Entrevista: Diego Mendonça, artista plástico

Entrevista: Diego Mendonça, artista plástico

1. Diego, parabéns por receber o Prêmio Top Of Mind na categoria Artista Internacional! Como você se sente ao conquistar esse reconhecimento?

Muito obrigado pelo Carinho! Sinto-me honrado e abraçado pelo público. A votação foi aberta, pela internet e sinceramente fiquei surpreso com o resultado, porque outros candidatos eram mais “populares” nas redes sociais, com muito mais seguidores, mas venci a votação. Creio que o público gostou bem do meu trabalho e isso alegra minha alma e traz motivação para continuar a trabalhar e traz a certeza de que estou no caminho certo. 

2. Sua jornada artística é verdadeiramente inspiradora, tendo trocado a carreira de advogado pela pintura. O que o motivou a fazer essa mudança tão significativa em sua vida?

Desde criança eu sonhava em ser artista. Mas a necessidade e pressões familiares fizeram que eu buscasse uma renda e fiz concurso para sargento do Exército, lá iniciei meu curso no Direito. Mas deixei o Exército após 3 anos de caserna. Continuei o curso do Direito, passei na OAB (2009), advoguei 3 meses e vi que não era esse o caminho que gostaria de seguir, não me via um idoso advogado aposentado. Queria fazer mais, queria ser eu mesmo, queria deixar minha marca no mundo através do que eu amava fazer: pintar. Então larguei tudo e comecei a dedicar exclusivamente à arte. 

3. Com um currículo que inclui exposições em locais tão prestigiados como o Louvre em Paris, você poderia compartilhar conosco qual exposição ou momento artístico marcou profundamente sua carreira?

Posso afirmar que o Louvre certamente foi a exposição mais importante que participei, porque o Louvre é o museu mais famoso e mais visitado do mundo, tenho uma área de exposições temporárias maravilhosa (Carroussel du Louvre, que fica na parte subterrânea). Foi um divisor de águas para mim, ali que minha carreira como artista passou para um novo patamar. Não posso deixar de citar minha primeira exposição no exterior, que foi em 2011 em New York, no Consulado do Brasil; foi muito marcante e foi ali que minha família decidiu me apoiar. 

4. Suas obras são conhecidas por expressar emoções e questionar conceitos. Como você acredita que a arte pode impactar a sociedade e provocar reflexões?

Acredito fielmente que a arte pode trazer um impacto para a sociedade. Diversas vezes pintei quadros como protestos, por exemplo quando aconteceu a tragédia de Brumadinho. Em janeiro de 2019, estava no Texas, nos Estados Unidos, na casa de amigos. Ao acessar a Internet, me deparei com a terrível notícia do rompimento de uma barragem em Brumadinho. Confesso que fiquei desestabilizado emocionalmente e me derramei em lágrimas, por alguns momentos. Pedi a Deus que confortasse aquelas famílias que perderam seus entes queridos. Logo em seguida, fui tomado por uma grande revolta pela incompetência de pessoas que exerciam altos cargos na empresa e que fecharam seus olhos, com o objetivo de lucrar. Cortaram custos para o descarte de material da empresa. Uma revolta por ver pessoas morrerem pelo desleixo das autoridades competentes e uma revolta por saber, devido à tradição, que ninguém seria devidamente responsabilizado e que as coisas, provavelmente, não mudariam. Ao chegar em casa, fui impulsionado a pintar (porque sou artista). Diante do cavalete, fui assombrado pelos pensamentos e lembranças das cenas que vi da tragédia. Diversas vezes, chorei diante da imensidão branca da tela. Foi em uma manhã que fui tomado por um forte desejo de protestar. Protestar contra o capitalismo, contra a corrupção, contra o sistema e pelas dores das famílias. Pintei um quadro que retrata uma menina com seu ursinho de pelúcia, ambos sujos de lama. Atrás da menina, um mar de lama que atingiu, também, a fauna e a flora da região. Também pintei um grande círculo dourado entre a menina e o cenário de fundo. O círculo dourado foi adornado com folha de ouro e depois manchado com tinta marrom, simulando lama. Chamei o quadro de “O círculo do poder traz tristeza, tragédia e morte”. Para se fazer uma arte ativista, que vai impactar a sociedade e provocará reflexões, é preciso observar os fatos, investigar as possibilidades e ter um senso crítico apurado. Em tragédias como a de Brumadinho, descrita anteriormente, ou em casos de nações que enfrentam guerras, ou sociedades em conflitos, protestos, manifestações e crises; é preciso desenvolver uma maneira de fazer arte com o objetivo de agregar pessoas para a luta, de mobilizar a sociedade em prol da causa, de uma maneira criativa e política, como afirma Mesquita (2011): 

No desafio de constituir uma história dissidente da arte e da política contemporânea, surge uma contundente tarefa de observação, de investigação e de crítica sobre os projetos de arte ativista. Em tempos de guerras, conflitos, manifestações e crises, quando a estética se aproxima da política, insurgências poéticas engendram novos modos de ação coletiva (MESQUITA, 2011, p.35). 

