1. O que inspirou você a criar um disco completamente inédito para o seu primeiro trabalho solo?
O que me inspira é a identidade e o poder de ter fala. Estou há alguns anos me construindo na música, mas, em todos esses anos, nunca tive a oportunidade de cantar sozinha, sabe? Fui uma criança tímida e com pouquíssimo espaço de fala, em alguns lugares me sentia privada de falar e até cantar.
I (Uma/one) é o meu primeiro trabalho solo, consequentemente, meu disco de estreia; eu senti que precisava olhar aqui para dentro e me apresentar sinceramente e vou confessar que quase nunca penso em regravar algo de outras pessoas, acho que não por agora… Eu gosto muito de compor e cantar é a única forma que me sinto à vontade para me expressar.
2. Como foi o processo de composição das 14 faixas do disco?
Foi um grande mergulho interno. Eu estava disposta a me colocar sinceramente nas letras e me divertindo com o que saía de mim. Neste estudo, e pelo o que percorria minhas playlists e discos do momento, fui separando gêneros que já estavam nas minhas referências e fui juntando à minhas vivências pessoais e espirituais.
Com o ponto de partida na composição eu criei as letras com suas melodias, estruturei os arranjos vocais e suas harmonias e a partir deste material, encaminhava as tracks com uma faixa de referência para produção das faixas. O tema sempre foi livre e sinceramente em alguns casos tão espontâneos, que vinham do subconsciente mesmo, realmente um mergulho.
3. Você pode nos falar sobre a colaboração com os produtores XavBeatz e Lerry?
Bem, o Xavbeaz é o principal produtor deste disco, assinando 8 faixas. Eu elaborei um projeto de produção e o chamei como primeira instância. A gente já havia colaborado em outros projetos, porém, com o decorrer das composições e estética sonoras que eu queria, apresentei a vontade de convidar outros produtores para determinadas faixas. A partir desta minha vontade, convidei Lerry, para produzir as três faixas que puxavam a sonoridade da Bahia. Lerry me foi apresentado por um amigo e produtor de Salvador e me conquistou pela sua ginga e essência. Não posso deixar de falar de WaraBeats, que também produziu duas faixas para o disco, uma com o Xavbeatz (Burn), e produziu também “Oásis” uma das faixas mais importantes para mim do disco para mim. Foi minha primeira produção com Lerry e WaraBeats. Lembro que desses dois, já tinha ouvido falar do Wara e pelas referências do que ele já tinha produzido com Flora Matos, Doralyce e com artistas independentes de Uberlândia, eu tinha vontade de produzir algo com ele; vontade que se concretizou quando Xavbeatz trouxe a proposta de convidá-lo. Foi uma relação coligada.
4. Qual a importância do afrobeat na construção do álbum “I”?
O Afrobeat me traz a ligação de quem eu sou como artista baiana e com minhas raízes na música negra. Pela referência que tive do Afropop baiano, ao
longo da vida e nascida na maior capital negra do Brasil, sinto o afrobeat como ancestralidade, por isso sinto que ele me liga com o mundo. O gênero se tornou um fio condutor durante o processo de construção, tanto de escuta e estudo, como de essência, isso foi meio que inconsciente, sabe? Na real, foi ancestral… Quando eu vi estava me reconhecendo muito e com um fluxo livre e intenso de composição.
5. Como você descreve a evolução do seu estilo musical desde seus trabalhos anteriores até agora?
Descrevo como uma descoberta interna. Eu fiz um movimento da MPB – Afropop/Axé – Hip Hop – R&B – Afrobeat.. No fundo estou fluindo no que é a música negra e periférica. Parecem distintas, mas estão encaixadas! Eu gosto de fluir musicalmente por aquilo que estou ouvindo no momento e consequentemente, estou fluindo na música negra. Talvez o que senti agora, foi uma maior conexão com o que vem de fora do Brasil, antes eu não escutava tantas artistas internacionais, mas não sinto como evolução, sinto como fluxo contínuo daquilo que me constrói enquanto artista.
