Entrevista: Banda Aygam

1. Vocês podem nos contar um pouco sobre o processo criativo por trás do novo EP autointitulado?

(Gabú) O processo criativo foi bastante corrido por conta do calendário do edital, mas a gente se reuniu o máximo que podíamos, tocamos, reaproveitamos algumas ideias que fomos desenvolvendo com a salve, a antiga banda e a medida que a mensagem que gostaríamos de passar no EP foi surgindo a gente foi dando forma a coisa. A banda se formou nesse ano e fomos nos conhecendo enquanto banda e criando ao mesmo tempo

2. Quais foram as principais influências musicais que inspiraram as faixas do EP?

(Bruno Ras) Música preta, no geral. Essa é a nossa forma de ver as coisas. É claro que a gente traz influências múltiplas, cada qual com a sua bagagem… mas nosso ponto de convergência certamente é a música preta original e suas ramificações, mais especificamente o rock inglês do Cosmo Pike, algo de Clube da Esquina, Nação Zumbi… cada vez que penso sobre isso, surgem novas referências possíveis. 

3. Como foi gravar de forma independente na garagem de Gabú?

(Gabú)  Pra mim foi um processo bem doido, a gente optou por gravar aqui por achar que seria mais confortável no sentido de não ter a pressão das horas do estúdio, apesar dos prós e contras. Nós gravamos tudo em dois finais de semana, fizemos uma cabana de tecido pra gravar a bateria, na intenção de proteger os microfones da reverberação da garagem, usamos duas interfaces de som pra captar os 4 microfones, um querido amigo, Davi Roque, ficou na responsabilidade de captar tudo, também fez a mixagem das faixas… e foi bem correria, mas acho que rolou o melhor que podíamos ali.

4. A política pública VAI 2023 teve um papel significativo na produção do EP. Como essa iniciativa impactou o trabalho de vocês?

(Gabú)Foi essencial na verdade. Se não tivéssemos o apoio do VAI acho que não teríamos feito. Porque cada um tem uma vida pra dar conta e lidar, outros projetos, enfim… Mas para além disso, o Vai nos deu a possibilidade de ter algumas ferramentas de trabalho que não tínhamos, a possibilidade de planejar algo massa pra mostrar pra galera. A possibilidade de visualizar um caminho, um plano a ser comprido e nesse sentido acho que foi bastante enriquecedor. E estou muito feliz pelo que fizemos, no meu caso é meu primeiro trabalho finalizado dessa maneira e acho que é importante que mais pessoas como nós possam acessar essa política pública, porque a gente movimenta cultura e cultura é primordial pra gente que vem da periferia, pra se manter íntegro, sonhando, se entendo digno, enfim.

5. A faixa “CROCODILOS” traz uma forte mensagem de resistência. Vocês poderiam explicar um pouco mais sobre o significado da letra?

(Bruno Ras) Crocodilos diz muito sobre o momento que eu [Bruno Ras] passei, em 2023. Houveram muitos atravessamentos na minha vida pessoal e profissional; foi um período muito desafiador pra mim e minha única opção foi lutar, continuar de pé, me apegar na minha fé em Deus e nos Orixás e fazer o meu corre. A melodia de Crocodilos é um presente do astral pra mim e a letra é uma oferenda minha pra Ogum (também sincretizado como São Jorge Guerreiro) a quem devo grande parte do fato de sair vitorioso de tudo que passei. 

É uma música sobre fé, sobre saber quem são seus inimigos e também sobre manter a cabeça erguida, no meio da adversidade.

6. Como a sonoridade de “EUCALIPTOS” reflete as questões sociais que vocês abordam?

 (Gabu) O mote pra mim foi o conceito de mudança, que era o nome da música antes da letra sair. E eu sinto que o arranjo traz bastante isso, com as mudanças de ritmo, suspensões longas, enfim… Eucaliptos foi uma letra que ficou pronta praticamente no dia que gravamos as vozes, na verdade alguns versos eu gravei depois de pronta, então o arranjo é parte fundamental da criação dessa poesia. Acho que a sonoridade reflete as questões sociais de todas as maneiras, porque essas questões atravessam a nossa existência e esses atravessamentos estão intrínsecos à nossa criação artística.

7. Quais são os desafios de abordar temas tão contundentes como a transfobia e a hipocrisia social em “DEPOIS DO PAPO RETO É SÓ DEBOCHE”?

(Gabú) Ah eu acho que o desafio é a própria transfobia, mas pra mim veio como um desabafo mesmo, conseguir acessar esse lugar do deboche. Mas é isso, tem uma galera trans, fazendo um som super disruptivo, agressivo, bem feito, punk na essência e isso influencia a gente também, principalmente a Satiê e eu que somos as pessoas trans da banda. Satiê tocou essa harmonia linda, super sofisticada e quando a gente começou a ensaiar, eu levei pra um lado mais sentimental, introspectivo, mas quando conversamos sobre pra onde poderíamos levar a música, o pessoal estava com a energia mais pra frente, mais combativa e aí pensei nesses versos que eu canto. Satiê também veio com os versos dela na hora de gravar as vozes e deu muito bom. Depois de termos gravado já, em um dos ensaios o Omar tocou um Drill na bateria e foi o que precisava na música e aí a versão ao vivo entrou pro EP porque a ideia está mais concisa do que na gravação que fizemos em casa, apesar de perder em questão de arranjos vocais e outras coisas.

8. Qual é a importância de resgatar sonoridades ancestrais em um contexto contemporâneo para vocês?

(Bruno Ras) Fundamental. Uma ideia que eu tenho meditado muito é sobre herança.