5. Além de sua arte, você também está envolvido em projetos sociais e educacionais. Como a arte pode ser uma ferramenta para a transformação social e o empoderamento das comunidades?

Desde a adolescência sempre estive envolvido com projetos sociais e educacionais. Acredito que todos nós temos a oportunidade de ser agente de transformação na vida de alguém, seja no fazer artístico, seja no fazer de uma especialidade técnica diferente (como médico, advogado, dentista, costureiro, pedreiro, etc). Podemos usar nossas habilidades e conhecimentos para ajudar o próximo. Certa vez fui questionado por uma pessoa de que “porque Deus abandonou a África e havia tanto sofrimento lá”. Confesso que como alguém que acredita em Deus, fiquei balançado com essa pergunta. Rapidamente veio a resposta em meu coração: Não foi Deus quem os abandonou… fomos nós… é toda uma história de exploração, matança, ódio e descaso com o povo Africano. E o que nós temos feito por eles para reparar tudo isso? Sou descendente de preto (o pai da minha mãe era preto, neto de escravizado) e vi muitas vezes meu avô sendo maltratado em lojas, por diversas pessoas, simplesmente por sua cor. Ia nos museus e só via o preto como escravizado, como faxineiro na casa grande, como operário e trabalhando nas lavouras. Foi então que decidi mais uma vez usar minha arte como ferramenta para transformação social e empoderamento das comunidades, fiz uma coleção inteira com crianças pretas, chamada “Nobreza Negra”, onde trago a reflexão de como seriam nossos príncipes e princesas se o mundo tivesse sido colonizado pela África e não pela Europa, como seria nossa arte? Como seria nossa moda? Como seria nosso padrão de beleza? E tem sido um sucesso, muitos pretos testemunham via instagram, facebook ou presencialmente na minha galeria o quanto foi importante conhecer meus quadros, pois se “sentiram representados na arte”, uma jovem uma vez me enviou um vídeo chorando, dizendo que havia recebido cura na sua alma porque se viu como uma princesa”. E parte do valor arrecadado com a venda desses produtos vão para um projeto social na Angola, empoderando assim uma comunidade através da arte.

6. Mencionou que suas criações são inspiradas em cenas do cotidiano, na natureza, na música e na literatura. Poderia nos contar como essas fontes de inspiração se manifestam em sua obra?

Eu poderia descrever vários aspectos aqui, mas vou transcrever uma fala do crítico de arte Carlos Perktold*: “Ele mostra todo seu humanismo retratando cenas de maternidade nas quais desponta o cuidado e atenção entre mães e filhas, pinta ainda nossos irmãos indígenas, pessoas amigas, autorretratos e cria outras  figuras humanas de seu universo, imortalizando-as. Em alguns deles, mostra jovens na praia atestando a beleza da mulher tropical e se preocupa com crianças, sem esquecer os pássaros e as flores”. 

(*) Psicanalista. Integra a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA). 

7. Sua exposição na Sede da ONU em Nova York chama a atenção. Como você vê a relação entre a arte e questões globais como a sustentabilidade e os direitos humanos?

A participação da exposição na ONU sempre é um motivo de alegria para mim. Participei com a Saphira e Ventura Gallery, de New York, em uma exposição que falava justamente sobre o planeta Terra. Podemos usar a arte para trazer reflexões acerca dos problemas ambientais que temos vivido e sobre os direitos humanos. A arte não pode ser apenas decorativa, ela precisa carregar uma mensagem, ela precisa ser ativista, ou seja, artivista.  Para Chiarelli (2019, p.26), “a arte social hoje em dia não é, de fato, um passatempo delicioso: é uma arma.” É essa arma que precisa ser utilizada. É preciso construir um legado de arte social, que irá falar com a comunidade, que trará mudança de paradigmas, de pensamentos, que quebrará o colonialismo, que baterá de frente com o racismo e com outras formas de preconceitos, contribuindo assim para a manutenção dos direitos humanos.

