia sempre foi a de contar histórias e deixar as crianças tirarem suas próprias conclusões e criarem elas mesmas o significado, a interpretação dessas histórias. No caso de Pela telajanela, a fantasia ganhou um papel determinante e permitiu que o livro tratasse da questão do uso excessivo das telas de maneira leve. Além disso, a estrutura do texto, que se repete a cada dia da semana vivido pelo personagem ZéGui, os nomes longuíssimos dos personagens e os títulos dos jogos que ele acessa, são elementos que permitem que o leitor se antecipe e “brinque” junto com o narrador (se estiver fazendo uma leitura independente) ou com o mediador de leitura.
3. Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou ao escrever este livro? E quais foram as maiores alegrias?
Não consigo me lembrar de nenhuma dificuldade específica, mas as alegrias foram muitas, dentre elas, saber do interesse da editora Sowilo em publicar mais um livro meu, fortalecendo nossa parceria, e receber as ilustrações maravilhosas do talentoso Victor Tavares. Mas, obviamente, a maior alegria de todas foi, e ainda é, receber os comentários dos leitores.
4. Você se inspirou em outros livros ou autores infantis para criar Pela telajanela?
Não diretamente, mas acredito que todas as leituras acabam influenciando o modo como escrevo e, olha, sou apaixonada por livros infantis! Posso citar como meus autores brasileiros favoritos Ruth Rocha, Eva Furnari, Ana Maria Machado, Ziraldo, Silvana Tavano, João Luiz Guimarães, Alexandre Rampazo, Ilan Brenman, Renato Moriconi, Guilherme Karsten, Janaina Tokitaka, ufa, são tantos! Como autores estrangeiros William Joyce, Oliver Jeffers, Jon Agee, Shel Silverstein, Suzy Lee, Susanna Isern, Julia Donaldson.
5. Qual a principal mensagem que você gostaria que as crianças levassem deste livro?
Primeiramente, espero que se divirtam ao ler, que entrem no mundo da imaginação e, claro, que consigam valorizar o brincar livre e a fantasia, se afastando um pouco da tecnologia que capturou o dia-a-dia de todos nós.
6. Por que você escolheu a figura de um menino como protagonista?
Me inspirei no meu filho menor, como contei no começo, mas minha primeira protagonista foi uma menina, a MaLê, do livro A Colecionadora (fica a dica!). Gosto de variar, mas parece que cada história já se desenha com um personagem, que se apresenta um pouco independente da minha vontade.
7. A história de ZéGui tem um final aberto. Qual é a intenção disso?
Gosto que as crianças possam continuar as histórias na sua imaginação e voltar a ler o livro descobrindo coisas novas ou até uma nova interpretação.
8. Como você imagina que os pais, educadores e bibliotecários receberão este livro?
Já tenho recebido comentários muito positivos e fico feliz em acompanhar o trabalho que tem sido feito nas casas e nas escolas. O lançamento do livro e o debate sobre a proibição do uso de celulares na escola, por exemplo, me mostraram que o tema está em alta e que as famílias buscam diversas maneiras de conversar com as crianças sobre o uso da tecnologia, inclusive para estabelecer qual o conteúdo e o tempo de uso adequados para cada idade. Nesse sentido, além da história do ZéGui, o Pela telajanela traz, nas últimas páginas, algumas informações da Sociedade de Pediatria e dicas para controlar o uso dos eletrônicos. Vale conferir.
9. Você acredita que este livro pode contribuir para um debate mais amplo sobre o uso das telas pelas crianças?
Ah, espero que sim, mas minha intenção é apenas agregar, abrir uma janela (desculpe o trocadilho) para a conversa entre educadores e crianças. Acho que o debate deve ser amplo, envolver especialistas de diversas áreas e ser aparado por pesquisas e artigos científicos.
10. Quais são seus próximos projetos literários?
Nossa, tenhos tantos projetos! Estou trabalhando num projeto de recontos assustadores, ainda para o público infantil, e em outros dois projetos para o público adulto, mas ainda tenho muito trabalho pela frente.