 A gente que é negro, na sua maioria (salvo as excessões, é claro), nascem sem herança material. 

Mas a gente possui a nossa herança ancestral, tlg?

A Capoeira por exemplo, é nossa herança! É a arte que nos auxilia na manutenção física/mental/emocional;

 temos o Candomblé, Umbanda, Ifá pra cuidar do espiritual;

Também temos a nossa cultura com nossas músicas e manifestações artísticas que, no meu entendimento, são heranças imateriais gentilmente cedidas por nossa ancestralidade. É essa relação do ontem e do hoje que faz com que possamos vislumbrar horizontes futuros.

É vital. 

(Gabú) e também acho que as “sonoridades ancestrais” estão na essência de tudo o que ouvimos hoje em dia, do rock ao funk.

9. Como a experiência de ser afro-brasileiro na periferia influencia o trabalho da banda?

(Bruno Ras) Ser afro-brasileiro é um privilégio, na minha concepção. É uma parada que vem do interno da gente e que se evidencia em tudo que a gente faz.

Acho que ser negro/preto é sobre sempre arranjar um jeito de fazer as coisas, mesmo que tudo diga que não dá pra fazer… existem tantas limitações e impossibilidades pra quem mora aqui na minha quebrada e mesmo assim, a gente dá um jeito, corre atrás e vence. Não é sobre romantizar a exploração que somos submetidos, mas é sobre valorizar a nossa força e a amplitude da nossa visão. 

A gente vem de periferia… geral aqui é pobre materialmente mas a visão de todes é ampla; todes tem sua observação das múltiplas realidades e acredito que cada um da banda tem um senso crítico aguçado, que só se obtém quando a gente transita por realidades antagônicas – diferentemente desses artistas do centro da cidade, fechados em si, refletindo o seu próprio mundo. Acredito que é por isso que a arte deles soa tão plastificada…

10. Vocês podem compartilhar algum momento especial ou desafiador durante a gravação do EP?

(Bruno Ras) O rolê todo de gravar foi especial. Os ensaios foram uma troca de energia forte. É a magia da garagem! Outro momento marcante foi quando a gente foi pro baile porque sair de banda é tipo rolê de gangue. 

11. Se vocês pudessem escolher qualquer lugar no mundo para fazer um show, onde seria?

(Gabú) Afropunk, (Bruno Ras) Coachella 

12. Se Aygam fosse um animal, qual seria e por quê?

(Bruno Ras) Uma onça pintada, um Puma ou uma Sucuri: Do tipo de animal selvagem que, se você moscar, vai ficar ruim pra você.

13. Qual é o lanche preferido de vocês durante os ensaios?

(Gabu) A gente gosta de comer, todo mundo come bem kkkk. A maioria dos ensaios a gente cozinha um almoço brabo, pra dar bastante energia. Comida é sagrado pra AYGAM. Inclusive no show que fizemos no quilombaque o uber ficou com o nosso catering. Ficamos chateados, mas espero que ele tenha feito bom proveito kk

14. Como vocês veem a atual cena musical brasileira em termos de diversidade e inclusão?

(Gabu) Acho que quanto mais próximo do mainstream, menos tem diversidade. E inclusão acaba sendo uma parada que acontece quando é conveniente. Mas acho que temos artistas incríveis que conseguiram romper essa bolha da invisibilidade e poderiam estar em patamares ainda maiores em termos de reconhecimento. Além disso, nós sabemos que o novo sempre aparece da base, que é onde a diversidade reina, apesar de todas as dificuldades que artistas independentes enfrentam para continuar fazendo seus trabalhos.

15. Vocês acreditam que a música pode realmente mudar a sociedade ou é mais uma forma de expressão artística?

(Gabu) A música é transcendental, não sei se ela pode mudar a sociedade e também não sei se esse é o papel da música necessariamente, mas a música é capaz de mudar um sujeito através dos sentimentos, através da reflexão e compreensão de si mesmo, música é a manutenção da memória, a música pode nos trazer a sensação de pertencimento e acredito que se a música não tivesse o poder de ameaçar o status quo, a classe dominante não censuraria, não se apropriaria, na marginalizaria, não criminalizaria, como quando quem comete o ato de fazer música não é o espelho da classe dominante. E eu acho que muito do que eu sou eu sou porque ouvi o que ouvi e tem coisa que só ouvi porque vivi várias outras. 

16. Quais são as dificuldades de ser uma banda independente no Brasil atualmente?

(Bruno Ras) Basicamente grana. Jogou dinheiro na nossa mão já era, a gente faz acontecer! 

17. Quais foram os momentos mais marcantes da carreira de Aygam até agora?

(Gabú) A AYGAM tá começando agora. Conseguir fazer esse EP foi algo marcante.

18. Como vocês veem a evolução da banda desde o início até o lançamento deste EP?

(Bruno Ras) Acho que todo mundo tá tocando melhor. Eu tô ficando mais solto no vocal e tô escrevendo coisas melhores pro próximo trabalho; o Omar tá absurdo na bateria, mano tá voando! Gabú também, lançando efeitos ao vivo que realmente fazem uma diferença sinistra pra atmosfera do show; a Satiê não tem nem como mensurar, é a mais braba de todes. Acho que a gente tá mais coeso, enquanto grupo; o nosso segundo show foi ainda melhor que o primeiro e a tendência é ficar cada vez mais afiados.

19. Quais são os próximos passos e projetos futuros de Aygam?

(Gabú) Fazer mais shows, amadurecer as ideias, lançar mais coisas, trabalhar mais com audiovisual, acho que por ai.