Entrevista: Mateus Ma’ch’adö, escritor

Entrevista: Mateus Ma’ch’adö, escritor

1. Você nos conta sobre a inspiração por trás do seu livro “YHVH” e como a sua relação com as escrituras bíblicas influenciou sua criação poética?

Segundo a antiga tradição greco-romana, as Musas eram ninfas que inspiravam artistas e escritores. Essa ideia sobrevive nos dias atuais quando falamos em inspiração, tratando-se de uma herança pagã. Nos meus três primeiros livros de poesia há muitos elementos pagãos, porém, ao conhecer as escrituras foi me dado a compreender algo muito maior. E entendi que deveria criar uma poética cristocêntrica, cuja inspiração busco e me é dada pelo Espírito Santo.

2. O livro “YHVH” aborda questões contemporâneas, como o aborto, de maneira provocativa. Como você equilibra a tradição religiosa com a expressão artística em sua obra?

A formação da tradição poética na cultura ocidental, reconhecida, hipervalorizada e disseminada como parâmetro para a criação, é a greco-romana. Porém, a cultura judaico cristã, tendo a bíblia como Cânon poético-literário, também é fundadora da nossa cultura. E, bem como testificou o poeta William Blake, a bíblia é o Código dos códigos da literatura ocidental, ou seja, mais do que a obra homerica. O equilíbrio vem do próprio Espírito Santo, que vai me guiando e me ensinando. Questões como o aborto tem a mesma ressonância dos sacrifícios feitos a Moloch, no passado. Achei interessante usar o inferno de Dante como parâmetro para desenvolver a ideia e fazer um paralelo. O aborto, como acontece hoje, não acontecia na época de Dante, mas creio que ele condenaria o ato, colocando os responsáveis em um dos círculos infernais. 

3. Thiago de Mello, um renomado poeta, elogiou seu trabalho anterior. Como foi o impacto de ter a aprovação de poetas consagrados em seu desenvolvimento como escritor?

O Thiago teve uma enorme importância em minha vida, como um bom amigo e orientador. Meu primeiro livro, Origami de Metal, só foi publicado graças a ele. E, apesar das nossas diferenças, sempre houve um entendimento e respeito mútuos. O meu contato com Carlos Nejar foi bem menor, mas também importante. O Alberto Marsicano foi meu professor de música clássica indiana e meu relacionamento de amizade e de aluno/professor aconteceu nos dois últimos anos de sua vida. Sou grato a todos por dividirem comigo aquilo que eles tinham de melhor. Sou grato a D’us por ter colocado essas pessoas em minha vida.

4. Você mencionou que a Bíblia é uma parte importante do cânone literário ocidental. Como você vê a relação entre a religião e a literatura na sociedade moderna?

A sociedade moderna é antropocêntrica, ou seja, o centro de tudo é o ser humano. Obviamente, tudo que estiver relacionado com a religião, em especial ao cristianismo, passa a ser visto como “anti-moderno”. Por isso a leitura que o modernismo faz das escrituras é de um aglomerado de mitos e fábulas, no melhor dos casos. A ideia de que a era moderna é a era das luzes, da razão, do desenvolvimento humano, em contrapartida, com a idade média (teocêntrica), considerada idade das trevas, é uma ideia falsa. Veja, desde o mar de sangue que foi a revolução francesa até às duas grandes guerras mundiais, além do nascimento de ideologias trevosas como o nazismo, o fascismo e comunismo, diga-me, você acha realmente que vivemos na era das luzes e da razão? Vivemos em uma sociedade completamente doente, os transtornos mentais aumentam consideravelmente em número e intensidade. Mesmo tendo tudo em nossas mãos, nós matamos e nos matamos como em nenhuma outra época da história humana. Em meio a tudo isso, a literatura, a filosofia, a ciência e a própria religião vem decaindo cada vez mais; é claro que nasceram gênios em meio a tudo isso, porém, esses mesmos gênios modernos tiveram como referência os gênios da antiguidade e suas obras. Mas em pleno século XXI não temos mais nada além da herança moderna e suas consequências; vazia, sem forma definida e destituída de sabedoria, além da glorificação do feio.

