Entrevista: Bia Crespo, escritora

Entrevista: Bia Crespo, escritora

1. Bia, este livro tem uma premissa única e envolvente. O que a inspirou a escrever sobre um romance sáfico e um relacionamento de mentira?

Romance sáfico é meu gênero literário favorito e também o que eu mais consumo como leitora. Eu sempre quis contar histórias de amor entre mulheres no audiovisual, que é minha área principal de trabalho, porém encontrei muitos obstáculos na aprovação de séries e filmes com esse tema. A trama do relacionamento de mentira veio naturalmente, talvez por ser um dos tropos literários que eu mais gosto. Acho que é uma forma muito rápida e eficaz de elevar o conflito romântico e escalonar os riscos ao longo da história, principalmente quando lidamos com personagens inseguras demais para confessar seus sentimentos, como é o caso da Antônia.

2. Pode nos contar mais sobre as personagens principais, Tamires, Antônia e Júlia? Como você desenvolveu suas personalidades e como elas se relacionam na trama?

Antônia é a protagonista da história. Ela tem 18 anos, acabou de começar a faculdade de cinema e está doida para viver seu primeiro romance. Já sabe que é lésbica, mas nunca ficou com nenhuma garota, mesmo com todo apoio e estímulo da irmã Tamires que, por sua vez, já ficou com todas as garotas que elas conhecem. Tamires é confiante e carismática, o tipo da pessoa que é amiga de todo mundo. Sendo assim, várias meninas são apaixonadas por ela, mas Tamires nunca entra em relacionamentos sérios. Júlia está decidida a ser a primeira namorada de Tamires, mas ainda não sabe que Antônia está apaixonada por ela. Júlia é uma garota cheia de complexos familiares que tem muita coisa em comum com Antônia, o que vai ser revelado conforme elas vivem um relacionamento falso cada vez mais verdadeiro.

Foi muito divertido escrever essas personagens, principalmente Antônia e Tamires, porque eu não tenho irmãos. Observei a relação das minhas amigas que tem irmãs e tentei reproduzir isso no livro, essa competição misturada com amor e admiração. A Júlia foi ganhando camadas de complexidade conforme vamos entendendo suas motivações além do romance. Foi a personagem que mais gostei de escrever e tive grande ajuda da Juily Manghirmalani, que fez uma excelente leitura sensível sobre a cultura indiana que compõe o universo dessa personagem.

3. A trama aborda temas como primeiros amores, amor entre irmãs e amor-próprio. Como esses temas se entrelaçam na história e por que você os considerou importantes?

Amor-próprio é um dos temas principais da literatura jovem adulta. É muito comum que nessas histórias as pessoas estejam se descobrindo, se tornando quem elas serão pelo resto da vida, e ganhando confiança para ser quem são. O amor entre irmãs foi uma forma de contar essa história através da comparação: Antônia não se acha boa o bastante porque sua irmã é melhor que ela em tudo, ou pelo menos é o que ela acha. A jornada que ela precisa fazer é entender que as pessoas são diferentes e que sempre vai ter alguém que gosta dela como ela é. O amor romântico é um tema universal que fala com todos os públicos, mas especialmente com o jovem adulto. Acho muito bonito como ele pode revelar nosso lado mais vulnerável e, ao mesmo tempo, nos fazer amadurecer e ficar mais fortes.

4. Uma das personagens, Antônia, se sente como uma versão sem graça de sua irmã Tamires. Como isso afeta o relacionamento delas e qual é a mensagem que você deseja transmitir sobre autoestima?

A ideia é que não devemos nos comparar com ninguém, seja com a irmã mais velha, seja com aquele primo concursado ou com o vizinho que passou em uma faculdade pública. Esse também é um assunto recorrente entre adolescentes e jovens adultos, por isso decidi abordá-lo no meu livro para mostrar que nós devemos nos bastar. Essa comparação é besteira e, ao longo da vida adulta, vamos nos distanciando cada vez mais disso. Individualidade e confiança fazem parte da busca pela maturidade.

