Entrevista: José Filipe Faro, escritor

1. Como as obras de George Orwell, Jostein Gaarder e Paulo Coelho influenciaram a criação de “A Revolta do Buraco”?  

O George Orwell pela estrutura simples dos livros, com poucas páginas e mistura de ficção com realidade.  O Jostein Gaarder por conseguir colocar conteúdo técnico de forma leve. E O Paulo Coelho por criar personagens surpreendentes que qualquer idade se identifica. 

2. Como você conseguiu equilibrar a ficção com a realidade, criando uma narrativa que ressoa profundamente com questões sociais contemporâneas?  

Como vejo que a arte é um ataque à realidade, desde que comecei a escrever o livro fiz conexões com o mundo real. Trato este livro não somente como ficção, mas sim um trabalho artístico até porque é nela que idealizo uma sociedade, que projeto algo novo e apresento. Porém sou um materialista do ponto de vista sociológico então não consigo apenas idealizar, tive que fazer conexões com o que já aconteceu na sociedade também, para que o leitor não pense que é apenas algo utópico. 

3. Ao mencionar que o livro é direcionado aos jovens, como você espera que sua mensagem revolucionária impacte esse público específico? 

Se este livro for o primeiro que um jovem leia para mim, já atingiu um dos objetivos e que através dele desperte o interesse de novas leituras, atingiu outro objetivo. É necessário ter opções de leituras simples para auxiliar o jovem que não se interessa por leitura. Eu já fui um jovem desse. Levei um tempo até gostar de ler. Sei da importância das leituras clássicas Brasileiras, mas muitas vezes elas não estimulam a leitura. E precisamos para ontem criar o hábito de leitura no Brasil.

Sobre a mensagem espero que crie um desejo de mudar e transformar nossa realidade. Porque não basta compreender a realidade, é necessário querer transformá-la.  

4. Em “A Revolta do Buraco”, Rosa embarca em uma jornada de autodescoberta. Como essa jornada reflete suas próprias experiências de vida e visão de mundo? 

A frase da Rosa Luxemburgo Quem não se movimenta não sente as correntes que te prendem faz muito sentido. Não que eu estivesse preso em correntes, porque nasci na classe média e esta classe é menos explorada do que a de baixo. Mas eu estava preso em ideologias dominantes como o individualismo por exemplo. Mudei muito meu pensamento político nos últimos 8 anos. Mas tive que ler para isso. E ler bastante. Tive que sair do meu ´´Buraco“, para depois voltar com novos conhecimentos. E quando comecei a entender a realidade, senti a necessidade de fazer parte da mudança também. Criou o desejo de participar de coletivos, movimentos sociais, etc. Não há como fazermos mudanças sozinhos. O coletivo é o que move o mundo. 

5. Como você abordou a incorporação de elementos de “A Revolução dos Bichos” e “O Mundo de Sofia” em sua obra, criando uma narrativa única? 

O livro A Revolução dos Bichos, do George Orwell influenciou por ser uma fábula e principalmente na estrutura simples e com poucas páginas. Ele é um livro de fácil leitura e muitos jovens leem. Mas a mensagem do livro A Revolução dos Bichos é reacionária e antipopular, diferente do a Revolta do Buraco que é popular e Revolucionária. 

Já O Mundo de Sofia do Jostein Gaarder foi o primeiro livro que li por vontade própria. Ele sabe misturar muito a ficção com a realidade e explica em cada capítulo um filósofo da história. Achei genial como ele traz um assunto denso de forma leve. Tentei fazer isso também. Eu cito momentos históricos e livros importantes conectados com a trama. O Mundo de Sofia tem A Sofia que é uma personagem curiosa e que muitas idades se identificam. Tentei criar isso também na personagem principal, a Rosa. 

6. Em que medida a sua formação em comunicação e publicidade influenciou a apresentação da narrativa, especialmente no contexto político que permeia a história? 

Foi fundamental para organizar o processo de como passar uma mensagem de forma clara, lúdica e suave para o público através de uma estrutura simples.

7. “A Revolta do Buraco” reflete uma gama diversificada de influências literárias. Como você equilibrou essas influências para criar uma obra coesa e única? 

Tentei definir 3 pontos para minha obra: estrutura, mensagem e público-alvo. E em cada ponto encaixei as referências literárias. Além das referências que citei acima, existem muitas outras de forma subjetiva para que o leitor capte ou não.

8. Sua participação em projetos sociais, como a Estamparia Social e a cooperativa do MST, moldou de alguma forma a abordagem de “A Revolta do Buraco”? Como?

Sim. A história nos mostra que o ser humano é muito mais coletivo do que individual. Atualmente vivemos em um sistema econômico, político, social que exalta o indivíduo, mas não quer dizer que foi sempre assim. O coletivo é o que fez a humanidade se desenvolver. Me envolver em projetos sociais, além da leitura, me fez ver isso na prática. O Estado, muitas vezes, não cumpre o papel dele e coletivos de pessoas que fazem tudo acontecer. O MST por exemplo, tem mutirões para construir escolas, casas, plantar árvores. É maravilhoso ver pessoas unidas em prol de um objetivo. Deixando claro que o MST luta por algo que está na nossa constituição: a reforma agrária.

9. Além de ser uma obra voltada para os jovens, como você espera que “A Revolta do Buraco” ressoe com leitores de diferentes idades e experiências de vida? 