6. Pode nos contar mais sobre as influências musicais que tiveram impacto na criação deste disco?
Bem, para este trabalho, me concentrei em três gêneros básicos, que vem do que consumo como música atualmente, ligando os gêneros que que são executados até então em meu repertório, a novas influências sonoras e referências de álbuns contemporâneos dos continentes africano, europeu, asiático e norte americano, como fonte de criação e pesquisa vocal. Como resultado deste estudo, concentrei três gêneros chefes: o Pagode Baiano, com elementos e variações no Trap, swing baiano, brega e arrocha; o Afrobeat, com a presença marcante do swing de ritmos africanos, jazz e funk; e por fim o R&B, trazendo o blues, soul e o lo-fi, arraigados à vocais com estética experimental no pop contemporâneo. Neste quesito, nomes como Sampa the Great, Mayra Andrade, Larissa Luz, Alewya, Lianne La Havas, ÀTØØXXÁ e Rihanna, foram responsáveis por incitar muitos processos de criação. A fluidez que essas artistas trazem na música negra brasileira e internacional, me conectam com minhas referências sonoras e pessoais. Sempre fui uma pesquisadora específica de música, digo específica, porque desde pequena, busco uma relação de onde eu venho, com a música de certos países. Essas artistas, e não só elas, me transportaram para este estudo e resgate musical ancestral e de referência. O que justifica a imersão na Bahia, no brega, no arrocha, ijexá, afropop, afrobeat, soul, R&B… Eu vejo uma ligação entre tudo isso, comunicando com o que sou.
7. Como foi a experiência de trabalhar com o duo canadense TRP.P na faixa “Lies”?
A produção com o TRP.P, nasceu através do nosso encontro em uma conferência internacional aqui no Brasil em 2022, trocamos contatos e prometemos nos encontrar em algum trabalho. Com o passar dos meses, vi na
Natura Musical, uma excelente oportunidade de fazer isso acontecer, junto ao meu disco, assim, convidei o Truss e a Phoenix para um intercâmbio, ao qual foi possível de forma remota.
Foi uma experiência fantástica! Eu não sou fluente em inglês, mas estou aprendendo o idioma, vi nesta oportunidade uma atitude real de desafio e expansão pessoal e profissional. Logicamente, contei com um suporte de comunicação do meu professor de idioma e depois assumi por completo essa comunicação.
À distância, compartilhamos nossas ideias para a faixa, onde eu compus a letra e melodia, tive auxílio deles e do meu professor para que a música ficasse fluida e coerente e seguimos com a colaboração. O Truss assumiu a produção musical com o beat e a Phoenix com os arranjos vocais. Por fim, tudo isso resultou em uma linda faixa e uma linda colaboração entre nós e uma vivência ímpar.
8. Como a estética visual do disco foi desenvolvida junto com a parte musical?
Bem, eu sou uma artista das visualidades também. À medida que as músicas foram se entrelaçando com minhas vivências, comecei a ver crescimento pessoal e espiritual, “via” mentalmente símbolos, cenas, cores e imagens que indicaram o conceito do disco.
Estou tentando falar de modo mais técnico e acho que parece chato retornar ao reencontro cósmico, mas a base visual vem de vivências espirituais, entre o tarô, a cosmologia e a essência do que enxergo como o que é a essência pessoal, que para mim, é o universo. Hora, se minhas músicas falam sobre essa essência pessoal, espiritual e muitas dessas músicas foram construídas e confirmadas e construídas a partir das vivências em jogos de tarô, logo, elas também são a estética visual.
Encaminhando assim, criei roteiros, cenas e visualidades que contemplassem esta mensagem; que trouxessem símbolos, códigos e referências nas músicas e também no material audiovisual. Que transportasse o/a/e ouvinte ao seu mundo interno e espiritual.