5. Seu livro explora diferentes capítulos e personagens bíblicos. Como você escolheu quais partes das escrituras abordar e por quê?

Não houve uma escolha premeditada, tudo veio de maneira muito natural, porém intensa, daquilo que eu já conhecia e fui redescobrindo no processo da escrita. Há personagens conhecidos como o profeta Jonas, Abraão, Maria mãe de Jesus, Judas Iscariotes entre outros, assim como há personagens mais obscuros, como Ninrod e Melquisedeque.

6. O capítulo intitulado “O Vale dos Abortados” aborda um tema sensível. Como você espera que os leitores reajam a essa parte do livro?

R – Não importa o tema, seja qual for, ele precisa ser tratado buscando sempre a verdade. Vai depender de cada leitor. Não escrevo para agradar ou desagradar as pessoas. Porém, muitos leitores sentiram-se impactados com os poemas desse capítulo, que abre o livro. Esses leitores foram tocados de alguma forma e isso é um bom sinal.

7. Além de poesia, você também escreve ensaios e romances. Como esses diferentes gêneros literários se complementam em sua obra?

Comecei escrevendo poesia e hoje estou reaprendendo a escrever poesia. Mas gosto de escrever prosa; em especial romance e tive uma experiência muito boa escrevendo ensaios. Creio que há algo de poético em minha prosa também, e todos se complementam muito bem, são partes de um todo.

8. Você mencionou James Joyce como uma influência. Como sua obra se conecta com autores clássicos da literatura, como Joyce, e como você acha que essa conexão enriquece seu trabalho?

A conexão acontece porque nos encontramos em algum ponto, creio que, no caso de Joyce e outros modernos, das fontes mais antigas, como Dante ou Blake, por exemplo. O livro de ensaios sobre James Joyce, 17 de junho de 1904 – O dia que não amanheceu, é obra de um leitor agradecido por Joyce ter escrito livros como Os Dublinenses, Ulisses e Finnegans Wake.

9. “YHVH” parece ser uma obra complexa e intertextual. Como você acredita que os leitores podem tirar o máximo proveito dela?

Pode parecer clichê, mas o livro tem suas camadas. Um leitor, com algum conhecimento bíblico, se sentirá mais a vontade, o terreno não parecerá tão desconhecido. Para os leitores que não tem conhecimento dos livros bíblicos, poderá ser uma aventura, uma descoberta, podem ser experiências diferentes, mas ambas gratificantes. Claro, há aqueles escritores e “poetas” que entregam tudo de graça, não é o meu caso. É um livro de poucas páginas, facilitando a releitura.

10. Finalmente, o título do livro “YHVH” é bastante intrigante. O que o Tetragrama representa para você e como ele se encaixa na narrativa do seu livro?

O Tetragrama, antes de ser um nome, é um conceito, pouco compreendido por boa parte dos cristãos, sejam católicos ou evangélicos. Nas escrituras D’us é chamado por inúmeros “nomes”, que na realidade não são nomes, mas mera adjetivação. O verdadeiro nome de D’us (e sua pronúncia) é desconhecido. Mas sempre houve tentativas de dar um nome ao Criador de todas as coisas; Javé, Jeová etc. Eu explico melhor esse tema no posfácio. Mas há também um poema chamado O Abismo de D’us, que começa assim:

Aconteceu que alguns homens eruditos,

embora cultos, viviam muitos conflitos.

Entre eles um matemático, um teólogo 

e um cabalista, além do maior filólogo.

Tomados de ambição lograram intento

 impossível; descobrir o verdadeiro 

nome de D’us; ainda que por um momento

soubessem que não é dado, pra um formigueiro, saber tal mistério.

11. Qual é o seu poema bíblico favorito?

Não existe um favorito, são muitos. Poderia citar inúmeros salmos, um cântico de Moisés ou, dos mais óbvios, o Cântico dos Cânticos. Mas, atualmente, fico em um estado de êxtase místico ao ler a resposta que D’us deu a Jó, que começa no capítulo 38 e vai até o 41 do livro de Jó. Trata-se de um exemplo do mais alto grau poético.

