Entrevista: Yasmin Mineira, criadora de conteúdo e estudante de medicina

1. Yasmin, você recentemente chamou a atenção para o machismo que existe no mundo da medicina. Pode compartilhar mais sobre sua experiência pessoal com isso?
Vou dar um exemplo que nem precisa ser sobre mim: a ginecologia se concentra na fertilidade, gravidez, parto. Apenas 12% tratam problemas não relacionados às funções reprodutivas e 4% abordam a saúde da mulher antes e depois da idade reprodutiva. Devido ao domínio masculino do campo da ciência, tradicionalmente consideram o corpo feminino como um objeto de produzir bebês e satisfazer desejos sexuais. Em relação a mim, não seria diferente, certa vez recebi um bilhete anônimo deixado em cima da minha mesa, escrito que lá não era lugar de pessoas do “meu nível “ , assim desacreditando da minha capacidade como ser humano e tentar descredibilizá-la por trabalhar gravando conteúdos eróticos. É como se fosse um demérito, uma vergonha, até mesmo uma “sub-raça”, é como se eu não merecesse e/ou não fosse capaz.
2. Você mencionou ter sofrido julgamentos por vender conteúdo adulto no OnlyFans. Como essa experiência afetou sua jornada na faculdade de medicina?
Isso sempre me impactou, desde boatos sobre como consegui ingressar na faculdade ou concluir os períodos, dizendo que eu ficava com algum professor ou funcionário da faculdade para atingir as notas. Colegas me assediando achando que só por trabalhar como criadora, queria sexo o tempo todo, com qualquer pessoa e em qualquer lugar. Mensagens ofensivas e sexuais que recebia no whatsapp por estudantes que nunca tiveram contato comigo e até mesmo assédios nas dependências dos campus. Claro que isso me prejudicou, as pessoas não queriam formar grupos comigo, logo na medicina que é preciso exercer um trabalho em equipe. Mas eu nunca desisti, eu levei até onde eu podia sozinha, até que minha responsabilidade e dedicação se sobrepôs às superstições.
3. Você comparou a crítica que recebe com o incidente de masturbação coletiva de outros estudantes. Pode nos explicar essa comparação e por que acredita que é mais criticada?
O grupo no Facebook “ Coletivo Feminista Geni” criado por estudantes de medicina da USP em 2014, liderou um boicote à festas universitárias de Medicina em resposta aos relatos de violências e abusos contra a mulher. Apesar dos inúmeros casos denunciados no passado, as velhas práticas machistas ecoam atualmente como o caso desses jovens exibindo suas partes genitais em um torneio feminino. Em nota, a Unisa irá rever o posicionamento de cada caso e adotou uma postura, segundo o advogado de defesa de um dos acusados de “mais reeducação do que para punição”. No dia 26 de setembro, a Justiça Federal mandou reintegrar os alunos que foram “expulsos” . Da uma sensação de prepotência, sabe? Mas a realidade da mulher na medicina é difícil e desafiador, ainda mais o meu que tem como aditivo o esteriótipo sexual por causa da criação de conteúdos adultos. Eu nunca quis denunciar as piadas machistas, assédio sexual e moral que sofri, porque sei que não teria voz. Essa decisão da Justiça Federal evidencia a impunidade do homem diante a esse tipo de abuso contra as mulheres.
4. Em sua opinião, por que práticas machistas como essa não foram abordadas adequadamente na faculdade de medicina?
Em 2009, os homens correspondiam a 60% dos médicos brasileiros e as mulheres 40%. Na história brasileira, nenhuma mulher foi diretora ou presidente de associações médicas. A partir disso, é possível evidenciar o machismo estrutural e sexismo presente nas relações de poderes como lideranças sempre ocupadas por homens. Apenas uma contestação de um advogado de defesa de um dos acusados no caso da Unisa, foi capaz de beneficiar o retorno de todos os estudantes expulsos.
5. Você mencionou ter sido excluída de grupos de trabalho e alvo de fofocas. Como isso impactou seu desempenho acadêmico e emocional?