9. O que o público pode esperar das sessões acústicas, videoclipes e do short film que serão lançados em 2024?
Podem esperar um material muito bem produzido, desde seus roteiros, cores, roupas, produção ao qual nunca tinha feito e muita magia, magia mesmo. Cada minuto e cena foi pensada para conectar o público com a mensagem central e espiritual da obra, criando uma sinestesia e reconhecimento com o material. O visual é quase um portal para apresentar temas, reflexões e percepções sobre si
10. Como o apoio do Natura Musical influenciou a realização do projeto “I”?
Eu já estava ansiando um novo trabalho, mas tudo no campo das ideias. O edital da Natura possibilitou a realização concreta do projeto em quesito de suporte financeiro e também de colocação no mercado. A Natura é um importante nome no mercado da música brasileira, possibilitando que este disco
tenha uma projeção nacional e neste caso também internacional, dentro de alguns limites. Então, a Natura foi uma propulsora na produção e alcance desta obra.
11. Qual foi a coisa mais engraçada que aconteceu durante as gravações do álbum?
Nossa, tivemos muitos momentos! É super difícil selecionar um, mas com certeza os momentos de bastidores das gravações do audiovisual que contou com a convivência de cerca de 20 pessoas por longas horas e fins de semanas, em específico foram 40 dias de produção e 5 dias de gravação. A equipe se encaixou tão bem, que nos momentos de lanche, maquiagem e preparação, nos renderam muitas piadas, memes e figurinhas de whatsapp kkk. Ninguém podia bobear em set, senão, virava a figurinha da semana. Foi uma convivência muito gostosa e natural.
12. Se você pudesse colaborar com qualquer artista do mundo, vivo ou morto, quem seria e por quê?
Muito difícil responder, eu gravaria com todas as minhas referências musicais Elza, Djavan, Cássia Eller, Larissa Luz, Gal Costa, todos esses nomes que venho citando, e no meio de tudo isso, eu não tenho uma preferência, porque cada um/uma tem sua essência e momento. Se não fica essa coisa utópica e determinada… Realmente não tenho, faço música com quem sinto identificação pessoal, espero ainda conhecer pessoalmente alguns desses nomes que estão vivos/vivas para poder colaborar.
13. Qual é a sua faixa favorita do álbum e por quê?
Olha, eu poderia dizer que tenho minhas especiais, mas também não tenho favoritas. Se fosse para escolher uma que represente, hoje, eu escolho “Há um Vazio”, ela foi a primeira antes de não existir disco, me conecta com a Natania lá do passado com um sonho no coração e inocência nas mãos, mas ainda sim, não é minha favorita, porque a cada semana e vivências eu tenho uma favorita kkkk já foi Tudo Bem, Oásis, Quinquilharias e por aí vai…
14. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou na transição da banda Azenza para sua carreira solo?
O maior desafio foi a finalização e a falsa sensação de ter perdido tudo. Foi uma decisão, que inclusive, partiu de mim, eu sabia que não fazia mais sentido e estava segurando aquele ciclo por gostar das relações, das pessoas e da segurança de já ter “construído” uma “carreira”. Quando decidimos acabar, eu sabia que seria difícil e sinceramente eu tive muito medo de ter que “recomeçar” do zero; eu tinha medo de ter que refazer os passos, etapas, formar público e na real tudo isso era o medo da finalização. Confesso que isso me levou a momentos dificílimos de reinvenção, reflexão, mas que foram tão genuínos que me mostraram o meu poder pessoal, valeu todo o desafio.
15. Como foi ser finalista nos festivais Lift-Off Sessions Awards e m-v-f Awards com o projeto “Liberdade Deluxe”?
Foi uma sensação maravilhosa! Senti mais orgulho no m-v-f porque eu estava concorrendo dentro de casa com outros artistas, de grande nome e estar alí também fazia do meu trabalho grande. Foi uma experiência única! Quero repetir e das outras vezes, quero levar o prêmio, quem sabe não vem por aí?
16. Quais são seus objetivos e expectativas para o futuro da sua carreira após o lançamento do disco “I”?
Tenho muitos objetivos, sobre as expectativas, eu tento controlar um pouco, para entender e respeitar o meu lugar hoje no mercado, quero percorrer cuidadosamente cada etapa. Sucesso para mim é um crescimento sólido e de cuidado. Tenho planos para vinculação do disco, tanto na circulação do show oficial, assim como planos de extensão como materiais de vídeo, bastidores e porque não um físico para abrir ainda mais os caminhos?