12. Você acredita que os peixes podem apreciar poesia?

Alguns estudos científicos atestam que vegetais e animais reagem muito bem quando expostos em um ambiente com boa música; plantas florescem e dão frutos de maneira viçosa, animais produzem mais leite, ficam mais calmos, como se apreciassem Mozart, Bach e Beethoven. E claro, há poesia nessas composições. Por outra perspectiva, não são todas essas criaturas, os peixes, os tilacinos, as mandrágoras, os casuares obras do Criador? Não seriam essas criaturas a sua obra poética? Diziam os antigos que a Poesia nos eleva a D’us.

13. Se Deus fosse um poema, como seria?

Não faço ideia. Há uma parte de D’us que se mantém no mistério, até porque, veja, como uma mente tridimensional poderá compreender o que criou tudo o que existe? Como compreender Aquele que cria do nada? E não há nada, nenhum sistema, criado fora de D’us. Conhecemos muito pouco e em partes e, infelizmente, essa é a razão de tanta descrença, de tanta incompreensão.

14. Como você lida com críticas de pessoas que podem considerar sua obra uma blasfêmia?

Não creio que haja blasfêmia, mas se for considerada assim é por pessoas que nada ou pouco conhecem das escrituras. Com YHVH inicio uma nova fase da minha obra. Não sei como será daqui por diante, mas que Cristo cresça e eu diminua naquilo que faço. Um dos problemas da poesia contemporânea é a exacerbação do “eu”, ou seja, uma “poesia” muito centrada no autor, sendo ele o centro de tudo; fruto da herança moderna. Então temos uma “poesia” feita com as cascas da ilusão. Minha proposta é uma poesia teocêntrica, cristocêntrica, deixando o “eu” como um  mero coadjuvante, sendo assim, por que me importaria com críticas? Claro, aceito elogios como alguém que desempenha um bom trabalho, uma boa função. Mesmo assim, gosto de lembrar aos meus leitores que sou apenas um instrumento nas mãos de D’us, guiado pelo Espírito Santo, se a obra não for boa, a culpa é do instrumento que, certamente está sem corte, com algum defeito. Dizem que D’us escreve certo por linhas tortas. Se o instrumento está cego, sem corte, é Ele que vai afiar a minha lâmina, ainda que seja no esmeril do meu tormento.

15. O que você diria para aqueles que acusam sua obra de ser uma tentativa de reinterpretar a religião de forma irreverente?

Diria que não entenderam nada.

16. Em um mundo cada vez mais secular, como você acredita que sua obra pode contribuir para o diálogo entre crentes e não-crentes?

R- Os não-crentes podem se beneficiar com a leitura da minha obra, ainda que seja apenas pelo prazer da leitura, da mesma forma de que muitos não-crentes se beneficiam lendo Dante, São João da Cruz, Rumi, Kabir, Kahlil Gibran. Trata-se de pessoas, independente de suas crenças, lendo poesia. Mas há uma verdade incômoda, o mundo secular ou, melhor dizendo, o mundo moderno odeia Jesus Cristo e tudo que está relacionado com a religião cristã. Antigamente os poetas malditos eram aqueles que viviam a margem da sociedade, devido as condutas pessoais, eram transgressores. Hoje porém, tais transgressões foram assimiladas e são aceitas como conduta normal e aceitável pela sociedade, por esse mundo cada vez mais progressista; o que era condenado antes, hoje é norma. No entanto, outros poetas malditos surgirão, esses são os poetas em Cristo. Pois, sabemos que, pela palavra, seremos odiados pelo mundo por amor a Cristo.

Agradeço de coração pela oportunidade, Maxwell. Obrigado.

“Que D’us o abençoe e guarde.

Que D’us faça a sua face brilhar sobre você e mostre a você seu favor.

Que D’us levante sua face na sua direção e de paz a você”

marramaqueadmin