8. Além das premiações e exposições, você também se envolve em projetos de arte ao vivo e intervenções. Como essas experiências afetam sua criação artística?

Pintar em um evento e fazer intervenções tira-me da zona de conforto, meu ateliê, que é meu lugar seguro, minha torre forte. Essa experiência mexe com algumas áreas pictóricas. Exemplo disso é o tempo que é reduzido. Recentemente participei pintando em um festival de música gospel no Mineirão, onde estavam presentes cerca de 50 mil pessoas e pintei no palco. Estar pintando com outras pessoas me olhando às vezes é bem constrangedor e ao mesmo tempo empolgante. A grande questão é que o tempo influencia no resultado final da obra, pois é preciso fazer em poucas horas (4-5horas) o que eu demoraria quase 40 no studio. A pintura precisa ser mais solta, com pouco detalhamento, mais espontânea e gestual, como foi o leão que pintei no evento citado. A atmosfera do local também afeta muito, por exemplo, se está festivo e leve a pintura é feita com mais fluidez, com leveza e graciosidade. 

9. Diego, você é um mestre em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade. Como esses campos se entrelaçam em seu trabalho artístico?

Confesso que foi um grande desafio executar esse mestrado. Sendo um pintor de técnicas tradicionais, precisei pensar “fora da caixa” para ligar as três áreas. Minha proposta foi produzir obras de arte a partir de materiais de refugo das marcenarias da minha cidade.

Nesse contexto, o objetivo da minha pesquisa foi trazer uma reflexão sobre alguns aspectos que englobam a arte, a sustentabilidade e a urbanidade. Surgem algumas questões, como, por exemplo: o que é possível fazer para diminuir a quantidade de material descartado pelas marcenarias? Sendo assim, é preciso um olhar artístico que possa criar possibilidades de utilização desses materiais e gerar renda para artistas e artesãos da região.

Existe a necessidade de se repensar o consumo de materiais na construção, na produção dos bens de consumo e em todas as áreas da nossa vida para torná-la mais sustentável do ponto de vista ambiental, econômico e social. Essa necessidade atrai olhares para a exploração de novas alternativas e foi isso que busquei com minha pesquisa.

As técnicas tradicionais são, muitas vezes, julgadas inaplicáveis, isso acontece devido à escassez de mão de obra especializada. Após a Revolução Industrial, acentuou-se ainda mais a inaplicabilidade de técnicas tradicionais nos processos produtivos, o trabalho do artesão ficou caro diante da produção em série. O problema, na verdade, não está na complexidade da execução de determinadas técnicas, e, sim, numa nova condição da humanidade, pela qual tudo se tornou mais simples, automatizado e descartável.

As pessoas se distanciaram do ‘‘fazer’’. Nada se faz, tudo se compra. Esse é o lema da sociedade consumista contemporânea e é necessário tomar medidas para mudar a mentalidade da grande massa, que é direcionada pelo sistema capitalista de consumo. São ações como essa que desejei desenvolver, e isso pode ser um start na região de SJDR e no Brasil. Tudo o que fazemos com as próprias mãos, de forma artesanal e aproveitando, ou reutilizando materiais, gera uma subtração na grande carga de dejetos que poluem o meio ambiente.

Resultado disso foi uma série de quadros e esculturas contemporâneos que tem feito sucesso entre galerias e colecionadores. Divulgo essas obras no instagram @dmgaleria .

E sempre aproveito quando turistas, colecionadores e amigos entram no meu studio para fazer a reflexão sobre as questões ambientais.

10. Por fim, Diego Mendonça, qual mensagem ou impacto você deseja deixar através de sua arte para as gerações futuras?

Através da arte sempre tento fazer com que o espectador reflita sobre a vida, que busque e sinta paz, que valorize o próximo, que tenha fé em Deus, que se alegre com as coisas simples da vida, que olhe para os menos favorecidos, que se importe com a proteção das crianças, dos animais e da terra. 

Não quero ser conhecido como um pintor polêmico, ou um contraventor das leis, mas sim, desejo ser conhecido como aquele pintor que as pessoas desejem ter em casa, porque pintou o belo e as coisas da vida com maestria!  Nas palavras do saudoso crítico de arte Carlos Perktold, “Diego Mendonça tem suas próprias vocação e força, conhece as cores, os mistérios e os conflitos dessas senhoras ciumentas e briguentas, navega em barcos firmes da vida e, com talento, cria as composições…” E que Deus nos abençoe!

marramaqueadmin