17. Você mencionou a busca por autoconhecimento e espiritualidade durante a criação do disco. Como isso se reflete nas letras das músicas?
Eu acredito que não só refletem, mas compõem as letras das músicas. Houve faixas que foram escritas especialmente a partir do que eu precisava ouvir naquele momento… Conscientes e inconscientes… Quinquilharias e Buraco por exemplo, durante a escrita dessas faixas, eu achei, sinceramente, que estava jogando palavras e realmente eu estava jogando palavras para formar uma estrutura musical depois e ir arrumando a letra, porém, quando ouvi fiquei pasma.
Durante os laboratórios e momentos de composição, eu tinha o hábito de compor no software de música e depois salvar no celular para ouvir depois. A partir do momento que terminava e salvava a faixa, eu ia me distrair com outras ocupações, desde ir assistir uma série, sair com amigos ou coisas que me afastasse daquela energia intensa de criação. Somente quando eu ia dormir e sempre após uma leitura de tarô, já deitada, eu ia ouvir a guia que havia sido criada no dia; nesta rotina “aleatória”, foi que percebi, que, após assistir um jogo de tarô que me trazia as exatas respostas as minhas aflições em meio ao meu despertar espiritual, essas músicas eram exatamente uma confirmação do jogo e uma mensagem direta da espiritualidade, para o que eu buscava naquele momento.
Tirando Lies, pensada unicamente para uma história fictícia, todas as outras faixas tiveram essas vivências que batem com minha redescoberta. Acredito no subconsciente, acredito que nossa intenção às vezes precede o que projetamos e planejamos, mas, é muita coincidência, para uma única experiência pessoal e espiritual. Naquele momento eu comecei a entender que a espiritualidade, através da minha essência, trazia uma mensagem de transformação do imanente para o transcendente.
18. Alguns críticos podem dizer que misturar gêneros musicais pode diluir a essência de cada um. Como você responde a essa crítica em relação ao seu álbum?
Respeito e entendo, acredito que isso aconteceu no disco da Azenza inclusive, foi um gênero por faixa, na ânsia de mostrar um trabalho eclético, mas, também reconheço que é impossível ser algo só, fixa e imutável! Se nossa identidade é o encontro de várias. Identidades na pós-modernidade, são fragmentadas e completamente mutáveis! É quase impossível produzir algo em um único gênero, sem contar como nos constituímos culturalmente e como somos atravessadas. Não acredito que houve uma diluição na essência, muito pelo contrário, estou contando sobre minhas essências e como elas se constroem. Assim como nossas identidades, geramos novos gêneros, variações, possibilidades e isso constrói o nosso ser e fazer artístico.
19. Em tempos onde a música pop domina as paradas, como você vê a aceitação do público para um trabalho tão diversificado e experimental como o seu?
Dentro de alguns quesitos, lógicas e visões “I (Uma/one)” pode ser e está sendo considerado um disco pop por alguns (eu fico ?)… É difícil exemplificar o que é pop, mas entendo a definição. Em relação a aceitação do meu trabalho, eu sinceramente, vejo um público sendo conquistado, eu vejo uma aceitação melhor do que vi em outros cenários, em vista que ainda estou em um espaço emergente, buscando mais reconhecimento e olhares para o meu trabalho; e quanto a isso, eu vejo que o público recebe de maneira fantástica! As pessoas sempre se impressionam com a qualidade técnica, com a estética e com a mensagem. Tenho recebido muitos elogios quanto às letras, arranjos e sonoridades, isso desde os ouvintes comuns, até os profissionais do ramo, produtores, artistas… E se considerarmos todos esses fatores, tive uma excelente recepção, agora, quanto a streaming é outro setor. Toda/e/o artista emergente tem dificuldades de reprodução e recolhimento de faixas nos streaming, mas esta é uma outra discussão.