10. Qual a importância da literatura infantil para o desenvolvimento das crianças?
Eu acredito que a literatura é essencial para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças. Ela estimula a imaginação, amplia o vocabulário e ajuda na formação do pensamento crítico. Os livros infantis ensinam valores, despertam empatia ao apresentar diferentes perspectivas e criam momentos de conexão entre pais e filhos durante a leitura compartilhada.
Como se não bastasse tudo isso, ler é um prazer!
11. Como você vê o papel do escritor infantil na sociedade atual?
O escritor infantil pode ter um papel transformador, atuando como um mediador entre a criança e o mundo. Em um ambiente tão tecnológico, o escritor infantil é também uma espécie de guardião da tradição narrativa e um incentivador da criatividade e do hábito da leitura. Pouca coisa não é, certo?
11. Quais são seus livros infantis favoritos e por quê?
Alguns dos meus favoritos são:
Os fantásticos livros voadores de Modesto Máximo, de William Joyce, que tem também uma versão no áudio-visual – um curta metragem lindíssimo.
A árvore generosa, de Shel Silverstein, é um livro que me faz chorar e que me traz muitas reflexões.
Presos, de Olivers Jeffers, é fonte de risadas infinitas. Amo!
Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, por capturar com sensibilidade os sentimentos e a imaginação das crianças. Um clássico.
Felpo Filva e Não confunda da Eva Furnari com certeza estão na lista, mas eu gosto de tudo que ela escreve e ilustra.
O passeio, de Pablo Lugones e Alexandre Rampazo, é super sensível e trata da passagem da vida, das mudanças e da morte.
O pai da mamãe, de Cristiana Gomes e Odilon Moraes, é uma riqueza!
Poxa, são tantos, mas é claro que não posso esquecer dos meus:
A colecionadora
Todo mundo sabe
Pela telajanela
12. Você tem alguma dica para os pais que desejam incentivar a leitura em seus filhos?
Sim! A melhor forma de incentivar a leitura é transformá-la em algo prazeroso, um momento especial. Crie uma rotina de leitura conjunta, escolha livros que se alinhem aos interesses da criança e dê o exemplo lendo também. Ter um espaço acolhedor com livros acessíveis em casa pode fazer toda a diferença. Além disso, é importante respeitar o ritmo e as preferências da criança, incentivando-a sem impor. Aqui em casa, por exemplo, um dos meus filhos teve uma fase dos quadrinhos e eu tentei acompanhar, mesmo não sendo muito letrada nessa linguagem. O menor adora livros informativos, que me cansam um pouco, mas eu tento estimular ao máximo que cada um encontre e desenvolva suas preferências de forma livre.
13. Qual é a sua opinião sobre a presença de telas na vida das crianças?
As telas fazem parte do mundo atual, não dá para negar, e têm seu valor quando usadas de forma equilibrada. No entanto, é importante limitar o tempo de exposição e priorizar atividades que estimulem o desenvolvimento cognitivo e a interação social, como a leitura, jogos de tabuleiro e cartas, e as brincadeiras ao ar livre. O desafio dos pais e responsáveis é encontrar um equilíbrio saudável que permita às crianças aproveitar os benefícios das telas sem comprometer outros aspectos de seu crescimento.
14. Como você concilia sua carreira de escritora com sua vida pessoal?
Não é uma tarefa fácil. Além de escritora, sou advogada e conselheira de empresas. Conciliar advocacia e escrita exige certo planejamento e disciplina, intencionalidade até. Participar de oficinas e cursos de escrita me fizeram criar um espaço mais organizado para este fim. Mas, claro, é preciso priorizar os momentos em família e de cuidado pessoal. Tento me manter atenta às necessidades e atividades dos meus filhos e do meu marido e criar uma rotina de encontros com amigos. Tudo isso não seria possível sem o apoio que tenho em casa, claro. Mesmo assim, muitas vezes perco o equilíbrio, não vou mentir, mas não desisto. Ah, ficar longe das telas ajuda muito! Faz o tempo render.