Escrevi o livro para os jovens de espírito, sejam eles jovens de idade ou não. A Juventude é muito importante mesmo quando somos adultos. O jovem é questionador, aventureiro, desbravador. São muitas qualidades do nosso ´´eu jovem“. Espero que desperte esse lado em qualquer idade que ler.

10. Da publicidade ao empreendedorismo e agora à escrita, como cada fase da sua carreira contribuiu para a criação desta obra e moldou sua perspectiva artística? 

Tentar criar ideias e negócios foi algo que me fez olhar a realidade e tentar oferecer algo novo. Quando fui sócio do Clube do Minhoca tive contato com muitos artistas. O Patrick Maia, meu amigo e ex-sócio, soube construir uma casa de stand up com espaço para música e arte no geral. Então fiz amizade com pintores, músicos, atores. Estar do lado dos artistas despertou meu lado artístico que estava silenciado por alguns anos. O sistema atual faz com que a gente esqueça que todos nós somos artistas. A arte é necessária diariamente para fugirmos um pouco da realidade muitas vezes entediante.

11. Por que escolher um buraco para uma revolta? Existem buracos mais revoltados que outros?

Na verdade ´´Buraco“ é o nome da sociedade que narro. Esta sociedade vive dentro de um Buraco. Achei interessante também usar o nome Buraco, pois cria um sentido que é necessário que os que estão abaixo subam para termos uma mudança estrutural.  E fazendo uma analogia de Buraco com o sistema atual que vivemos realmente faz todo sentido. Existem pessoas sendo exploradas e vivendo em condições análogas a escravidão. Alguns se revoltam e outros não tem nem tempo de se revoltar. 

12. Se a Rosa pudesse escolher entre Instagram e Facebook, qual ela preferiria? 

Acredito que o Instagram é uma rede social que tem um público mais jovem. A Rosa é uma jovem garota, que se interessou por leitura, apaixonada por mudanças. 

13. Se o livro fosse um sabor de sorvete, qual seria e por quê?

Acho que o sorvete de açaí. A fruta é brasileira e desperta curiosidade. Sabor raro, mas acaba virando viciante com o tempo. Difícil quem experimente sorvete de açaí e não goste.

14. Como você acredita que as ideias políticas apresentadas em “A Revolta do Buraco” podem ser aplicadas na sociedade atual, considerando os desafios políticos e sociais que enfrentamos?

O livro pode despertar a vontade de ler outros livros de autores revolucionários e principalmente fazer com que o leitor se interesse em participar de coletivos sociais. As mudanças estruturais não vão acontecer apenas postando em redes sociais as suas indignações. É necessário se unir e ocupar espaços. Espero que o livro estimule essas ações.

15. Como você lida com críticas que afirmam que a obra simplifica demais as complexidades das questões sociais que aborda? 

A ideologia dominante simplifica tudo. Depois que comecei a ler política e compreender a realidade vi que tudo era complexo do ponto de vista social.  A Revolta do Buraco não precisa cumprir um papel intelectual. Esse nem é o objetivo. Eu nem tenho essa bagagem. O que quero apenas é que desperte o interesse em buscar outros livros, outros pensamentos e que o livro compra o papel de atacar a realidade e o sistema atual.

16. Algumas interpretações sugerem que a obra pode ser interpretada de maneiras diversas. Como você responde àqueles que veem “A Revolta do Buraco” de maneira oposta à sua intenção original? 

O papel da arte é realmente esse. Cada pessoa que ler irá interpretar com base nas referências que cabem a ela. E não vejo nenhum problema. Explorar a criatividade é importantíssimo. Como uma música, mesmo que o autor tenha pensado em uma mensagem, não é ele que define a fundo o rumo histórico da própria arte.

17. Como a transição de uma carreira em publicidade para a gestão de uma metalúrgica influenciou sua perspectiva artística e literária?

A publicidade me auxiliou na forma como me comunico e expresso a mensagem. Já a metalúrgica, por ser uma empresa familiar, me auxiliou em ter contato com outras classes sociais. E não de uma forma abstrata, olhando de fora, pelo contrário, me conectado com cada pessoa que trabalhasse na empresa e aprendendo diariamente com isso.

18. Sua experiência em empreendedorismo, incluindo a co-fundação da Wheyme, de que maneira se reflete na abordagem de “A Revolta do Buraco”? 

A Wheyme foi uma vending machine de whey protein que criei com um amigo. Chegamos a colocar ela na Smart Fit. Foi um laboratório de criatividade. Conseguimos ver o todo, identificar erros e acertos. Mas acho que o maior aprendizado da Wheyme que levei para a escrita do livro foi: um passo de cada vez.

19. O envolvimento em projetos sociais, como o Clube do Minhoca e a cooperação com o MST, impactou diretamente a temática do ativismo social presente em sua obra? 

Sim. O Clube do Minhoca no fundo é um coletivo artístico. Já os movimentos sociais são coletivos sociais por luta em mudanças. Ambos são coletivos de trabalhadores. São sempre eles que fazem tudo acontecer. Quem sobe em um palco, mesmo ganhando muito dinheiro, é trabalhador assim como o que está em um assentamento do MST só que menos explorado. Talvez a realidade confunda a gente e nos desconecte. Mas quando a informação chega e cria consciência, tudo aparece e nos une. A sociedade do Buraco é um coletivo também, mas precisaram acessar a educação para terem a compreensão de como estavam sendo explorados e quais caminhos teriam para as mudanças.