Uma das lições que eu levei pra vida é a do patinho feio (sozinho e em sofrimento) que era diferente dos demais irmãos. Quando passaram a excluí-lo, o patinho procurou outras ninhadas em meio a perseguição de outros animais, como bicada de galinha. Assim como o patinho feio quando se olhou no reflexo da água e viu um cisne, todo o sofrimento e lutas diárias que eu passei sozinha tentando ingressar e permanecer na faculdade fizeram que emergisse a minha autodescoberta e o que eu sou. Com isso, afirmo que me conheço e usei da minha fórmula mágica: dedicação, perseverança, resiliência. Aprendi não fazer questão de me encaixar em grupos, pois precisaria me moldar para encaixar, assim perdendo minha identidade, mas tenho orgulho daquilo que me difere. Eu nunca pensei em desistir da medicina por causa das críticas, arrisco a dizer que elas foram combustível para meu desempenho. Sempre faço todos os afazeres acadêmicos e entrego muito antes da data determinada; tenho boa oratória e apresento sozinha meus seminários; tenho proatividade nas aulas práticas e busca ativa por conhecimento. As críticas nunca abalaram o meu desempenho na faculdade.
6. Durante sua jornada, você ouviu especulações sobre relações com professores para obter notas melhores. Como lidou com esses rumores?
Sempre mantive uma postura muito mais séria que qualquer outra pessoa para justamente não dar abertura. Tive que ser mais fechada, até porque a maioria dos homens não conseguem diferenciar simpatia de flerte.
7. Você mencionou sentir-se desrespeitada tanto como estudante de medicina quanto como mulher. Pode falar mais sobre essas situações e como elas a afetaram?
Infelizmente, a educação feminina doméstica e escolar ainda estimulam a insegurança intelectual, emocional e financeira feminina. Iniciando já durante a graduação de medicina, estereótipos sexistas e discriminação de gênero. Muitas vezes passando de forma inofensiva, alguns hinos de faculdades e periódicos estudantis com sátiras machistas, em que objetificam mulheres e reduzem sua importância papéis estereotipados, ajudando a perpetuar o preconceito de gênero. Além do “fator mulher” eu tenho o plus de estar inserida no contexto da produção de conteúdo sexual, é como se o esteriótipo tenha uma justificativa plausível para o machismo em dose dupla. Como eu disse, pensam que quero sexo a todo momento, que minha moeda de troca é o sexo.
8. Quais mudanças você acredita serem necessárias para combater o machismo no mundo da medicina?
Acredito que penas mais severas são necessárias, como expulsão definitiva desses alunos, suspensão do direito de frequentar o curso por determinado período e inclusive penalização das universidades em casos de reincidência.
9. Como você enxerga o futuro da sua carreira na medicina em relação às críticas que recebe por seu trabalho no OnlyFans?
Depois que cai na internet não tem mais volta, porém as coisas passam e meus filmes vão somente ser arquivos nesse mundo gigante de dados. Eu vou continuar estudando, fazendo cursos, me especializando para me tornar a melhor médica que puder. Duvidavam de mim quando prestei vestibular e olha onde já cheguei. Mostrar minha força, não como prova à ninguém, mas como resultado do meu esforço e buscando atingir meus objetivos é a melhor resposta
10. Para finalizar, quais conselhos você daria para outras mulheres que podem estar enfrentando situações semelhantes na área da saúde?
Logo no início da graduação que sofri abusos morais, sexuais e críticas de incapacidade intelectual por colegas de curso por ser uma criadora de conteúdos sexuais, não tive coragem de registrar denúncias formais. A problemática de hinos e comemorações machistas de alunos Unisa, me trouxe reflexões sobre situações que em que me calei, até mesmo por não perceber o machismo velado de sempre demonstrar a “força” de que já que você está aqui, então seja forte. O conselho que dou para mulheres que estão em alguma situação que envolve qualquer relação de abuso é: EU NÃO ACEITO ISSO! É necessário que todas as mulheres tenham completa conscientização de abusos velados, principalmente quando envolvem relações de poder e encorajar-se a realizar denúncias aos órgãos competentes.
– VOCÊ É CAPAZ!
Jamais desista dos seus sonhos por qualquer qualquer crítica
– SE CONHEÇA!
Quando você sabe quem você é e reconhece seu papel na sociedade, nenhum achismo te definirá o seu “eu”.
– NÃO TENHA DÚVIDAS do seu potencial e de onde quer chegar.