5. O livro também toca em questões LGBTQIAP+. Como você acha que sua obra pode impactar jovens que estão explorando sua própria identidade?

Quando eu era adolescente, nos anos 2000, não havia praticamente nenhum livro com temas LGBTQIAP+. Filmes e séries eram pouquíssimos e super difíceis de achar, isso quando não eram tragédias horríveis. Tenho certeza de que isso atrasou minha saída do armário e a compreensão de que eu era lésbica, tanto que só fui me afirmar depois dos 25 anos. Acho extremamente importante que adolescentes e jovens adultos tenham contato com todos os tipos de representação na literatura, de forma que possam se enxergar nas páginas e ver as possibilidades para si próprios. Essa fase da vida é cheia de descobertas, tentativas e erros, então, se eu puder tornar isso mais fácil para alguém, terei feito meu trabalho.

6. Júlia desempenha um papel importante na trama, tentando conquistar Tamires para provar um ponto. Como essa dinâmica afeta as personagens e a história como um todo?

Júlia é a força motriz dessa história. Ela inventa o plano maluco de ter um namoro falso com a Antônia só para ficar próxima da Tamires. No fundo, ela precisa provar constantemente que consegue ser melhor, que pode chegar onde ninguém chegou — que, no caso, é namorar a Tamires. De uma certa forma, esse caos todo é o que coloca Antônia em movimento e a tira da zona de conforto. Eu gosto de pensar que Antônia e Júlia são pessoas que tinham muito a aprender uma com a outra. Não é à toa que elas se encontraram.

7. Sentimentos genuínos se misturam com sentimentos falsos ao longo do enredo. Como você abordou a complexidade dessas emoções na escrita do livro?

Antônia tem muitos pensamentos conflituosos sobre o que ela está fazendo, começando pelo fato de que talvez esteja namorando a crush da irmã dela. No livro fica muito claro que Tamires não tem sentimentos pela Júlia, mas é sempre um fantasma que assombra Antônia por elas já terem ficado anteriormente. Depois disso, tem o conflito de Antônia estar se apaixonando por alguém que gosta de outra pessoa e não conseguir evitar isso. Ela se afunda cada vez mais no sofrimento só para ficar perto da Júlia. Mas não é uma narrativa pesada. Ela acaba rindo de sua própria tragédia através das conversas com Dona Eumínia, o poster falante que a aconselha ao longo da trama.

8. Você mencionou sua missão como escritora em relação à visão dos jovens sobre a comunidade LGBTQIAP+. Como o enredo de “Eu, Minha Crush e Minha Irmã” contribui para essa missão?

Acredito que muitas garotas de várias idades vão se identificar com a história e os dramas da Antônia, especialmente no que diz respeito à falta de confiança e amor-próprio. Também há essa dificuldade de ser uma lésbica que nunca se relacionou com mulheres pois, ao contrário dos relacionamentos heteronormativos, a sociedade nunca nos ensinou sobre isso. Como saber se outra garota tem interesse? Como chegar nela, como paquerar? São questões comuns a sáficas de todas as idades.

9. Além de ser autora, você também é roteirista e produtora. Como essa experiência influenciou sua escrita neste romance?

O livro é bem audiovisual, quase como se fosse um filme. A minha escrita é focada em imagens e diálogos rápidos que vem da minha experiência como roteirista, especialmente nas cenas em que Antônia expõe seus conflitos internos conversando com a Dona Eumínia imaginária. O livro também tem elementos de comédia, que é o gênero onde tenho mais experiência no audiovisual.

10. Por fim, onde os leitores podem adquirir uma cópia de “Eu, Minha Crush e Minha Irmã” e o que podem esperar encontrar ao mergulhar na história?

O livro está disponível na Amazon, tanto em versão física quanto em ebook, e também em diversas livrarias do Brasil.

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